Thaís Nicoleti https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br Sun, 25 Jul 2021 11:00:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Meu neologismo favorito https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/07/01/meu-neologismo-favorito/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/07/01/meu-neologismo-favorito/#respond Thu, 01 Jul 2021 17:03:39 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/Dicionário-Aurélio-Fábio-Braga-25-set-15-Folhapress15593559805cf1e24cb7977_1559355980_3x2_lg-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1624 Uma palavra nova, inventada, começa a circular na língua aqui e ali e, depois de uma espécie de fase de testes, é incorporada ao léxico ou descartada, condenada ao esquecimento, quando não ao uso particular de um falante ou de um grupo. Em geral, é a inclusão em dicionários que atesta a entrada do neologismo no léxico da língua, uma forma de reconhecimento de sua vitalidade.

Nossos leitores aceitaram uma provocação para interagir com a Folha, que os convidava a dizer qual era o seu neologismo predileto. Como não poderia deixar de ser, não faltou quem se lembrasse do repertório novo surgido com a pandemia de Covid-19, que, por um deles foi chamado de covidioma.

Lá estão arrolados covidário (já usado por médicos para fazer referência à ala de pacientes de Covid-19) e as invenções covidar (pegar a doença/ Fulano covidou), descoronar (desinfetar com sentido específico de livrar do coronavírus/ Fulano descoronou as compras), clorokiller e cloroquiner – estes últimos, mesclas das sílabas iniciais de “cloroquina” com elementos da língua inglesa, têm uso ligado especificamente ao contexto brasileiro de enfrentamento da pandemia pelo governo e, por certo, dispensam explicação.

Covidário a alguns incomoda pela associação com os antigos “leprosários”, que eram estabelecimentos onde permaneciam isolados os pacientes de lepra (hoje hanseníase) quando a doença não tinha cura. O sufixo “-ário”, nesse caso, apenas indica a ideia de coleção, como, de resto, em apiário, serpentário, ranário etc. O exemplo é bom porque mostra um dos processos de criação de palavras: o uso de sufixos preexistentes na língua associados a novos radicais.

Em covidioma, temos um caso de composição, com dois radicais justapostos (Covid + idioma), outro processo bastante fecundo de criação. As formas verbais, é bom que se diga, sempre pertencem à primeira conjugação (terminada em “-ar”), que é a única fértil no momento atual da língua, aparecendo também no sufixo “-izar”. Assim se explicam covidar, descoronar e outros verbos que surgiram na enquete.

Verbos: sempre da primeira conjugação

Uma leitora nos diz que, no lugar da expressão “fazer xixi”, da linguagem infantil, ela emprega xixizar. Outro de nossos amigos gosta mesmo é de pitacar, coisa que ele diz fazer diariamente no site da Folha: ele dá seus “pitacos” e passa o seu recado! “Pitaco”, como todos sabemos, é aquele palpite que se dá numa conversa. No dicionário “Houaiss”, embora com ressalva, aventa-se a hipótese de que esse termo de uso informal tenha origem no nome de Pítaco, um antigo sábio da Grécia!

Entre os verbos, apareceram mariar (agir como Maria?) e baleiar, usado por um grupo de frequentadores da Barra do Sahy, no litoral norte de São Paulo, que costumava caminhar pelo areal até a vizinha praia da Baleia, momento de descontração e de conversas sobre vários assuntos. O termo funciona dentro de um grupo fechado, sendo, portanto, menos um neologismo propriamente dito que uma gíria. Segundo a leitora que o enviou, o verbo guarda sinonímia com a expressão fazer uma Baleia.

Formação erudita

Fazendo uso de elementos gregos de composição (“poli-” + “agn-”), um leitor nos disse usar o termo poliagno para se referir a uma pessoa multi-ignorante. É ele quem explica: “É o contrário de ‘polímata’, que é o indivíduo que sabe de vários assuntos. O ‘poliagno’ desconhece vários assuntos”. “Poli-” indica multiplicidade, e “agn-”, ignorância.

Sabor popular

Mais frequentes que os termos de feição erudita, chegaram a nós aqueles de sabor popular. É o caso de enjolanca, que o leitor diz ouvir do pai “e de mais ninguém” (um modo de dizer que algo é “muito enjoado”) e devolança, que seria a “volta”, a “resposta” (é do leitor o exemplo de uso: “Bolsonaro não comprou as vacinas e agora nas urnas virá a devolança”).

Composições criativas

A política tem dado grande estímulo à criatividade das pessoas. Têm surgido várias palavras expressivas, algumas muito bem-humoradas, caso de embaixapeiro, que já veio no formato de verbete de dicionário, com definição e tudo (“palavra que designa o sujeito que supõe ter aptidão para ocupar um cargo diplomático por ter já desempenhado a função de fritador de hambúrguer”), e de intelijumento (“o mais esperto entre os menos espertos”), ambas de um mesmo autor.

Uso particular

Comprofodência também chega à maneira de verbete: “Substantivo abstrato feminino. Sinônimo de ‘simancol’, bons modos, temperança. Adjetivo: comprofodente. Uso: Fulano tem uma postura bastante comprofodente”. Provavelmente de uso particular, o termo parece nascer da junção de vários outros. Formação similar dá-se em menosquência, que, segundo o autor, sugere capacidade de discernimento (“Isso é falta de menosquência; que absurdo, que lapso de menosquência!”).

Gíria

Uma leitora diz gostar muito da gíria tals, que é uma espécie de plural irregular do pronome demonstrativo “tal”, com valor de “etc.”: “Estou mergulhada naquele projeto, numa revisão difícil, e-mails por responder e tals”. A graça, naturalmente, está nesse plural com mero acréscimo de “s” ao “l” final. É a desobediência à regra de flexão que assinala o uso gírio.

Efeito semelhante vem de taqueopariu, enviado por outra pessoa: a criatividade vem da junção dos termos e da supressão da sílaba inicial de “puta”, cujo traço semântico se apagou, restando ao termo apenas o valor interjetivo.

Panguar também apareceu no rol de preferências dos leitores: o termo da linguagem popular (“ficar/estar de bobeira”, à toa, perdendo tempo, enganado, iludido) já aparece no “Dicionário Informal” na expressão “tá panguando”, de origem desconhecida.

Referências intelectuais

Alguns leitores trouxeram palavras inspiradas em leituras e outras referências. Foi esse o caso de gogolização, termo derivado do nome do escritor russo Nikolai Gogol, autor da célebre obra “O Inspetor-Geral”, na qual um impostor se passa pelo inspetor-geral de uma província russa e procede às mais ridículas situações.  Nosso leitor diz usar o termo “para qualificar o total desmantelamento da ética, da seriedade e da qualidade dos cargos de confiança do governo”.

Acabativa foi lembrado por outro leitor, que atribui sua criação ao consultor de empresas Stephen Kanitz, em clara analogia com “iniciativa”. Segundo o conferencista, não basta ter iniciativa; é preciso terminar os projetos iniciados. Esse termo ilustra outro processo de formação do neologismo, que é a analogia.

O termo quimiscritor, já inventado e associado a Primo Levi, químico e escritor, foi lembrado por outro leitor. Outro ainda se recordou do neologismo criado pelo ensaísta libanês (radicado nos Estados Unidos) Nassin Nicholas Taieb, que cunhou a forma antifragile – em português, antifrágil – que nomeia um conceito filosófico. Novos conceitos, novos objetos, novas realidades precisam de novos nomes. Esse é, por assim dizer, o caso típico de surgimento de neologismo.

Referências literárias: à moda de Guimarães Rosa

O maior criador de palavras da literatura brasileira foi, sem dúvida, João Guimarães Rosa, autor de “Grande Sertão: Veredas”, entre muitos outros livros bem conhecidos do público. Vários leitores se lembraram do escritor, tendo um deles escolhido desexistir, que aparece na sua obra máxima: “Dia da gente desexistir é um certo decreto – por isso que ainda hoje o senhor aqui me vê” ).

Outros trouxeram termos que, como se vê, até poderiam ter saído de uma página de algum de seus escritos: desver  (hoje usado nas redes sociais, quando queremos esquecer uma imagem inconveniente), desendoidar (busca de atividades na tentativa de não enlouquecer neste período de pandemia), desbolsonarizar (“Em 2022, será mais que necessário ‘desbolsonarizar’ o Brasil), disconcordar, desler (o último já usado por Paulo Leminski, no poema “Ler pelo Não” –  “Desler, tresler, contraler,/ enlear-se nos ritmos da matéria,/” – e pelo psicanalista Ricardo Goldenberg, na obra “Desler Lacan”), repiorar e desasnificar. Este último veio de leitora que diz tê-lo criado em associação à imagem do Burro Falante (personagem de Monteiro Lobato), com o sentido de “buscar instrução para afastar o rótulo de burrice, inteirar-se de determinados assuntos para não passar vexame entre amigos”. Vale dizer que os dicionários registram o termo “desasnar”, no sentido de dar instrução (especialmente as primeiras noções), instruir-se, adquirir conhecimentos básicos de um oficio, ou corrigir equívoco.

O verbo “descomer” também apareceu, como referência a Ariano Suassuna, que o emprega no “Auto da Compadecida”, mas, segundo o dicionário “Houaiss”, esse termo, de uso informal, tem registro desde 1882, não sendo, portanto, um neologismo. O mesmo ocorre com “esperançar”, palavra que nos chegou como criação do saudoso educador Paulo Freire, que, de fato, o empregou, mas não foi seu autor (o registro mais antigo do termo é de 1789).

Neologismos dicionarizados

Outros leitores resgataram neologismos que, embora tenham perdido o frescor da estreia, ainda são percebidos como tais. É esse o caso do adjetivo imexível, criado por Antônio Rogério Magri, ministro do Trabalho do governo Collor de Mello (1990). O uso do termo (no sentido de o governo “não pretender ‘mexer’ nas regras da caderneta de poupança”) foi objeto de grande polêmica na imprensa até ganhar a defesa do filólogo Antônio Houaiss, que o registrou em seu dicionário.

Outro termo que já se tornou familiar é o popular panelaço, lembrado por uma leitora, que o escolheu por gostar “tanto do som da palavra como do efeito”. Cabe lembrar que o sufixo “-aço”, normalmente associado a aumentativo (amigaço, mulheraço), aparece nesse caso ligado à ideia de quantidade, análogo a “buzinaço”.

Ressignificado

Houve um leitor que disse ter predileção pela palavra textículo, que acredita ser de sua própria lavra. O termo é comum na linguagem informal como diminutivo de “texto”, em possível analogia jocosa com “testículo”. Nosso leitor, no entanto, adverte de que o significado do termo é, para ele, “texto pequeno e ridículo”. Sua analogia particular dá-se, portanto, com “ridículo”. A ressignificação de um termo preexistente também é um processo neológico.

Tabuísmo e ativismo

Recebemos ainda “estelarmente”, que não é um neologismo, mas um advérbio derivado do adjetivo “estelar” (relativo a “estrela”), rebosteio, da linguagem popular tabuística, e, ainda, todxs, cujo uso foi defendido como forma de respeitar as pessoas que não se identificam com nenhum dos gêneros – e, talvez sem perceber, em sua justificativa, a pessoa que o enviou faz uso de um dos neologismos mais frequentes nas redes sociais: “E pedir que compreendam quem usa não é ‘mi-mi-mi’, é garantir a liberdade de expressão, liberdade sexual e liberdade que um ser tem sobre si”. “Mi-mi-mi”, cuja grafia deve ser com os hifens, ilustra outro processo de criação de palavras, a onomatopeia, ou seja, a imitação de um som. É uma modernização do proverbial “nhe-nhe-nhem”, formado pelo mesmo processo.

Candidato à dicionarização

Finalmente, citado por mais de um leitor, o vocábulo bolsomínion é um candidato à dicionarização, dada a frequência do uso e o significado razoavelmente bem definido. Formado das primeiras sílabas do sobrenome do presidente da República (Bolsonaro), seguidas da palavra “minion”, do inglês, que significa “lacaio”, “seguidor servil”, o termo está na boca do povo. Note que o uso do acento fica aqui como sugestão de aportuguesamento da palavra, que, de resto, é uma paroxítona terminada em “n”.

PS- Agradecemos a todas as pessoas que participaram da interação com a Folha. 

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‘Cagão’, ‘viado’, ‘cidadão’: quem tem medo do coronavírus? https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/07/09/cagao-viado-cidadao-quem-tem-medo-do-coronavirus/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/07/09/cagao-viado-cidadao-quem-tem-medo-do-coronavirus/#respond Thu, 09 Jul 2020 18:15:19 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/Calçadas-do-Leblon-Reprodução.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1517 É certo que estamos todos fartos do distanciamento social, cansados de desinfetar tudo o que entra em nossas casas e incomodados com esse pedaço de pano que nos encobre o rosto e nos sufoca. Nada disso é agradável, mas é o que está a nosso alcance para tentar evitar a contaminação pelo coronavírus. Parece óbvio? Não para os valentões da cloroquina.

A antropóloga Mirian Goldenberg hoje relata, em sua coluna “Você já foi xingado de cagão?”,  episódio em que seu marido foi assim chamado por estar seguindo as regras de precaução indicadas pelos médicos epidemiologistas. Há alguns dias, a jornalista Mônica Bergamo divulgava nota de bastidores, segundo a  qual o presidente Jair Bolsonaro costumava dizer diante de visitas que usar a máscara de proteção era “coisa de veado” (ou “viado”, com “i”, como diz o colunista Renan Sukevicius em seu blog, mostrando que o uso da letra “i” é uma espécie de reforço do preconceito). O “cagão” e o “viado”, no ideário machista que subjaz ao discurso desses valentões, são menos machos: estão com medo de enfrentar o “virusinho” que provoca uma “gripezinha” ou um “resfriadinho”.

Engana-se, porém, quem pensa que só homens estejam sendo desafiados a mostrar sua macheza e sair por aí sem máscara, sem se distanciar, sem tomar precaução. O mesmo discurso da valentia é usado entre mulheres.

O relato de uma amiga que foi ao salão de cabeleireiro é ilustrativo. Preocupada com as regras de distanciamento e higiene, ela foi alvo de gracejos e chamada de “fraca”. A manicure, embora usasse a máscara, foi logo avisando que seus parentes, que moram no Piauí, foram testados, ficaram sabendo que já tiveram essa doença “faz tempo” e nem perceberam – e, aliás, já têm anticorpos. Acrescentou ainda que quem fica doente é “quem tem outros problemas de saúde” e que a morte acontece “quando chega a hora”. E foi além: com certo orgulho, disse que “os pobres” não estão preocupados com isso.

O que temos, então, neste momento de pressão pela volta da atividade econômica, que demanda os velhos hábitos de consumo, é um chamado ao “brio” das pessoas. Se você não sai de casa, não vai consumir, passear no shopping, conhecer os últimos modelos da coleção de inverno nas lojas, frequentar o salão de beleza, a academia etc. etc., você é fraco, “viado”, “cagão” (ou “cagona”).

É assim, no varejo, que as mensagens (e, sobretudo, o exemplo) do presidente da República repercutem. Bolsonaro é o valentão, que, com cloroquina na cartucheira, vai combater a gripezinha, que agora, se for verdadeiro o resultado de seu último exame, também o acometeu. Não à toa já avisou que está tomando o medicamento milagroso, cujos estoques precisa desovar. As suas atitudes, considerado o conjunto da obra, não nos transmitem credibilidade, motivo pelo qual não seria surpresa um dia descobrir que o resultado positivo foi apenas parte de uma peça de marketing.

De qualquer modo, a manicure, como tantas outras pessoas, acredita ter vindo de uma linhagem de gente forte, que, acostumada a enfrentar dificuldades, já tem anticorpos. Vagamente religiosa, crê que a morte seja assunto de Deus. Então, é só deixar de “frescura” e voltar a fazer tudo como antes, no melhor estilo “morra quem morrer” – afinal, se assim for, Deus terá sido o responsável.

Por outro lado, há os valentões empoderados pela suposta “classe social” a que pertencem, caso do “engenheiro civil, formado”, que se recusa a agir como cidadão. Não há como saber se aquela mulher que aparece no vídeo conhece o significado da palavra “cidadão”. Caso consultem o dicionário “Houaiss”, ela e o companheiro obterão esta definição: “indivíduo que, como membro de um Estado, usufrui de direitos civis e políticos garantidos pelo mesmo Estado e desempenha os deveres que, nesta condição, lhe são atribuídos”.

De  qualquer forma, sua atitude vergonhosa diante de um agente da Vigilância Sanitária, que tentava zelar pela saúde do conjunto da sociedade, deixa claro que não estão mesmo dispostos a agir como cidadãos. Como se vê, o combate à pandemia é mais que um assunto sanitário.

Dito isso, é evidente que tem tudo para ser catastrófica a reabertura do comércio, das academias, dos parques etc. Na prática, se a precaução é só uma opção (a dos “viados”, “cagões” e “cagonas”), não há como garantir segurança a ninguém — principalmente diante da  aliança macabra do coronavírus com os valentões da cloroquina.

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Por que, porque, porquê, por quê: empregue corretamente cada forma https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/11/25/por-que-porque-porque-por-que-empregue-corretamente-cada-forma/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/11/25/por-que-porque-porque-por-que-empregue-corretamente-cada-forma/#comments Sat, 26 Nov 2016 00:04:34 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1124 Porque, porquê, por que, por quê. Quatro grafias para o mesmo som, ou seja, um convite à confusão. Com um pouquinho de atenção, no entanto, você vai perceber que é muito simples distinguir uma da outra.

http://mais.uol.com.br/view/15982280

Porque, uma só palavra, sem acento, só se emprega como conjunção, ou seja, para ligar duas orações. Grosso modo, pode-se dizer que as conjunções explicitam as relações semânticas entre as ideias. “Porque” encabeça uma oração que exprime a causa ou a explicação de outra. Lembre-se de que causa é aquilo que provoca determinado fato, o que é diferente de explicação.

Dessa forma, temos “porque” como conjunção subordinativa causal (aparece em uma oração subordinada) e “porque” como conjunção coordenativa explicativa (aparece em uma oração coordenada). Quando falamos em subordinação e coordenação, estamos no domínio da sintaxe, ou seja, falamos do conjunto de relações entre as partes do texto. Como se vê, a conjunção exprime, mais do que relações semânticas, relações sintático-semânticas.

Muito bem. Nosso objetivo aqui é a ortografia, portanto, por ora, basta identificar a situação em que “porque” é uma conjunção (causal ou explicativa, tanto faz).

Veja os célebres versos de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa:   Adão portugues em foco

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

Nesse verso, “porque” é uma conjunção, pois liga duas orações, cada qual em um verso do poema. O fato de não ser o rio que corre pela aldeia do “eu lírico” é a causa de o Tejo não ser mais belo que o rio que corre pela sua aldeia. O raciocínio tem algo de capcioso, mas mostra que o belo é subjetivo, filtrado pela emoção.

É também a conjunção “porque” que aparece na canção dos Titãs “Porque Eu Sei que É Amor”. Observe que a causa aparece antes do fato principal. O autor da letra poderia ter dito “Sei que cada palavra importa porque eu sei que é amor”. A inversão, porém, confere ênfase a esse verso, que se repetirá e dará título à canção.

Nessa mesma letra, encontramos a substantivação dessa conjunção, ou seja, o porquê com acento. Essa grafia, acentuada, indica que a palavra é um substantivo. Pode, então, ser substituída por sinônimos como motivo ou causa.

Porque eu sei que é amor,/ Eu não peço nada em troca/ Porque eu sei que é amor,/ Eu não peço nenhuma prova

Mesmo que você não esteja aqui,/ O amor está aqui/ Agora/ Mesmo que você tenha que partir,/ O amor não há de ir/ Embora

Eu sei que é pra sempre/ Enquanto durar/ E eu peço somente/ O que eu puder dar

Porque eu sei que é amor,/ Sei que cada palavra importa/ Porque eu sei que é amor,/ Sei que só há uma resposta

Mesmo sem porquê, eu te trago aqui/ O amor está aqui/ Comigo/ Mesmo sem porquê, eu te levo assim/ O amor está em mim/ Mais vivo

Eu sei que é pra sempre/ Enquanto durar

Note que o “porque” causal pode ser substituído por “como” quando a oração está antes da principal, exatamente como ocorre nesses versos. Seria possível dizer “Como eu sei que é amor, eu não peço nada em troca”, “Como eu sei que é amor, eu não peço nenhuma prova”, “Como eu sei que é amor, sei que cada palavra importa”, “Como eu sei que é amor, sei que só há uma resposta”, mantendo o sentido de “porque”. Na passagem “mesmo sem porquê”, temos o substantivo, daí o acento circunflexo. Poderíamos dizer “mesmo sem motivo“. Na condição de substantivo, “porquê” admite anteposição de artigo e flexão de número, portanto podemos dizer, por exemplo, que cada um tem seus porquês (isto é, suas razões ou seus motivos) ou que o porquê de uma atitude nem sempre é claro (o porquê de = o motivo de).

INTERROGAÇÃO DIRETA E INTERROGAÇÃO INDIRETA

Por que é um advérbio interrogativo de causa, que serve para introduzir uma pergunta de natureza causal. Veja um exemplo, extraído do “Poema de Sete Faces”, de Carlos Drummond de Andrade:

Meu Deus, por que me abandonaste

Se sabias que eu não era Deus

Se sabias que eu era fraco?

Esse é o caso típico do “por que” da pergunta, pois aparece em uma interrogação direta, com ponto de interrogação no final. Nem sempre, porém, esse advérbio vai introduzir perguntas diretas. É ainda ele que se emprega nas chamadas interrogações indiretas (sem o ponto de interrogação). Quando dizemos, por exemplo, que gostaríamos de saber por que alguma coisa ocorreu, estamos, de modo indireto, fazendo uma interrogação. É, portanto, o mesmo advérbio (“por que”) que se emprega na frase. Geralmente pode ser substituído pela expressão “a razão pela qual”. Gostaria de saber a razão pela qual algo ocorreu. É a grafia “por que” (em duas palavras) que se se usa no verso da canção “Lenha”, de Zeca Baleiro.

Eu não sei dizer/ o que quer dizer/ o que vou dizer
Eu amo você,/ mas não sei o que/ isso quer dizer
Eu não sei por que/ eu teimo em dizer/ que amo você
se eu não sei dizer/ o que quer dizer/ o que vou dizer
Se eu digo pare,/ você não repare/ no que possa parecer
Se eu digo siga,/ o que quer que eu diga/ você não vai entender,
mas se eu digo venha,/ você traz a lenha/ pro meu fogo acender

No trecho “Eu não sei por que eu teimo em dizer que amo você”, podemos substituir “por que” por “a razão pela qual” (Eu não sei a razão pela qual eu teimo em dizer que amo você). Esse advérbio “por que”, se colocado no fim da frase, ganharia um acento. Imagine que os versos de Zeca Baleiro fossem estes: Eu teimo em dizer que amo você não sei por quê.  No final do período, a chamada posição tônica,  o advérbio é acentuado.

DISTINÇÃO FUNDAMENTAL: POR QUE/ PORQUE

Aparentemente, essas  são as grafias que mais ocasionam confusão. É muito comum que as pessoas usem no lugar do advérbio “por que” a conjunção “porque”, o que pode ter origem no fato de que o advérbio interrogativo nas chamadas interrogações indiretas também encabeça uma oração. Daí a parecer uma conjunção, é um passo curto. Convém, portanto, explicar esse ponto. Será o advérbio (por que), não a conjunção (porque), a palavra que introduz uma oração cuja função é ser o objeto direto da anterior. Complicado? Nem tanto. Vamos à canção de Zeca Baleiro:

Eu não sei/ por que eu teimo em dizer/ que amo você [aqui as barras separam as orações, não os versos]

A primeira oração, “Eu não sei”, requer um complemento (o que é que eu não sei?). O complemento do verbo “saber” (o seu objeto direto) é a oração “por que eu teimo em dizer” (a razão pela qual eu teimo em dizer). Essa oração exerce a função de objeto direto da anterior, enquanto a causal (introduzida por “porque”) exerce função de adjunto adverbial de causa. O objeto direto é um termo complementar, que poderia ser substituído por um substantivo (Eu não sei alguma coisa). Essa “coisa” pode expressar-se na forma de uma oração justaposta (sem conjunção, iniciada por um advérbio). Vejamos alguns exemplos:

Eu não sei como você chegou aqui. [como = modo de chegar]

Eu não sei quando você chegou aqui. [quando = tempo, momento da chegada]

Eu não sei onde você mora. [onde = lugar em que se mora]

Eu não sei por que eu teimo em dizer [por que = motivo da teimosia]

Observe que a mesma oração (“Eu não sei”) é completada por orações iniciadas por advérbios interrogativos (“como”, de modo; “quando”, de tempo; “onde”, de lugar; “por que”, de causa). Pode-se dizer que, nesse tipo de estrutura, “por que” (advérbio) permuta com outros advérbios (como, quando, onde). Já a conjunção “porque” é empregada em outro tipo de situação. Como ela introduz um adjunto adverbial, que não é um termo complementar, a oração principal do período tende a expressar uma ideia completa. Veja um exemplo: “Ele não foi ao cinema porque se sentiu mal”. [Ele não foi ao cinema – ideia completa/  porque se sentiu mal – circunstância de causa, ideia acessória, não complementar].

PORTUGUÊS BRASILEIRO E PORTUGUÊS EUROPEU

Existe diferença de grafia entre o registro brasileiro e o português no que se refere ao emprego dessas duas formas. O advérbio interrogativo de causa, que aqui se grafa em duas palavras, em Portugal é escrito como uma só palavra. Diga-se que o sistema de lá é mais sensato nesse ponto. Veja um exemplo, no célebre soneto de Camões “Busque Amor novas artes, novo engenho”:

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n’alma me têm posto
um não sei quê*, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

Observe como o “porquê” final é um advérbio (como “onde” e “como”). Na grafia portuguesa, é uma palavra só e recebe o acento por estar na posição tônica. Na grafia brasileira, teríamos “dói não sei por quê”.

OUTROS USOS

Por que, em duas palavras, também pode ser equivalente a “pelo qual” (e flexões). Assim: “O ideal por que lutamos é a liberdade” equivale a “O ideal pelo qual lutamos é a liberdade”.  Nesse caso, temos a preposição “por” seguida do pronome relativo “que” (o pronome relativo é responsável pela retomada de um termo já mencionado e deve ser antecedido de preposição se a regência de um verbo ou nome assim o exigir). Veja alguns exemplos:

Essa era a explicação de que eu precisava. [precisava de – de que precisava]

Esse foi o filme a que eu assisti. [assisti a – a que assisti]

Aqui está a mala com que ela viajou. [viajou com – com que viajou]

Aquela era a causa por que lutava. [lutava por – por que lutava]

Por que também pode ser a preposição “por” seguida do pronome indefinido “que”, o que ocorre em situações como estas: Por que caminho você veio? [por qual caminho] ou Não sei por que motivo ela não veio [por qual caminho].  O encontro da preposição “por” (regida por um verbo ou nome) com a conjunção integrante “que” (a que introduz as orações substantivas) é outra estrutura em que teremos a grafia “por que”: Ansiava por que aquela viagem terminasse logo [ansiava por algo/ algo = que aquela viagem terminasse logo].

DÚVIDAS FREQUENTES

Em títulos jornalísticos, é comum observarmos o emprego de “por que” em interrogativas indiretas elípticas. Vejamos um exemplo:

Por que as mulheres devem amamentar os bebês

Esse tipo de construção intitula um artigo em que se discorre sobre as razões pelas quais as mulheres devem amamentar os bebês. Em outras palavras, caberá ao texto responder à interrogação indireta representada pelo título, que aqui chamei de elíptica, pois nela se subentende uma oração principal que configuraria uma estrutura do tipo “Saiba por que as mulheres devem amamentar os bebês”. É comum as pessoas hesitarem quanto à pontuação desse tipo de frase. Costumam perguntar se caberia um ponto de interrogação. A resposta é “não”, exatamente por se tratar de interrogação indireta.

O acento de “por quê” é outra dúvida frequente. A  regra é que seja empregado quando a palavra aparece em posição tônica, ou seja, antes de pausa forte (representada por ponto final, ponto de interrogação, ponto de exclamação, reticências), ou seja, no fim do período. Ocorre, porém, que, antes das orações coordenadas adversativas (aquelas introduzidas pelo “mas”), ocorre uma pausa enfática que autoriza o emprego do acento, dado que a pronúncia se torna tônica. Assim: Não sei por quê, mas isso não me agrada.

Esse acento não se usa apenas em “por quê”. O princípio se estende ao “que” posto em posição tônica. Assim: Você vai comprar isso para quê? Vou usar esse chapéu não sei com quê. Vale lembrar aqui que o “que” pode sofrer o processo de substantivação e, nesse caso, também será acentuado (Seu olhar evocava um quê de mistério). Na expressão “não sei quê”*, usa-se o acento.

A conjunção porque pode aparecer em orações interrogativas. Isso ocorre quando a pergunta incide sobre a relação de causa e efeito, não sobre a causa em si, de modo que a resposta será na forma de “sim” ou “não”. Veja um exemplo: “Você não veio ao escritório ontem porque estava doente?”. Nesse caso, quem pergunta quer confirmar a relação de causa e efeito (foi esse o motivo de sua ausência?). A essa pergunta respondemos “sim” ou “não”. É diferente de perguntarmos “Por que você não veio ao escritório?”. Agora, indagamos a causa, empregando, portanto, o advérbio interrogativo de causa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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“Fora Temer” ou “Fora, Temer”? https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/23/fora-temer-ou-fora-temer/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/23/fora-temer-ou-fora-temer/#comments Tue, 23 Aug 2016 20:03:31 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1094 Em tempos de impeachment ou de golpe branco, a depender do ponto de vista adotado, temos convivido com a interinidade de um presidente que, ao que tudo indica, está bem longe de responder aos anseios da população. Quem diz isso são as ruas, que, ora menos ruidosas, ainda tentam empunhar cartazes com a mensagem que melhor sintetiza sua decepção com o rumo dos acontecimentos: “Fora, Temer”. Adão portugues em foco

Durante a Olimpíada, mesmo proibidos, os cartazes apareceram. Essa proibição, aliás, foi condenada pela Folha em editorial intitulado “Fora, censura”.

Como muita gente está deixando de usar a necessária vírgula que isola o vocativo, o tema chegou ao Português em Foco:

http://mais.uol.com.br/view/15967823

O vocativo, na gramática, é aquele elemento que indica a quem nos dirigimos no momento da fala. Sua regra de pontuação é das mais fáceis de memorizar, pois ele está sempre separado do restante do período, qualquer que seja a sua posição (no início, no fim ou no meio). Veja exemplos:

Faça o melhor que puder, querido!

Querido, faça o melhor que puder!

Venham, crianças, que é tarde!

O nome “vocativo” vem do latim, língua em que nomeava um caso (caso vocativo). Quando fazemos uma saudação a alguém, também usamos o vocativo: “Bom dia, João”, “Oi, Maria”, “Tchau, querida” etc.

É possível que um ponto de exclamação separe o vocativo do período. Veja um trecho do poema “Navio Negreiro”, de Castro Alves, magistralmente musicado por Caetano Veloso.

 

Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus!/ Se é loucura… se é verdade/ Tanto horror perante os céus…

Ó mar, por que não apagas/ Co’a esponja de tuas vagas/ De teu manto este borrão?…

Astros! noite! tempestades!/ Rolai das imensidades!/ Varrei os mares, tufão!…

(…)

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo… / Andrada! Arranca este pendão dos ares!/ Colombo! Fecha a porta de teus mares!

Também vale observar que o vocativo pode ser antecedido de uma interjeição que lhe é própria – é até chamada de “ó” do vocativo. É exatamente o que aparece no trecho “Ó mar, por que não apagas…”. Nesse caso, não há vírgula. Veja outro caso semelhante, este no poema “Mar Português”, de Fernando Pessoa:

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Esse “ó” é mais comum no português falado em Portugal; no Brasil, acabou sendo substituído por um “ô”, sobretudo no registro informal: “Ô meu chapa, eu estou com pressa!”.

Seria injusto, porém, dizer que, no Brasil, não se usa o “ó” do vocativo. Há uma bela canção de Gilberto Gil, intitulada “Meu amigo, meu herói”, que foi gravada por Zizi Possi, em que esse uso aparece. Aliás, nessa canção há um curioso jogo entre o “ó!” do vocativo e a interjeição “oh”, de sentido amplo (surpresa, desejo, dor, tristeza etc.). Ouça:

Ó meu amigo, meu herói
Oh, como dói saber que a ti também corrói
A dor da solidão
Ó meu amado, minha luz
Descansa tua mão cansada sobre a minha
Sobre a minha mão
A força do universo não te deixará
O lume das estrelas te alumiará
Na casa do meu coração pequeno
No quarto do meu coração menino
No canto do meu coração espero
Agasalhar-te a ilusão
Ó meu amigo, meu herói
Oh, como dói
Oh, como dói

Na canção de Chico Buarque que ilustra o vídeo, “Acorda, amor”, “amor” é forma carinhosa de chamar a esposa – aliás forma muito usada pelos casais de namorados e enamorados, que serve para qualquer gênero. Alguns casais inventam formas próprias de se chamar um ao outro. Não importa o que seja, sempre será um vocativo.

“Acorda, amor”, de Chico Buarque, merece que se recorde a sua letra inteira. Com muita maestria, o compositor cria metáforas para driblar a ação dos censores da ditadura. Veja o uso que ele faz da palavra “dura” (no lugar de “ditadura”) e divirta-se com o irônico estribilho (“Chame o ladrão, chame o ladrão!”). Quando a polícia é o invasor, melhor mesmo chamar o ladrão!  Veja os vocativos grifados no texto.

 

Acorda, amor,/ Eu tive um pesadelo agora/ Sonhei que tinha gente lá fora

Batendo no portão, que aflição/ Era a dura, numa muito escura viatura/

Minha nossa, santa criatura,/ Chame, chame, chame lá

Chame, chame o ladrão, chame o ladrão

Acorda, amor,/ Não é mais pesadelo nada

Tem gente já no vão de escada/ Fazendo confusão, que aflição/

São os homens/ E eu aqui parado de pijama

Eu não gosto de passar vexame/ Chame, chame, chame

Chame o ladrão, chame o ladrão

Se eu demorar uns meses,/ Convém, às vezes, você sofrer, /Mas, depois de um ano, eu não vindo

Ponha a roupa de domingo/ E pode me esquecer

Acorda, amor, Que o bicho é brabo e não sossega/ Se você corre, o bicho pega

Se fica, não sei não/ Atenção!

Não demora/ Dia desses, chega a sua hora/ Não discuta à toa, não reclame

Clame, chame lá, clame, chame/ Chame o ladrão, chame o ladrão, chame o ladrão

(Não esqueça a escova, o sabonete e o violão)

O teste rápido de pontuação entrará no próximo post.

 

 

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Leitores podem conferir teste rápido de acentuação https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/16/leitores-podem-conferir-teste-rapido-de-acentuacao/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/16/leitores-podem-conferir-teste-rapido-de-acentuacao/#comments Tue, 16 Aug 2016 05:00:45 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1086 A forma mais fácil de lidar com a mudança na ortografia é aprender, passo a passo, cada caso. A regra do ditongo aberto mudou, o que não significa que o acento de todos os ditongos abertos tenha sido eliminado.

Antes bastava que uma palavra tivesse em sua sílaba tônica (a mais forte) um dos ditongos abertos (-éi, -éu, -ói) para que o acento gráfico fosse usado. Adão portugues em focoO acento indicava, além da tonicidade, o timbre (grau de abertura) da vogal.

Nas palavras paroxítonas, verifica-se pronúncia não tão aberta entre os falantes do português europeu. Tanto isso é verdade que, em Portugal, esse acento não era usado mesmo antes do Acordo de 1990.

Para fazer a unificação ortográfica, o caminho mais simples era retirar o acento do ditongo aberto das paroxítonas, que existia no português do Brasil.

Os ditongos de fim de palavra (os das oxítonas) e os dos monossílabos tônicos mantiveram-se, pois, nesses casos, não há divergência de pronúncia. Assim: chapéu, céu, pastéis, carretéis, lençóis, faróis, ilhéus, dói, mói, rói, sói etc.

Perdem o acento as paroxítonas cuja sílaba tônica seja um ditongo aberto, desde que sejam palavras antes acentuadas apenas por esse motivo.

É esse o caso de geleia, estreia, assembleia, paranoico, opioide, asteroide, humanoide, joia, boia etc., mas não é o caso de destróier e Méier, cujo acento, embora repouse sobre o ditongo aberto, lá está para marcar a pronúncia paroxítona das palavras terminadas em “-r”.

Abaixo, as respostas do teste rápido de acentuação gráfica:

TESTE RÁPIDO

Caso haja erro quanto à acentuação, segundo a nova ortografia, substitua o termo incorreto pelo correto.

  1. Esses campos de atuação têm diferentes papeis no currículo, a depender do nível de escolaridade. (ERRADO)

RESPOSTA: papéis manteve o acento, pois o ditongo aberto cai na última sílaba.

  1. É verdade que tu ainda rois as unhas? (ERRADO)

RESPOSTA: róis, forma do presente do indicativo da segunda pessoa do singular do verbo “roer”, mantém o acento por ser um monossílabo tônico.

  1. Após a fase de instalação do apiário, o apicultor deverá preocupar-se em realizar o manejo eficiente de suas colmeias para que consiga ter sucesso na atividade. (CERTO)

RESPOSTA: a grafia está correta, pois o ditongo de colmeias cai na penúltima sílaba.

  1. Os quelóides diferem das cicatrizes normais por sua textura mais espessa e por ultrapassar os limites da cicatriz. (ERRADO)

RESPOSTA: queloides perdeu o acento, pois o ditongo aberto cai na penúltima sílaba (sufixo “-oide”).

  1. Opiáceos e opióides são importantes fármacos utilizados no tratamento da dor. (ERRADO)

RESPOSTA: opioides perdeu o acento, pois o ditongo aberto cai na penúltima sílaba (sufixo “-oide”).

  1. Paranóia é um termo utilizado por especialistas em saúde mental para descrever desconfiança ou suspeita altamente exagerada ou injustificada. (ERRADO)

RESPOSTA: o ditongo de paranoia cai na penúltima sílaba, portanto a palavra perde o acento gráfico.

  1. A fim de evitar uma irregularidade que o STF entende causadora de nulidade absoluta, convém estender à defesa dos corréus a faculdade já conferida à defesa do interrogando e ao órgão acusatório de formular reperguntas. (CERTO)

RESPOSTA: corréus manteve o acento, pois o ditongo aberto cai na última sílaba da palavra.

  1. Espero que vós aluguéis o imóvel o mais rápido possível. (ERRADO)

RESPOSTA: na frase acima, deve ser empregada a forma alugueis, sem acento, por tratar-se de conjugação do verbo “alugar”. Aluguéis, com acento, é o substantivo (Cobrou os aluguéis atrasados).

  1. Manifesto: Eu apoio a legalização do aborto (CERTO)

RESPOSTA: O apoio /ô/ e eu apoio /ó/ não têm distinção gráfica. Em eu apoio, o ditongo aberto cai na penúltima sílaba, portanto perde o acento.

  1. Por isso, acreditamos que é um momento fundamental para que a sociedade se abra para debates francos, livres de hipocrisias, encarando com responsabilidade a triste sina a que são condenadas as brasileiras pobres, de um país que historicamente abandona as mulheres à própria sorte, sem acesso à informação, apoio e serviços e sem direito de decidir sobre a maternidade. (CERTO)

RESPOSTA: O apoio /ô/ e eu apoio /ó/ não têm distinção gráfica. Em o apoio, o ditongo é fechado, portanto nunca recebeu acento gráfico.

 

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Acento do ditongo aberto ainda causa dúvida https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/10/acento-do-ditongo-aberto-ainda-causa-duvida/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/10/acento-do-ditongo-aberto-ainda-causa-duvida/#comments Wed, 10 Aug 2016 05:00:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1079 Uma de nossas leitoras sugeriu o tema deste Português em Foco, o acento do ditongo aberto depois do Acordo Ortográfico de 1990. Adão portugues em foco

Parece até estranho dizer que o acordo é de 1990, já que entrou em uso somente em 2009, mas é essa a realidade. Toda essa demora esteve ligada ao fato de se tratar de um acordo de unificação ortográfica, o que é diferente de “reforma ortográfica”. Como qualquer outro acordo, depende da anuência das partes, o que, em geral, só ocorre depois de muita conversa.

Toda alteração na ortografia oficial das palavras tende a provocar algum grau de rejeição, afinal as pessoas acham que terão de reaprender todo o sistema, mas a verdade é que as mudanças costumam ser gradativas, portanto não chegam a ser traumáticas.

http://mais.uol.com.br/view/15955489

DITONGO ABERTO

No português do Brasil, os ditongos de palavras como assembleia e estreia são “abertos”, o que não se verifica na pronúncia portuguesa, que, conquanto não chegue a ser totalmente fechada, também não é totalmente aberta nesses casos.

Com o acordo de unificação ortográfica, deixamos de acentuar graficamente o ditongo aberto das paroxítonas (aquele que cai na penúltima sílaba da palavra): geleia, Coreia, Pompeia, Águas de Lindoia etc. Assim, heroico (paroxítona) perde o acento, mas herói (oxítona) não.

Não é difícil concluir que as palavras terminadas em “-oico”, todas elas (estoico, paranoico etc.), perdem o acento gráfico. O mesmo vale para as terminadas em “-oide” (ovoide, androide, espermatozoide, factoide etc.), porque o ditongo aberto “oi” está na penúltima sílaba delas.

DESTRÓIER

Vale notar que “destróier” e “Méier” (bairro do Rio de Janeiro) mantiveram o acento do ditongo aberto, mesmo sendo paroxítonas. Isso ocorreu porque o motivo do acento desses termos não é a abertura do ditongo, mas, sim, a terminação em “-r” (paroxítonas terminadas em “-r”, como revólver, mártir, caráter etc.).

OXÍTONAS

É bom lembrar que as palavras oxítonas (aquelas cuja sílaba tônica é a última) terminadas em ditongo aberto continuam acentuadas. É o caso de chapéu, solidéu, caracóis, pastéis, lençóis etc. Muitas vezes, esses ditongos aparecem seguidos de “s”, pois estão no plural de palavras oxítonas terminadas em “-el” (pastel – pastéis, aluguel — aluguéis, hotel — hotéis etc.).

DIMINUTIVOS

No diminutivo plural, os ditongos não são acentuados (como já não o eram antes do Acordo). Assim: pasteizinhos, lençoizinhos, aneizinhos etc., pois o ditongo dessas palavras não está na sua sílaba tônica. Nada mudou quanto a isso.

MONOSSÍLABOS

Quanto aos monossílabos, também não houve mudança. Nas palavras de uma só sílaba, o ditongo aberto continua acentuado: céu, réu, mói, rói, dói etc.

CURIOSIDADES

Em razão da mudança ocorrida na regra de hifenização, a antiga grafia “co-réu” passou a “corréu”, que, pelo acento, se distingue de “correu” (forma do verbo “correr”).

O substantivo apoio e a forma verbal apoio (eu apoio), conquanto se pronunciem de modo diferente, escrevem-se exatamente da mesma forma.

A forma verbal sois (vós sois) não tem acento gráfico, mas o plural de sol (sóis) tem, pois é um monossílabo tônico com ditongo aberto. Esse plural aparece no verso de Camões “Porém já cinco sóis eram passados” (“Os Lusíadas”).

NOMES E FORMAS VERBAIS

Algumas formas, como alugueis, bordeis, fieis, papeis, pasteis etc., quando escritas sem acento, leem-se com o “e” fechado /ê/. Tais palavras são formas verbais da segunda pessoa do plural (vós) do presente do subjuntivo. Assim: que vós alugueis (alugar), que vós bordeis (bordar), que vós fieis (fiar), que vós papeis (papar), que vós pasteis (pastar).

Na condição de nomes (substantivos/ adjetivos), são lidas com o “e” aberto /é/ e recebem o acento gráfico normalmente. Assim: aluguéis atrasados, bordéis interditados, fiéis ao credo, papéis trocados, pastéis de nata.

TESTE RÁPIDO

Caso haja erro quanto à acentuação, segundo a nova ortografia, substitua o termo incorreto pelo correto. As respostas serão publicadas na próxima terça-feira.

  1. Esses campos de atuação têm diferentes papeis no currículo, a depender do nível de escolaridade.
  2. É verdade que tu ainda rois as unhas?
  3. Após a fase de instalação do apiário, o apicultor deverá preocupar-se em realizar o manejo eficiente de suas colmeias para que consiga ter sucesso na atividade.
  4. Os quelóides diferem das cicatrizes normais por sua textura mais espessa e por ultrapassar os limites da cicatriz.
  5. Opiáceos e opióides são importantes fármacos utilizados no tratamento da dor.
  6. Paranóia é um termo utilizado por especialistas em saúde mental para descrever desconfiança ou suspeita altamente exagerada ou injustificada.
  7. A fim de evitar uma irregularidade que o STF entende causadora de nulidade absoluta, convém estender à defesa dos corréus a faculdade já conferida à defesa do interrogando e ao órgão acusatório de formular reperguntas.
  8. Espero que vós aluguéis o imóvel o mais rápido possível.
  9. Manifesto: Eu apoio a legalização do aborto
  10. Por isso, acreditamos que é um momento fundamental para que a sociedade se abra para debates francos, livres de hipocrisias, encarando com responsabilidade a triste sina a que são condenadas as brasileiras pobres, de um país que historicamente abandona as mulheres à própria sorte, sem acesso à informação, apoio e serviços e sem direito de decidir sobre a maternidade.

 

 

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Mesóclise é usada em canção de Zé Ramalho https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/02/mesoclise-e-usada-em-cancao-de-ze-ramalho/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/02/mesoclise-e-usada-em-cancao-de-ze-ramalho/#comments Tue, 02 Aug 2016 21:40:18 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1055 Os leitores que aceitaram o desafio da mesóclise recebem hoje o resultado dos testes.  Antes, porém, estão todos convidados a ouvir essa colocação pronominal na voz de Zé Ramalho.

É isso mesmo: uma canção da música popular brasileira traz um exemplo de mesóclise. A letra é uma versão de uma composição de Bob Dylan feita pelo bardo da Paraíba. Neste caso, como podemos ouvir, a mesóclise, além de estar gramaticalmente correta, não soa artificial, talvez em parte graças à dramaticidade da voz do cantor.  Segue o trecho da canção (a mesóclise está no trecho 1:22-1:23 do vídeo). Adão portugues em foco

o homem deu nome a todos (os) animais
desde o início, desde início
o homem deu nome a todos (os) animais
desde o início, há muito tempo atrás

viu um animal com tal poder
garras afiadas e um porte
quando rugia, tremia o chão
disse com razão: chamar-se-á leão

 

E agora o resultado do DESAFIO DA MESÓCLISE:

O primeiro passo é separar a desinência verbal do radical do verbo. Vejamos a primeira frase:

Traremos a encomenda amanhã.

Separamos a terminação “-emos” do radical (trar-), lembrando que o radical é a parte que se repete em todas as formas (trarei, trarás, trará, traremos, trareis, trarão).

O segundo passo é escolher o pronome adequado. Para substituir “a encomenda” na posição de objeto direto, usaremos o pronome átono “a” (feminino singular, como “encomenda”).

O terceiro passo é verificar se o radical deve perder uma letra ou não. Como termina em “-r” diante de uma vogal, teremos

Trar + a + emos > Trá-la-emos [sai o “-r” e aparece o “l-” no pronome “a”]

Resposta (a): Trá-la-emos amanhã [não se esqueça do acento de “trá”, que é um monossílabo tônico terminado em “a”]

Agora, é só fazer o mesmo nos outros casos:

Estudarás as lições durante a semana.

Estudar + as [as lições] + ás

Resposta (b):  Estudá-las-ás durante a semana. [veja os acentos!] CARTAZ MESÓCLISE

Na terceira frase, você deveria substituir a expressão “a você” por um pronome. Como se trata de objeto indireto, você vai usar o pronome “lhe”. Assim:

Direi a verdade a você.

Dir + lhe + ei > Dir-lhe-ei

Resposta (c): Dir-lhe-ei a verdade. [ o “-r” de “dir-” é mantido, pois o pronome “lhe” não tem vogal inicial]

Caso quisesse substituir “a verdade” e manter a expressão “a você”, faria o seguinte:

Di-la-ei a você. [sai o “-r” de “dir-” e acrescenta-se o “l-” ao “a”]

Caso quisesse substituir os dois complementos (direto e indireto) ao mesmo tempo, você faria a fusão de “lhe” com “a” (“lha”). Assim:

Dir-lha-ei.

A frase seguinte era esta:

Contaria isso a você se pudesse.

No lugar do demonstrativo “isso”, cabe “o”. Assim:

Contar + o + ia > Contá-lo-ia [sai o “-r” e aparece o “l-” no pronome “o”]

Resposta (d): Contá-lo-ia a você se pudesse.

Finalmente, a quinta frase:

Seria esse/isso o seu fim.

Ser + o + ia > Sê-lo-ia

Resposta (e): Sê-lo-ia o seu fim.

Acertou todas? Muito bem!!

 

 

 

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Mesóclise rouba a cena em discurso de posse de ministros https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/26/mesoclise-rouba-a-cena-em-discurso-de-posse-de-ministros/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/26/mesoclise-rouba-a-cena-em-discurso-de-posse-de-ministros/#comments Tue, 26 Jul 2016 05:00:10 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1045 O tema do “Português em Foco” de hoje é a mesóclise, tipo de colocação pronominal já pouco usado no português do Brasil. O assunto vem à baila por ocasião de algumas falas do presidente interino, Michel Temer, em que a construção foi empregada.             Adão portugues em foco

Como não poderia deixar de acontecer, muita gente estranhou. Não tardou que as comparações entre os últimos presidentes da República (no quesito expressão) virassem conversa de mesa de bar (ou do Facebook).

FORMAL E INFORMAL

Aparentemente, a mesóclise do presidente interino fez menos sucesso que o “nhe-nhe-nhém” de Fernando Henrique Cardoso, termo popular que o ex-presidente usou para rebater a crítica de que suas políticas eram neoliberais. A onomatopeia, de sabor popular, proferida por um mandatário sabidamente vindo do meio intelectual, criou efeito oposto ao da mesóclise, que Temer, como disse muita gente, tirou do baú,. Enquanto o “nhe-nhe-nhém” demonstrou descontração, o “sê-lo-ia” demonstrou preocupação com a formalidade.

http://mais.uol.com.br/view/15939343

ÊNCLISE E PRÓCLISE

As regras de colocação pronominal estão ligadas ao modo como as partículas átonas são lidas. No português europeu, pronuncia-se facilmente algo como “ter-se lembrado”, sendo o “se” uma espécie de sílaba átona de “ter-se”. É por esse motivo, aliás, que o pronome é preso por um hífen ao verbo “ter”.

A mesma locução é lida no Brasil com outro ritmo: o pronome “se” parece preso ao particípio (“se lembrado”), como se fosse sílaba átona dele, não de “ter”. É por isso que dificilmente se vê por aqui o emprego do hífen numa locução como essa (“ter se lembrado”).

É fato que, no português do Brasil, a tendência é usar a próclise em quase todas as situações, até mesmo no início de frase, posição em que, segundo a gramática tradicional, não se deve usar o pronome átono de jeito nenhum. É extremamente comum que se digam frases como estas “Me diga a verdade”, “Me chama amanhã cedo”, “Te ligo amanhã”, “Se vira!”, “Me respeite”, “Me erra”, que estão em um registro informal da língua.

Nesse mesmo registro, há oscilação entre próclise e ênclise (“Dane-se”, por exemplo, geralmente aparece de acordo com a tradição, ou seja, ênclise com verbo no imperativo afirmativo). Em frases feitas, também é comum a ênclise: “Durma-se com um barulho desses”, “Dize-me com quem andas e te direi quem és”, “Valha-me Deus”, “Faz-me rir”, “Acabou-se o que era doce” etc. Ênclise e próclise continuam sendo usadas. A mesóclise, mesmo em situações de formalidade, é pouco recorrente (vejam-se textos acadêmicos, por exemplo).

É oportuno lembrar aqui um poema de Oswald de Andrade, um dos representantes do movimento modernista. Foi ele mesmo que, recentemente, pela segunda vez, esteve no centro de uma contenda entre dois poetas contemporâneos (Augusto de Campos e Ferreira Gullar), ambos preocupados em reivindicar para si a descoberta e introdução dele no cenário das letras. Muito bem, Oswald, nos idos de 1920, escreveu um poemeto cujo tema era a colocação dos pronomes átonos. Intitulado “Pronominais”, o texto tratava do uso brasileiro dessas partículas:

Dê-me um cigarroOswald - Erro de Português
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Para bom entendedor, meia palavra basta. Oswald, há quase um século, queixava-se das aulas de gramática em que se ensinava um modelo diferente daquele realizado pelos falantes da língua. A valorização da dicção brasileira foi uma das bandeiras do modernismo, que, liderado por Oswald e Mário de Andrade, foi seguido por outros autores que igualmente pensaram sobre a língua. O poema atesta que a próclise em início de frase, com imperativo, já era bastante comum na época.

Mário de Andrade, no romance “Amar: Verbo Intransitivo” (1927), também fugiu ao emprego lusitano da colocação pronominal, propondo que se escrevesse de acordo com a fala brasileira. Vejamos dois breves fragmentos (entre muitos exemplos), que se alternam com outros em que usa a ênclise em início de frase:

Se impacientou. Quis pensar prático,  e o almoço?

(…)

Se aboletaram no torpedo. Desta vez Carlos não brigou com Maria Luísa por causa do lugar da frente. Deixou ela sentar-se ao lado do pai que dirigia. 

Vale fazer um parêntese: os escritores estão aqui chamados não para ilustrar uma suposta “licença poética”, a que, na condição de artistas, teriam “direito”. Nada disso: eles mesmos talvez não gostassem nem um pouco dessa interpretação. Eles deram status literário à fala do dia a dia, ao modo como as pessoas se expressam de verdade. Isso era revolucionário à época.

MESÓCLISE: COMO FUNCIONA

A mesóclise no Brasil realmente está apartada do uso. Trata-se de uma construção algo complicada, que só é possível com verbos no futuro do presente ou do pretérito. Vale lembrar que o pronome átono é geralmente um complemento do verbo (objeto direto ou indireto), que será posto entre o radical e a desinência verbal. Os pronomes demonstrativos o, a, os e as também são átonos, portanto sujeitos às mesmas regras de colocação. Vejamos alguns exemplos:

1. Comprarei os bilhetes amanhã. [“os bilhetes” – objeto direto, que é substituído pelo pronome “os”, masculino plural, exatamente como “bilhetes”]

2. Comprarei + os + amanhã.

3. Comprar/ os/ ei amanhã. [Comprar (radical) — ei (desinência)]

Antes do passo final, é preciso fazer uma observação: a oxítona terminada em “r” (“comprar”), por uma questão fonética, perde o “r” antes dos pronomes vocálicos, os quais recebem uma letra “l” (“comprá-los”). Assim:

4. Comprá-los-ei amanhã. Os bilhetes, comprá-los-ei amanhã. [Note que “comprá”, lido como oxítona, tem acento gráfico]

Veja um verbo irregular (“dizer”).

1. Ele dirá algo a ela.

2. Ele dir + o + á + a ela.

3. Di-lo-á a ela. [“Di”, monossílabo terminado em “i”, não recebe acento, mas “á”, monossílabo tônico, sim]

Caso se deseje, é possível transformar “a ela” em um pronome átono (“lhe”). Assim:

4. Dir-lhe-á algo. [Veja que, agora, o “r” do radical se manteve, pois o pronome átono não começa com vogal]

Finalmente, é possível combinar os dois pronomes átonos (“lhe” + “o”), obtendo a forma “lho”. Assim:

5. Dir-lho-á.

E agora mais um exemplo com verbo irregular (verbo “fazer”):

1. Ele fará o trabalho.

2. Ele fará + o [“o” substitui “o trabalho”]

3. Ele far/ o/ á.

4. Fá-lo-á [observe os acentos].

DESAFIO

Agora tente fazer algumas mesóclises, substituindo o elemento grifado pelo pronome átono correspondente (a resposta será dada no próximo post):

a. Traremos a encomenda amanhã.

b. Estudarás as lições durante a semana.

c. Direi a verdade a você.

d. Contaria isso a você se pudesse.

e. Seria esse/isso o seu fim.

 

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Duplo sentido é problema comum em textos jornalísticos https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/12/duplo-sentido-e-problema-comum-em-textos-jornalisticos/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/12/duplo-sentido-e-problema-comum-em-textos-jornalisticos/#comments Tue, 12 Jul 2016 05:00:07 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1034 O tema de hoje do “Português em Foco” é a ambiguidade ou duplo sentido. Esse é um problema comum nos textos jornalísticos, que ocorre sobretudo nos títulos e nas lupas (nome dado aos trechos em destaque no início ou no meio do texto).

http://mais.uol.com.br/view/15924709

Fazer um título ou um desses destaques dá mais trabalho do que se imagina. É preciso sintetizar a notícia, informar seus aspectos mais relevantes, começar com o sujeito (de preferência, seguido de um verbo na voz ativa) e, é claro, adaptar as frases ao espaço, sem deixar lacunas nem dividir palavras.  Adão portugues em foco

Existem títulos de uma linha só, mas também aqueles de duas, três e até quatro linhas.  Observando a Primeira Página de qualquer edição, é possível ver títulos de vários tamanhos, dispostos em uma ou mais linhas. Esse problema  não existe só nas publicações impressas, como se pode imaginar à primeira vista. Na plataforma on-line, também há regras e limites.

Além disso tudo, o título é geralmente a última coisa que se escreve, quando o texto já está no momento de ser publicado.

MORTOS VIVOS ESTEDito isso, mãos à obra. Vamos entender por que certas construções permitem uma segunda leitura, que, mesmo sendo absurda, interfere na compreensão do texto ou, no mínimo, desvia a atenção do leitor para um efeito cômico secundário, naturalmente involuntário.

Na edição reproduzida acima (29.1.14), o problema ocorreu na lupa:

Dois mortos andavam pelo elevado de 120 t, que desabou sobre dois carros, onde estavam as outras duas vítimas

Antes de analisar essa frase, vamos lembrar mais um dado importante: na lupa, não se pode repetir palavra que tenha aparecido no título principal (Caminhão derruba passarela e mata quatro pessoas no Rio) e na linha fina (Caçamba do veículo, que trafegava em horário irregular, estava levantada).

O título informou que um caminhão derrubou uma passarela e que quatro pessoas morreram no acidente; a linha fina informou que o caminhão trafegava em horário irregular e com a caçamba levantada; a lupa, finalmente, deveria informar que duas das quatro pessoas que morreram estavam a pé sobre o elevado no instante do desabamento e as outras duas estavam em um carro que foi esmagado pelas 120 toneladas de concreto.

O redator poderia ter empregado “vítimas” no lugar de “mortos”: Duas das quatro vítimas andavam pelo elevado de 120 t, que desabou sobre dois carros, nos quais estavam as outras. É provável, porém, que o espaço não permitisse essa solução. De qualquer forma, a Redação reconheceu o defeito da construção e, no dia 31.1.2014, foi publicada correção na seção Erramos:

COTIDIANO (29.JAN, PÁG. C1) Por erro de edição, a frase em destaque na reportagem “Caminhão derruba passarela e mata quatro pessoas no Rio” foi mal redigida. A redação correta é “duas vítimas do acidente andavam pelo elevado de 120 toneladas”.

A notícia de que a maioria das pessoas que morreram em decorrência da gripe H1N1 pertencia a uma faixa etária que não tinha sido alvo da campanha de vacinação foi sintetizada assim: Maioria dos mortos por vírus no país não é foco de campanha de vacinação. Esse caso é interessante por vários motivos. Diferentemente do habitual, esse título é uma oração negativa, que, por isso mesmo, carrega em si um pressuposto. Quando dizemos que tais pessoas (os mortos!) não são foco de campanha de vacinação, estamos querendo dizer que deveriam tê-lo sido.

Note que o tempo verbal dos títulos é sempre  (ou quase sempre) o presente, o que parece agravar a situação. Estaríamos querendo dizer que os mortos devem ser foco da campanha de vacinação? É claro que não, mas como fazer? Tirar a palavra “mortos” e pôr o verbo no passado ajudaria: Maioria dos que morreram de gripe no país não era alvo da campanha de vacinação.

Vejamos mais um desses títulos que tratam os mortos como se estivessem vivos: Família ia dar carro blindado a médica morta por temer violência no Rio.  Agora, o caso é mais complicado. Não só se diz que a família daria um carro blindado a uma médica morta, o que em si é um problema, como se dá a entender que a médica foi morta por temer a violência no Rio, quando o fato de temer a violência era o motivo de a família ter a intenção de dar a ela o carro blindado. Este último problema se resolveria com um rearranjo dos elementos do período (Por temer violência, família ia dar carro blindado a médica).

Outros casos são mais simples de resolver. Vejamos este trecho:

O menino se desequilibrou e caiu em um pequeno canal que margeava a trilha. Sua irmã viu quando o enorme jacaré atacou o menino e começou a gritar.

A oração “e começou a gritar” pode estar coordenada tanto à oração principal “Sua irmã viu” quanto à subordinada “quando o enorme jacaré atacou o menino”. É claro que a intenção era coordenar “viu” e “começou a gritar”, como o contexto nos indica. Para evitar o segundo sentido, seria possível, por exemplo, eliminar o conectivo de coordenação (A menina, ao ver o enorme jacaré atacar seu irmão, começou a gritar/ A menina viu o enorme jacaré atacar seu irmão. Imediatamente começou a gritar por socorro).

ORDEM DOS TERMOS

Veja alguns exemplos de ambiguidade que se resolvem com o rearranjo dos elementos do período:

a. Dois anos mais tarde, o cientista deixaria definitivamente a Alemanha – ante o iminente acesso ao poder do nazismo – emigrando para os Estados Unidos, onde morreu em 1955.

A intenção era tratar do acesso do nazismo ao poder, portanto “do nazismo” é complemento de “acesso”, não de “poder”. Para evitar a sequência “poder do nazismo”, bastaria fazer uma inversão. Assim:

Dois anos mais tarde, o cientista deixaria definitivamente a Alemanha – ante o iminente acesso do nazismo ao poder – emigrando para os Estados Unidos, onde morreu em 1955.

b. Faltaram algumas linhas nos perfis publicados nos últimos dias de Carlos Alberto Direito, o novo ministro do STF.

A sequência “nos últimos dias de Carlos Alberto Direito” sugere estarmos falando de seus últimos dias de vida. Não era essa, porém, a intenção do texto, pois, na ocasião, Carlos Alberto Direito acabava de tornar-se ministro do STF. A expressão “de Carlos Alberto Direito” está ligada a “perfis”, não a “dias”, portanto deve aproximar-se de “perfis” e distanciar-se de outro substantivo que permita dupla leitura. Assim:

Faltaram algumas linhas nos perfis de Carlos Alberto Direito, o novo ministro do STF, publicados nos últimos dias.

c.  Músico apanha até a morte de PMs em São Luís

Esse foi um daqueles títulos de três linhas, sempre difíceis de fazer. A ambiguidade surge porque “de PMs” é um complemento do verbo “apanhar”, mas, na posição em que está, pode parecer um complemento de “morte”. Para resolver o problema, seria necessário alterar a ordem dos termos. Assim:

Em São Luís, músico apanha de PMs até a morte

POSIÇÃO DO PRONOME RELATIVO

A posição do pronome relativo é outro fator que pode desencadear um texto ambíguo. Veja o período abaixo:

Uma substância química similar a compostos presentes na maconha que é produzida naturalmente no cérebro ajuda a aliviar a dor, de acordo com cientistas americanos.

Temos a impressão de que se afirma que o cérebro naturalmente produz maconha.  O que se pretende dizer, no entanto, é que o cérebro produz uma substância similar a compostos presentes na maconha. O problema decorre da posição do pronome relativo (“que”), pois este retoma seu antecedente. E agora? Que fazer? Vejamos uma sugestão:

De acordo com cientistas americanos, o cérebro humano produz uma substância química que, similar a compostos presentes na maconha, ajuda a aliviar a dor

PRONOME POSSESSIVO

Os pronomes possessivos também podem ocasionar situações de duplicidade de sentido. Vejamos um caso:

Com apenas 7% da população, a Igreja Católica é uma das maiores e mais organizadas da África do Sul, dada sua fragmentação religiosa.

O pronome “sua”, embora se refira à África do Sul, pode ser associado à Igreja Católica. É claro que o leitor tende a rechaçar a interpretação inadequada, mas a organização sintática do período a autoriza. Para solucionar o problema, um caminho é a supressão do possessivo. Assim:

Com apenas 7% da população, a Igreja Católica é uma das maiores e mais organizadas da África do Sul, dada a fragmentação religiosa do país.

Esse tipo de problema é bastante comum e, vez ou outra, aparece em questões de exames vestibulares. Fique atento!

 

 

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Parônimos são tema de estreia do quadro Português em Foco https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/05/paronimos-sao-tema-de-estreia-do-quadro-portugues-em-foco/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/05/paronimos-sao-tema-de-estreia-do-quadro-portugues-em-foco/#comments Tue, 05 Jul 2016 13:41:11 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1018 O tema de abertura do Português em Foco foi o emprego dos parônimos “mandato” e “mandado”. Adão portugues em foco

Parônimos são palavras parecidas quanto à forma, mas distintas quanto ao significado.

“Mandato” é a delegação de poderes a pessoas que serão os representantes do povo. Daí chamarmos de “mandatários” os políticos eleitos.

No trecho abaixo, do colunista Guilherme Boulos, escrito logo depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff, o termo é empregado no sentido de “procuração concedida pelo povo”:

Bem que Roberto Brant avisou. O ex-ministro de Fernando Henrique e autor do programa econômico de Temer disse numa entrevista, ainda em 18 de abril: “A proposta não foi feita para enfrentar o voto popular. Com um programa desses não se vai para uma eleição. (…). Vai ser preciso agir muito rápido. E sem mandato da sociedade. Vai ter de ser meio na marra”.

No trecho abaixo, porém, o termo aparece como sinônimo de “gestão”:

[Sérgio] Amaral foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e porta-voz da Presidência no primeiro mandato do tucano. Terá cargo na gestão Serra.

“Mandado” é missão, incumbência e, sobretudo, ordem judicial. Um “mandado de segurança”, por exemplo, é uma ação movida com vistas à garantia de um direito que esteja ameaçado por ato ilegal de autoridade constituída.

http://mais.uol.com.br/view/15909707

O quadro será exibido em vídeo duas vezes por mês. Dúvidas e sugestões devem ser enviadas para thaisncamargo@uol.com.br com o título do quadro (Português em Foco) na linha do assunto.

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