Thaís Nicoleti https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br Sun, 25 Jul 2021 11:00:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Olimpíada ou Olimpíadas? https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/07/25/olimpiada-ou-olimpiadas/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/07/25/olimpiada-ou-olimpiadas/#respond Sun, 25 Jul 2021 11:00:03 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/OLimpíada-Ding-Ting-Xinhua162713940460fc2d4c4f0f4_1627139404_3x2_md-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1630 Sim, a Folha mudou uma padronização adotada há muitos anos: a atual edição dos Jogos Olímpicos passa a ser chamada de Olimpíadas de Tóquio, no plural, em vez de Olimpíada de Tóquio.

Mudanças repentinas costumam dividir opiniões e, com o tempo, as coisas se acomodam. Até a semana passada, o “Manual da Redação” instruía as equipes do jornal a usar o singular, afinal “era o certo”, e agora o novo entendimento passa a prevalecer. Naturalmente, muitos jornalistas, antes convencidos de que “faziam o certo”, estão estranhando a novidade.

Ao que tudo indica, o incômodo aumenta quando se revela o motivo da mudança: uma suposta concessão à audiência. A interpretação técnica, por assim dizer, é que, como o termo no plural é mais frequente nos buscadores do que o termo no singular, ao usar o plural nas reportagens, estas aparecerão mais vezes nos resultados de busca, o que pode aumentar a audiência da Folha.

A questão gramatical em si (singular ou plural) é quase tão bizantina quanto o sexo dos anjos. Como diria Guimarães Rosa, “pão ou pães, é questão de opiniães”.

O fato concreto é que “olimpíada”, pelo menos na origem, é o termo que designa cada um dos intervalos de quatro anos entre duas celebrações consecutivas dos Jogos Olímpicos, pelos quais o tempo era contado na Grécia antiga. Rigorosamente, portanto, nem o singular nem o plural estariam corretos. A propósito, uma visita a alguns jornais e sites gregos mostra que, entre os criadores das competições da cidade de Olímpia, o evento é chamado apenas de Jogos Olímpicos.

Entre nós, gostemos ou não, os dicionários registram (e não é de hoje) a forma “olimpíadas” como sinônimo de Jogos Olímpicos. No “Houaiss”, a segunda acepção do termo “olimpíada”, que traz o significado que o uso consagrou entre nós, vem seguida da observação de que, nesse sentido, a palavra é mais usada no plural. O dicionário “Aulete”, este sim, registrou um verbete novo, cuja entrada já vem no plural, “olimpíadas”, seguida da seguinte definição: “competições esportivas entre países que, a partir de 1896, se realizam em uma cidade predeterminada, de quatro em quatro anos”.

O que traz questionamento, na verdade, é menos a gramática que o motivo da mudança de padronização. Afinal, estaríamos deixando de “fazer o certo” para seguir a maioria? O “certo”, porém, é algo bem mais  frágil do que se possa imaginar à primeira vista e, no momento atual, é particularmente instável.

Nos Jogos Paraolímpicos de 2012, fomos surpreendidos com a supressão do “o” do radical de “olímpíada” pelos organizadores do evento, que, para imitarem o inglês “paralympiad”, cunharam a forma “paralimpíada” e , de quebra,  de “paralympic” fizeram “paralímpico”. As grafias, apesar das ressalvas, já entraram nos dicionários.

“Houaiss” fornece a seguinte nota explicativa no verbete “paralimpíada”: “malformação vocabular que Portugal e o Brasil passaram a usar (no Brasil, oficialmente a partir de 25 de agosto de 2012), a pedido do Comitê Paralímpico Internacional para seguir o inglês ‘paralympiad’ (paraplegic + olympiad); o segundo ‘a’ do prefixo ‘par(a)-’ poderia cair no português, nunca o ‘o’ inicial do segundo elemento do vocábulo”.

Na ocasião, a Folha decidiu adotar a novidade apenas nos nomes oficiais dos comitês (brasileiro e internacional), mantendo a integridade da palavra nas demais aparições. A reação das pessoas às novas grafias, aferida pelos comentários em redes sociais, não foi de reprovação da imitação desajeitada do inglês; muito pelo contrário, o comentário geral era que o termo assumia o caráter de marca comercial e, dessa forma, poderia ser alterado pelos patrocinadores do evento, segundo sua conveniência (!).

Nada comparável às reações ao Acordo Ortográfico (1990), que visava à unificação da grafia da língua nos países da lusofonia. A grita foi enorme e durou um bom tempo. Excetuando a oposição de natureza política, choveram críticas ao difícil trabalho a que se entregaram as equipes de lexicógrafos.  No Brasil, o Estado do Acre não admitiu usar a forma corrigida do gentílico local, preferindo manter a condição de exceção à regra. A forma “acriano”, com “i”, proposta pelo Acordo, foi rechaçada em nome da manutenção da antiga grafia, “acreano”, com “e”, de resto oficializada nos documentos por meio da lei nº 3.148, de 27 de julho de 2016.

Enfim, muita energia se gastou na crítica ao Acordo Ortográfico, que suprimiu o trema de “linguiça” e o acento de “geleia”, mas a reação ao monstrengo “paralimpíada” foi tímida, se não inexistente. Como estamos muito acostumados a estender o tapete vermelho para qualquer termo do inglês que nos bata à porta, por que não adaptar uma palavra do português ao figurino de uma língua mais valorizada?

É por essas e por outras, dito de forma muito simplificada, que quem manda mesmo na língua é o povo.  É o conjunto dos falantes da língua que, na prática comunicativa necessária à vida, testa, experimenta, aprova ou desaprova o que quer que seja. Seus critérios são os mais variados e, por certo, refletem as características da sociedade e do tempo.

Antes da internet, os termos demoravam muito mais para conseguir um registro em dicionário. Tinham de passar da língua oral para a escrita (aparecer em jornais, em obras literárias ou em outros documentos) e a insistência no uso lhes dava o passaporte para ingressar no vocabulário da língua.

Hoje, o uso é aferido pelas ferramentas dos buscadores e, além disso, os próprios dicionários estão em plataformas online, que permitem maior velocidade de atualização. O leitor que não conheceu a era pré-internet pode achar estranho, mas uma nova edição de um dicionário levava anos para ser feita, pois o acréscimo de meia dúzia de palavras não justificava tornar a anterior obsoleta.

Tratar a nova escolha do jornal como uma “concessão à audiência”, comparável a truques sensacionalistas para conseguir “cliques”, talvez não seja a melhor forma de encaminhar a questão, pois a língua, de fato, constrói-se, dia após dia, pela coletividade.

 

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O suarabácti de Lula https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/03/11/o-suarabacti-de-lula/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/03/11/o-suarabacti-de-lula/#respond Thu, 11 Mar 2021 20:46:10 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/Lula-discurso-0ebe84b8-5012-4e89-bf71-69a0e63e420f-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1580 A última fala do ex-presidente Lula gerou uma avalanche de comentários nas redes sociais – e, como sempre acontece, houve quem se preocupasse em avaliar o seu uso do português. Desta vez, foi a pronúncia da palavra “advogado” como “adevogado” o que chamou a atenção.

Vale dizer que o acréscimo de um apoio vocálico a desfazer um grupo consonantal é um fenômeno fonético relativamente comum, chamado “suarabácti” – a palavra estranha vem do sânscrito.

O nome do inseto em que se teria transformado a personagem Gregor Samsa do conto de Franz Kafka (“A Metamorfose”) é um exemplo desse processo. “Barata” vem do latim “blatta” (houve rotacismo na passagem de “l” a “r” e o acréscimo da vogal, que transformou “bra” em “bara”).

Essa formação, por ser antiga, talvez não nos impressione muito, tampouco gere percepção de erro. Veja-se, então, o que se deu com as palavras “cáften” e seu feminino, “caftina” – por via popular, fixaram-se as variantes “cafetão” (com epêntese, que é o acréscimo de fonema por acomodação articulatória ou mesmo por analogia – possível semelhança com “café”) e “cafetina”. O mesmo vale para o verbo “caftinar”, que, na variante popular, é “cafetinar”. O uso garantiu às variantes populares um lugar no dicionário.

Nem sempre, porém, a vogal de apoio se fixa na escrita, como ocorreu com “barata” e com o par “cafetão/ cafetina”, mas é comum que se fixe na pronúncia. Aos que se incomodaram com o “adevogado” de Lula, sugiro que observem à sua volta (e mesmo nos noticiários de TV) a pronúncia de termos como “psicólogo”, “psiquiatra”, “psicologia”, em que frequentemente aparece um “i” depois do “p” (como se lessem “piscicólogo”, “pissiquiatra”, “piscicologia”).

Atire a primeira pedra quem nunca tenha dito “peneumonia” em vez de “pneumonia” ou “peneu” (do automóvel) em vez “pneu”. Mais: será que você pronuncia “sub-humano” (“su-bu-ma-no”) ou deixa aparecer sorrateiramente uma vogal “i” depois do “b” (“subi-humano”)?

Quem ficou indignado com o suarabácti do Lula que se cuide ao pronunciar as formas do verbo “indignar-se”. Muita gente supostamente bem letrada tropeça ao pronunciar o imperativo “indigne-se” e prefere lançar mão do apoio vocálico, dizendo algo como “indiguine-se”. Já ouviu isso? Que dizer de palavras em que o “x” tem som de “cs”? Há quem diga “séquiço” (sexo) ou “fáquis” (fax), coisa muito comum.

Na pronúncia de certos estrangeirismos, fica ainda mais evidente a nossa tendência a criar apoios vocálicos e outras acomodações articulatórias. “Smartphone” soa “ismartifone”, “e-mail” soa “emeio” e por aí vai.

O próprio Lula, em sua fala, lembrou que, no passado, ele dizia “menas laranja” e que era alvo de correção (embora não houvesse redes sociais, a mídia não deixava passar), mas que, na porta da fábrica, todo o mundo entendia – e é verdade.

A flexão de “menos” (como “menas”) enquadra-se no fenômeno da hipercorreção (ou ultracorreção), em que o falante interpreta como errado o que está certo, em geral por insegurança em relação ao uso culto da língua. É esse o caso também de quem flexiona indevidamente as formas do verbo “haver” em construções do tipo “Haviam muitas pessoas” ou “Houveram muitas denúncias”, nas quais a norma culta orienta a manter o verbo invariável (“Havia muitas pessoas”; “Houve muitas denúncias”).

É por essas e por outras que a linguística evita trabalhar com conceitos de “certo” e “errado”, que são muito relativos e, num esforço de simplificação, deixam de considerar a diversidade de registros, que, juntos, compõem a língua.

 

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Frase ambígua faz ofensa recair no alvo errado https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/11/04/frase-ambigua-faz-ofensa-recair-no-alvo-errado/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/11/04/frase-ambigua-faz-ofensa-recair-no-alvo-errado/#respond Thu, 05 Nov 2020 00:29:22 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/TWITTER-CANALHA-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1553 Quando um professor de português lhe disser que uma vírgula pode mudar todo o sentido de uma frase, não duvide dele. Ainda ontem, numa conversa informal a propósito desse tema, um amigo lembrava o verso da canção de Chico César: “Respeitem os meus cabelos, brancos”.

O termo “brancos” nesse verso vem mesmo depois de uma vírgula, pois, longe de ser um adjetivo a indicar a cor dos cabelos de alguém (como o seria em Respeitem os meus cabelos brancos, em que “cabelos brancos” seria metáfora de idade), é um substantivo que nomeia as pessoas de cor branca, às quais o poeta se dirige (e o sentido muda por inteiro). Gramaticalmente, esse termo, que pode estar em qualquer posição da oração, exerce a função de “vocativo”.

Por meio do vocativo, que sempre é separado do restante da oração por uma vírgula, interpelamos o nosso interlocutor, identificando-o de maneira carinhosa, ofensiva, respeitosa, solene, informal etc.

Hoje no Twitter flagramos uma curiosa conversa entre mãe e filho: este, conhecido como 03 (zero três), havia tuitado sua análise conjuntural em dia de eleição nos EUA (“A esquerda é bem organizada em nível mundial. Por isso é importante acompanhar as eleições dos EUA. O que acontece lá pode se repetir aqui”); a mãe, Rogéria Bolsonaro, candidata no Rio de Janeiro a um lugar na vereança, respondeu ao filho, aparentemente ecoando a mesma preocupação dele: “A esquerda é uma só, em qualquer lugar do mundo, canalha!”.

A vírgula antes de “canalha” foi o bastante para animar as redes sociais. Afinal, a mãe estaria chamando o filho de “canalha” publicamente? Sua intenção deve ter sido a de tratar “canalha” como predicativo do sujeito (este, no caso, é “a esquerda”), ou seja, na opinião dela, a esquerda é canalha, mas… a frase é ambígua, e as pessoas não perdoaram o deslize.  O termo “canalha” foi lido como vocativo!

Para dizer o que pretendia, sem ambiguidade, ela teria de fazer pequenas alterações na frase, mas, veja só, foi xingar de canalha toda a esquerda e acabou insultando o próprio rebento. Esse pessoal que vive de ofender os outros, vez ou outra, tropeça na própria língua. A bruxaria virou contra a própria bruxa!

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Rachadinha, rachadona ou rachadão? https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/09/02/rachadinha-rachadona-ou-rachadao/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/09/02/rachadinha-rachadona-ou-rachadao/#respond Wed, 02 Sep 2020 11:00:24 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/Flávio-Bolsonaro-por-Edilson-Rodrigues-16-outubro-2019-Senado-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1541 Antes era “mensalão” e “petrolão”, no aumentativo, mas agora é “rachadinha”, no diminutivo. Será que estamos pegando leve com a primeira-família brasileira? A questão vez ou outra aparece nas redes sociais à espera de alguma explicação. Há até quem sugira que se passe a tratar do tema usando o grau aumentativo por uma questão, digamos, de equidade: “rachadona” ou talvez “rachadão”. Será?

Provavelmente, não, embora não se possa contestar a percepção de que o aumentativo e o diminutivo põem em cena afetos diferentes. O que é desmesuradamente grande costuma ser feio ou condenável (bocarra, corpanzil, narigão, comilão, sabichão), mas também não se pode generalizar. Quem não prefere a imponência de um casarão à precariedade de um casebre?

Quanto a “mensalão” e “petrolão”, pouco ou nada se dirá além do óbvio: o aumentativo sugere o trânsito de vultosas somas. “Mensalão” já existia como apelido de um recolhimento de imposto e, salvo engano, foi Roberto Jefferson quem lhe deu o novo sentido (espécie de “mesada” ou pagamento mensal ilícito de altas quantias), logo adotado por toda a imprensa. “Petrolão”, surgido na própria mídia, não teve uso tão generalizado, mas por certo foi uma tentativa de mimetizar o já popular “mensalão”.

“Rachadinha”, no entanto, pouco ou nada diz sobre o montante das quantias desviadas, mas diz, isto sim, sobre a modalidade de ação, embora, a bem da verdade, o sufixo de diminutivo possa insinuar que se trate de coisa de pouca monta. O termo sugere uma ação furtiva, um cambalacho entre comparsas. É possível que tenha surgido entre os próprios usuários da prática.

Do ponto de vista gramatical, tem a mesma estrutura de espiadinha, olhadinha, passadinha, saidinha e outros, de uso regular sobretudo no registro oral. Vale notar que esses termos são derivados de verbos (o ato de espiar, o ato de olhar etc.) e neles o sufixo diminutivo não informa tamanho ou volume, mas a noção de tempo reduzido (uma ação rápida e, ocasionalmente, furtiva). A loteria chamada de “raspadinha” tem a mesma estrutura (com uma ligeira raspada no bilhete, a pessoa obtém o resultado).

Dar uma passadinha em algum lugar é fazer uma breve visita; dar uma saidinha é escapulir para voltar logo (aliás, é o termo informal usado para denominar a saída temporária de presidiários); dar uma batidinha na porta é golpear a superfície com leves pancadas; dar uma espiadinha pelo buraco da fechadura… é fazer uma travessura, mas bem rapidinho.

No português  do Brasil, o verbo “rachar”, no registro informal, quer dizer “dividir”, “repartir” (“rachar a conta do restaurante”, “rachar o prêmio com os amigos”) — e é desse sentido que deriva a conhecida “rachadinha”. Eu te nomeio pra fingir que trabalha no meu gabinete e a gente dá uma rachadinha na grana do teu salário. Topas?

O diminutivo, no caso, parece diminuir a gravidade do fato, reduzido a uma molecagem ou a uma malandragem; a “rachadinha” é uma “boquinha”, uma oportunidade de ganhar dinheiro fácil à custa do erário.

No português do Brasil, o uso afetivo do diminutivo tem alta frequência. Quando nos pedem que esperemos um minutinho, geralmente gastamos bem mais que 60 segundos, mas o sufixo “-inho” torna mais gentil o pedido e arrefece nossa impaciência. Oferecer um cafezinho, fazer uma fezinha na loteria, ajudar a senhorinha a atravessar a rua, arranjar um tempinho, fazer uma viagenzinha, ganhar um dinheirinho extra, dar um pulinho na casa de alguém, esperar um pouquinho, tomar um solzinho, comer um docinho, essas frases são muito naturais no cotidiano dos brasileiros.

O diminutivo pode expressar carinho (Que bonitinho o seu gatinho!), mas também pode sugerir ironia (Ele fez um comentariozinho no fim da reunião; Ele é autor de um livrinho de receitas) ou depreciação (É um professorzinho de cidade pequena; É um juizeco de primeira instância). Uma musiquinha pode ser uma sequência simples de notas (um jingle publicitário que ficou na memória, por exemplo), mas jamais será uma sinfonia. Um feijãozinho com arroz evoca uma comida caseira, familiar, afetiva; já o feijão com arroz pode nem ser comida, mas qualquer coisa comum e repetitiva.

É fato que a alteração de grau – tanto do substantivo como do adjetivo e do advérbio – tem um componente afetivo e, quando a disputa entra no campo da retórica, como ocorre na política, é bom estar atento às sutilezas da língua.

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Em defesa do neologismo https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/07/28/em-defesa-do-neologismo/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/07/28/em-defesa-do-neologismo/#respond Tue, 28 Jul 2020 18:04:31 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/Bolsonaro-apoiadores-Alvorada-Adriano-Machado-Reuters-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1531 “A economia brasileira despiora um tico. ‘Despiora’, sim. Tem de ser na base do neologismo, pois apenas nos recuperamos do infarto geral de dezembro. A carga de energia subiu um pouquinho, 0,7%, sobre fevereiro de 2008, mas foi um crescimento tão fraco como o do já terrível novembro do ano passado.” Em 3 de março de 2009, o articulista Vinicius Torres Freire cunhava o neologismo “despiorar”, que, de lá para cá, ele próprio usou 63 vezes em suas colunas da Folha, atravessando os governos de Lula, Dilma, Temer, Obama e, finalmente, chegando ao de Bolsonaro.

Só agora, porém, o termo ganhou as redes sociais, nas queixas do fã-clube do presidente da República, que nele viram um modo de mascarar uma suposta “melhora” da economia.

O próprio autor explicou o termo em 2009 (governo Lula), quando o empregou pela primeira vez na Folha. Não é preciso muito esforço para compreender o que ele quis dizer.

Vale relembrar que o prefixo “des-” é usado, principalmente, no sentido de negação ou oposição (contente/ descontente; prestígio/ desprestígio; confiança/ desconfiança; amor/ desamor; proporcional/ desproporcional), de falta (desabrigo, desalento, desemprego, desânimo) e de separação ou afastamento (desenterrar, desembolsar).

Associado a formas verbais, porém, sugere cessação de uma ação e, em certos casos, a volta a um estado anterior (fazer/ desfazer; costurar/ descosturar; mistificar/ desmistificar; afivelar/ desafivelar). O neologismo “despiorar” parece incorporar-se a esse grupo, uma vez que indicaria a cessação do processo de piora e talvez (não necessariamente) um retorno ao ponto em que as coisas começaram a piorar.

Vale notar que, rigorosamente, só piora aquilo que já está ruim e só melhora aquilo que já está bom. Pior e melhor são superlativos de mau e bom (ou de mal e bem), portanto são termos que aumentam a intensidade do que é mau e do que é bom. É por isso, aliás, que recomendamos, à luz da norma-padrão, que se evitem as construções “mais melhor” e “mais pior”.

A expressão “menos pior”, que também não está prevista no capítulo dos superlativos (diríamos “menos mau” ou “menos mal”), acabou por ganhar força expressiva e, em certos contextos, tem o mesmo efeito do neologismo do articulista, ou seja, o de indicar um breve recuo do processo de piora.

A questão filosófica é saber se aquilo que deixa de piorar melhora. Ao pé da letra, não, pois o que deixa de piorar não fica bom (menos ainda “mais bom”) – apenas estaciona ou, quando muito, volta ao seu grau anterior de ruindade. Se dissesse que a economia melhorou, o autor estaria pressupondo que ela estava boa antes.

Para evitar esse sentido embutido na palavra “melhorar”, o articulista criou o seu “despiorar”, que foi, como o são muitos dos neologismos, uma forma de resolver uma questão semântica. O resto, se nos autorizam os vernaculistas de plantão, é “mi-mi-mi”.

 

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O fígado e o cérebro https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/07/21/o-figado-e-o-cerebro/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/07/21/o-figado-e-o-cerebro/#respond Tue, 21 Jul 2020 15:20:52 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/Bolsonaro-cloroquina-.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1524 Na recente polêmica desencadeada por um texto de Hélio Schwartsman, intitulado “Por que torço para que Bolsonaro morra”, entre os muitos pitos que o autor  levou de seus colegas articulistas, chama a atenção o de um deles, que o acusa de ter “argumentado com as vísceras”, nas quais, ninguém duvida, estariam entranhados nossos piores sentimentos.

Aparentemente, as vísceras – coração, útero, estômago, pâncreas, intestinos, fígado – são sede dos nossos mais censuráveis e mórbidos desejos. Geralmente se atribui ao fígado o sentimento de vingança (um sujeito “de maus fígados” é vingativo, genioso), embora o termo também seja um sinônimo de índole, bravura ou intrepidez (aquele sujeito “tem fígado”).

Não parece ser, no entanto, desse sentido figurado do “fígado” que deriva o adjetivo “figadal”, usado na expressão “inimigo figadal”, cuja origem, salvo engano, estaria nos duelos entre espadachins. Para ferir de morte o inimigo, era preciso mirar no seu fígado. Essa história, se verdadeira, parece fazer mais justiça ao fígado, que, enfim, não seria um mero produtor de ódio, maldade ou argumentos ruins, mas um ponto fraco, cujo ferimento pode levar à morte. De qualquer forma, o fígado, talvez por secretar a bile, substância amarga e escura, ganhou a conotação negativa e é frequentemente associado ao mau humor.

O texto de Schwartsman, no entanto, nada tem a ver com essas misteriosas entranhas malignas, embora, como se viu, tenha ferido a suscetibilidade de vários articulistas do jornal, muito preocupados em deixar claro que têm incontestes virtudes morais. O que faz o colunista é um exercício de raciocínio, que, aliás, vem explicado por meio da expressão “nada pessoal”, logo no primeiro parágrafo. O autor escreveu com o cérebro mesmo, gostemos ou não de seus argumentos e da corrente filosófica em que se engajam. Nada existe nas suas palavras que sugira ódio ou mesmo real desejo de ver a morte de outrem. Para quem “não entendeu a piada”, como se diz, ou fingiu que não entendeu, ele escreveu dias depois o texto “Esperando o japonês da Federal”.

Enquadrar o autor na malfadada Lei de Segurança Nacional por causa de um exercício filosófico não parece sequer imaginável à luz da razão (a menos que o texto legal sofra algumas alterações, como as arroladas por Claudia Tajes em sua divertida coluna no caderno Ilustrada), menos ainda se considerarmos o histórico do ofendido, cujas manifestações públicas são assustadoramente amorais (ou será que todo o mundo já se esqueceu do “e daí?” diante do aumento do número de casos de Covid-19, da indiferença ante a morte da população e de toda a escatologia que, aliás, o transformou em “mito” nas redes sociais e fenômeno eleitoral?).

Nem que desejasse, Schwartsman conseguiria a proeza de igualar-se ao dito-cujo na produção de discursos de ódio –ao que tudo indica, pertencentes a outro gênero, que não o filosófico. Se cometeu algum erro, talvez tenha sido a escolha do título do texto, considerado o lamentável fato de que muita gente não vai além dele, como comenta uma leitora, que, cristã, reconhece que seu incômodo ante o título se desfez depois da leitura do texto.

De resto,  ao que parece, faltou interpretação de texto e sobraram manifestações de moralismo e bom-mocismo, algumas das quais bem dramáticas, o que nos faz pensar que o fígado, se é verdade que produz argumentos ruins, também pode produzir leituras equivocadas.

 

 

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Educação deve ser antídoto a discurso de ódio https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/06/18/educacao-deve-ser-antidoto-a-discurso-de-odio/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/06/18/educacao-deve-ser-antidoto-a-discurso-de-odio/#respond Thu, 18 Jun 2020 21:49:48 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/Apoiadores-Bolsonaro-Pedro-Ladeira-Folhapress.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1509 Não há dúvida de que tudo o que atenta contra a liberdade de expressão merece repúdio. Pelo menos em bases racionais, ninguém se atreve a defender o contrário. Essa situação aparentemente cria uma cilada para os defensores da democracia quando postos diante da circulação do discurso de defesa do fim da própria democracia, que aparece de variadas formas, como apologia de racismo ou homofobia e incitação à perseguição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), entre outras.

Se sou democrata, estou obrigado a defender o direito de qualquer pessoa a dizer qualquer coisa –e, por certo,  discursos racistas ou totalitaristas padecerão de graves defeitos de argumentação, o que, em si os levará para o lixo da história. Embora seja lógico, esse raciocínio pode ser um tanto simplista, pois pressupõe um embate racional de ideias, com disputa de argumentos, ou seja, um gênero específico de produção discursiva.

Ocorre, porém, que os defensores de preconceito, ditadura, fechamento de Congresso, perseguição de ministros, lançamento de bombas no STF e coisas do gênero não estão escrevendo textos argumentativos com vistas a contribuir para o debate de ideias.

Em suma, importa não apenas o que se diz mas quem diz, como diz, em que circunstâncias diz, em que lugar diz, com que intenção diz (vale rever a teoria dos atos de fala de Austin, revista por John Searle). É por isso que uma frase como “Perdeu, madame”, para efetivamente ser uma ameaça e levar a uma ação específica (entrega dos pertences), requer certo agente e circunstâncias. Se ditas por um assaltante munido de uma arma, as palavras levam à ação; se ditas numa brincadeira entre amigos, por exemplo, podem provocar o riso.

É preciso, portanto, trazer para essa discussão outros fatores que convergem para o significado do que se diz e, sobretudo, a análise da intenção de quem fala e dos elementos do discurso capazes de induzir ações. O que se convencionou chamar de “discurso de ódio”, por exemplo, deixa claro que o que está em jogo são emoções, não razão ou argumentação lógica. Pode-se dizer que esse tipo de discurso constitui um gênero textual. Ao pôr em circulação certos afetos, instiga mais e mais o ódio e, como consequência, desencadeia ações potencialmente criminosas. É razoável, por complexo que seja, buscar formas de responsabilizar os disseminadores desse tipo de discurso, que, ao que tudo indica, não se combate apenas com argumentos lógicos.

Há dois anos, no calor da campanha política que levaria o clã Bolsonaro ao poder, o Enem teve de alterar um de seus critérios de correção de redações por iniciativa de um certo movimento intitulado Escola sem Partido. Até então, o participante que defendesse no texto ideias que afrontassem a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, teria sua redação eliminada.

Não faltaram acusações de que a prova desrespeitava o princípio da liberdade de expressão, e muita gente entrou no debate para defender o direito que tinham os estudantes de manifestar seu racismo e outros eventuais preconceitos num exame nacional que equivale a um vestibular para as universidades públicas. O presidente, depois de eleito, chegou a dizer que analisaria, ele próprio, as questões da prova.

De lá para cá, o cenário piorou muito. Aquela foi uma falsa discussão, pois a liberdade de expressão não estava ameaçada. A Declaração Universal dos Direitos Humanos resolve o paradoxo ao enunciar que seus signatários se comprometem a seguir todos os seus preceitos, entre os quais está o da liberdade de expressão, não apenas um ou outro item da cesta. Em suma, quando põe em risco a liberdade como um todo ou contradiz os demais artigos do documento, a liberdade de expressão deixa de ser considerada como tal.

A antiga regra do Enem estimulava os professores a fazer o debate de ideias com os alunos à luz dos direitos humanos, que hoje andam tão fora de moda. O exame continua pedindo aos participantes que respeitem esses princípios, mas mudou o critério de pontuação, deixando de anular os textos que desobedecem a essa instrução. Independentemente de quantos fossem os estudantes que desejassem manifestar esse tipo de ideia, o que chamou a atenção na ocasião foi o aspecto simbólico da reivindicação, que, apoiada por pais de alunos, acabou sendo atendida.

O problema é estarem os jovens à mercê das redes sociais, onde nem sempre há espaço (ou tempo) para refletir sobre as questões. O ritmo de escrita e leitura, bem como o tipo de comentário e o catálogo de emoções (emojis), são dados pela plataforma. O único critério de validação de uma ideia é o quantitativo (quantidade de likes, de seguidores etc.), que, como se sabe, é frágil, pois a quantidade pode ser produzida artificialmente por robôs e algoritmos.

Uma publicação, por mais absurda que seja, se for chancelada por milhares ou milhões de likes, tenderá a produzir mais adesão. Nesse ambiente, cuja lógica é a da publicidade, prevalece o discurso da emoção, seja ela qual for. Quem “lacra” nas redes sociais, muitas vezes, é quem diz uma frase de efeito, não raro uma grosseria –e, quando menos esperamos, estamos todos discutindo as piadinhas sexistas de Eduardo Bolsonaro ou as manifestações racistas de uma youtuber qualquer.

O pior de tudo é que a educação, que seria a melhor arma para levar as pessoas a distinguir o joio do trigo, o fake do verdadeiro, o fato da mentira, o ódio da razão, vem sendo destruída. A depender do sr. Paulo Guedes, deveríamos resgatar do baú da ditadura a disciplina escolar OSPB (organização social e política do Brasil). O sr. Weintraub, finalmente, deixa o ministério, mas não sentimos alívio, pois, nesse governo, tudo sempre pode piorar, mesmo que pensar em algo pior seja um grande desafio à nossa imaginação.

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A gramática debochada do ministro https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/01/09/a-gramatica-debochada-do-ministro/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2020/01/09/a-gramatica-debochada-do-ministro/#respond Thu, 09 Jan 2020 15:31:27 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/WEINTRAUB-E-BOLSONARO-COCHICHO-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1448 A apresentação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, no Twitter, “Meu Twitter, minhas regras”, em analogia ao slogan feminista “Meu corpo, minhas regras”, parece dizer respeito até mesmo às regras gramaticais. Suas mensagens continuam denunciando uma embaraçosa falta de intimidade com as letras, ainda mais constrangedora por emprestar um involuntário (?) ar de deboche à própria função que ele exerce.

Erros gramaticais são perdoáveis e muita gente os comete aqui ou acolá. Ocorre, no entanto, que a ortografia, por ser algo que se aprende mais pela leitura do que pelas regras em si, acaba sendo uma espécie de cartão de visita da pessoa que escreve.  Certas falhas denunciam deficit cultural, ausência de leitura, coisa que, aliás, Abraham já demonstrou em outras ocasiões. Confundir o nome do escritor Kafka (conhecido até de quem não o leu) com a iguaria da culinária árabe “kafta” (grafia corrente em restaurantes; na verdade, “cafta”, aportuguesamento do árabe “kufta”) não é algo fácil de relevar. É digno de esquetes de programas humorísticos popularescos.

Escrever “imprecionante” com “c” é algo que pode acontecer durante o processo de alfabetização –seja de criança, seja de adulto–, afinal, o som de “cê” pode ser grafado de diversas formas: com “s” de “sair” , com “c” de “certo”, com “ss” de “impressão”, com “ç” ou  “xc”, como em “exceção”. Com o tempo e o hábito da leitura, as pessoas naturalmente reconhecem as famílias de palavras (impressionante, impressionar, pressão, impressão, impresso) e a escrita se torna automática. Essa não deveria ser, portanto, uma questão para alguém que, tendo tido acesso à educação, ascendeu ao cargo de ministro da Educação.

Nessa posição, Abraham perde (ainda mais) credibilidade cada vez que desrespeita o vernáculo. Um pouco de leitura (de livros) pode ajudá-lo a pacificar suas querelas com a gramática. A cartilha “Caminho Suave”, recomendada pela Presidência da República, pode ser um bom começo.

Em tempos de elogio da “meritocracia”, fosse ele um motorista que não conhecesse as regras de trânsito, já teria sido demitido –a  menos, é claro, que seu chefe decidisse mudar o código de trânsito.

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Ministério ‘homenageia’ professor com português claudicante https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2019/10/16/ministerio-homenageia-professor-com-portugues-claudicante/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2019/10/16/ministerio-homenageia-professor-com-portugues-claudicante/#respond Wed, 16 Oct 2019 21:36:07 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/Astronauta-e-Bolsonaro-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1436 Passou mais um Dia do Professor. Em meio às frases de reconhecimento da importância da categoria e às homenagens afetuosas, na celebração virtual das redes sociais, apareceu uma mensagem do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que roubou a cena no Twitter.

A peça publicitária do governo, de tão claudicante, parece ter sido produto da negligência, do desleixo, de flagrante imperícia – ou de tudo um pouco. No mínimo, o redator escolhido para escrever em nome do ministério ainda não tem o domínio da escrita: comete erros primários, não distingue vírgula de ponto, tropeça na sintaxe, ainda não entendeu para que serve um pronome relativo e anda às turras com a crase, como se pode ver a seguir, na reprodução da mensagem, e abaixo na bandeira verde-amarela:

Hoje é o dia do profissional, que sem ele, nada seria possível, este profissional é o professor.

Todos que venceram e se tornaram ícones, referência, e mudaram a história da humanidade para sempre, um dia tiveram um professor que os encaminhou, que os ensinou e lhes abriu a mente para receber o conhecimento, e ir além.

À vocês, profissionais do ensino, que se dedicam de corpo e alma à missão de formar pessoas, de qualificar profissionais, toda a gratidão e os cumprimentos pelo seu dia, parabéns mestres, parabéns professores.

A ciência e a tecnologia, que são o alicerce de muitas nações desenvolvidas, dependem muito deste profissional e de sua dedicação em sala, não apenas para ensinar, mas, com o seu amor pela profissão, e por seus alunos, fazer com que tomem gosto por estas áreas, incentivando os à dar o primeiro passo a na direção do conhecimento .

O Mês de Outubro traz o dia do professor, e trará também a Semana Nacional de Ciência em Brasília, e o mês da Ciência e Tecnologia em todo o Brasil. de 21 a 27 de Outubro, participe da SNCT em Brasília, ou em sua cidade.

Não nos cabe, porém, condenar o escriba, que, por certo, fez o melhor que pôde. Condena-se, naturalmente, o desmazelo de quem o escolheu e deixou que se publicasse um texto tão constrangedor como homenagem aos professores. O mais triste é que a displicência e a bisonharia não nos deixam esquecer o desprezo terraplanista  que os novos donos do poder têm pela ciência, pela pesquisa e pela educação como um todo.

Se a mensagem tivesse sido escrita por um aluno num cartão endereçado a seu professor, seu conteúdo, por certo, valeria muito mais que a forma. Uma mensagem oficial do governo, porém, é avaliada em outro nível: seu emissor é um ente abstrato, seu conteúdo é político e sua forma não deveria estar saltando aos olhos por causa de incorreções gramaticais. Sendo uma mensagem aos professores, a situação é ainda mais irônica.

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Novo livro de Carlos A. Faraco e Eduardo Vieira ensina a escrever na universidade https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2019/09/30/novo-livro-de-carlos-a-faraco-e-eduardo-vieira-ensina-a-escrever-na-universidade/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2019/09/30/novo-livro-de-carlos-a-faraco-e-eduardo-vieira-ensina-a-escrever-na-universidade/#respond Mon, 30 Sep 2019 14:35:42 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Sala-de-leitura-na-Biblioteca-Pùblica-de-Nova-York-Phil-Roeder-Reprodução-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1425 Um dos primeiros desafios do estudante universitário é lidar com a rotina de ler e escrever. A quantidade de leituras a fazer, o tempo de executá-las e a sua contrapartida, que é a produção textual, provocam em muitos um impacto inicial, que não raro se alia a dificuldades herdadas de sua vida escolar pregressa.

Não por outro motivo, os pesquisadores Carlos Alberto Faraco (ex-reitor da Universidade Federal do Paraná), autor de vasta produção acadêmica na área de linguística, e Francisco Eduardo Vieira, linguista e professor na Universidade Federal da Paraíba, reuniram suas experiências como docentes universitários e se lançaram na empreitada de escrever uma coleção de livros para promover, em suas palavras, o “letramento universitário”.

Os autores conversaram com o blog por ocasião do lançamento do primeiro volume da coleção “Escrever na Universidade” (editora Parábola), intitulado “Fundamentos”.

Faraco conta que há, entre os professores do ensino superior, uma percepção de que muitos estudantes têm chegado à universidade sem um domínio maduro da leitura e da escrita. Como sociolinguista, atribui o problema a fatores históricos. “O Brasil nunca foi um país letrado. Temos uma história de pouca familiaridade com a língua escrita, o que continua afetando o sistema escolar como um todo e limitando as relações dos alunos com a língua escrita”, afirma.

Vieira, por sua vez, credita o problema mais especificamente à falta de leitura de textos formais por parte dos jovens: “A maioria dos jovens parece ler poucas notícias, reportagens, artigos de opinião, artigos de divulgação científica, leis, clássicos da literatura em língua portuguesa, entre outros gêneros semelhantes em estrutura e norma aos gêneros acadêmicos que eles precisarão ler e escrever quando chegarem ao ensino superior”.

Ser um bom leitor

Pode-se dizer, então, que o primeiro passo para escrever bem é ser um bom leitor. Desmistificando a percepção do senso comum de que ler é uma atividade passiva, de mera recepção de informações, os autores mostram que, ao contrário disso, ler é um evento ativo, uma vez que cabe aos leitores construir os sentidos do texto, mobilizando sua rede de conhecimentos prévios para estabelecer relações entre as ideias.

Fazem questão de lembrar que todo texto tem um autor (ainda que não claramente identificado), que escreve para alcançar certos resultados. Deixar de perceber isso é ser ingênuo e ler menos do que está escrito.

Na sala de aula

Essas e muitas outras questões complexas são tratadas com a simplicidade de uma conversa. Ao ler o livro, tem-se a sensação de estar dentro de uma sala de aula, ouvindo as explicações de um professor muito didático. E isso tanto pelo tom adotado como pela seleção de textos de apoio, todos escolhidos a dedo, apropriados não só para a análise formal que deles se faz como também para suscitar reflexões necessárias sobretudo para quem esteja envolvido na produção de conhecimento: pós-verdade, fake news e variação linguística estão entre os temas abordados.

Todas as unidades contêm propostas de exercícios, o que sugere que o livro pode ser adotado como instrumento didático – não só na universidade, ainda que os universitários sejam o seu público-alvo, mas mesmo na fase preparatória para os vestibulares e o Enem (no primeiro volume, apenas a unidade 4 é específica para os universitários).

O estudo dos gêneros textuais

Todo o trabalho de ensinar a escrever bem (e a ler bem) é baseado no estudo de gêneros textuais, que, aliás já vêm sendo solicitados nos principais exames vestibulares. “Nós, quando escrevemos, produzimos não apenas um texto, mas um texto situado numa determinada atividade social (o jornalismo, o direito, a ciência, a literatura, a ensaística, a publicidade etc.), na qual predominam determinados gêneros. Por isso, tem-se enfatizado o estudo dos gêneros textuais. O aluno precisa perceber que sua escrita é situada socialmente e que, no interior de cada atividade sociointeracional, há gêneros específicos”, explica Faraco.

A percepção de que todos os textos pertencem a algum gênero e de que é esse gênero que determina as características de cada um deles é a base sobre a qual se constrói o aprimoramento do processo de leitura e escrita.

“Se formos instados a atender uma determinada demanda de nossa vida prática, buscaremos o gênero textual que historicamente, em nossa cultura, vem sendo utilizado com recorrência nessa situação. Saber escolher os gêneros textuais adequados (um requerimento, um abaixo-assinado, uma carta de reclamação ou mesmo um post numa rede social) faz parte, portanto, de nossa competência de sujeitos de linguagem imersos numa sociedade de cultura letrada”, explica Vieira.

Os autores chamam a atenção para o fato de serem infinitos os gêneros, exatamente por estarem estes sujeitos a situações de comunicação, com seus próprios objetivos, embora possam agrupar-se segundo graus de formalidade (informais, semiformais, formais, ultraformais).

Como escrever bem

Hoje é menos comum, mas há não muito tempo proliferavam livros que se propunham a ensinar a escrever por meio de fórmulas de simplificação (não use gerúndio, substitua a expressão x pela expressão y etc.). O leitor tinha diante de si um compêndio de recomendações que se pretendiam objetivas, organizadas em listas de isto sim/isto não. Escrever, sob a tutela desse tipo de obra, era antes um suplício que um prazer.

Segundo Faraco, “listas e macetes – essa visão fragmentada e miseravelmente instrumentalista – não contribuem em nada para o domínio maduro da escrita”.  Para o professor, os caminhos que dão resultado são bem diferentes disso: “É preciso ler e analisar textos, mergulhar numa tradição discursiva e sentir na prática os horizontes e limites dos gêneros aí praticados, bem como escrever e refazer o escrito, ou seja, aprender a ser, ao mesmo tempo, autor e leitor de seus próprios textos”.

“Esse tipo de literatura me faz lembrar algumas seções de gramáticas quinhentistas e seiscentistas, que proscreviam listas de solecismos e barbarismos, espécies de ‘vícios de linguagem a serem remediados’”, afirma Vieira, que, antes que alguém imagine o contrário, ressalta ser importante o estudo da gramática da língua. Para ele, “o componente estrutural e normativo dos textos escritos também é um conhecimento que não se sustenta apenas na mera intuição linguística; a reflexão sobre questões normativas, atrelada a uma perspectiva pedagógica que leve em conta a variação não só na fala, mas também na escrita, precisa estar no horizonte de toda professora e de todo professor de português”.

A leitura do volume “Fundamentos” deixa claro, a todo momento, que a escrita pode ser prazerosa mesmo nos domínios da produção acadêmica, em que é preciso adequar-se aos padrões de formalidade exigidos pelos gêneros. Há no senso comum uma falsa percepção de que o texto acadêmico tem de ser frio ou enfadonho, mais uma ideia que Faraco e Vieira desmistificam.

O livro mostra, enfim, que é possível aprender a escrever bem, mas que a tão desejada fórmula mágica para atingir esse objetivo está antes no processo de letramento como um todo (no aprendizado da leitura competente e na internalização de práticas de escrita) que em alguma lista de recomendações fragmentadas.

Educação: competição ou solidariedade?

A todo processo educativo subjaz uma filosofia, que expressa o que se pretende atingir ao fim do trajeto e como fazer isso. No caso do letramento, isso não poderia ser diferente. Tendo como objetivo a produção de textos com autonomia, o ensino da leitura e da escrita está intimamente ligado à construção da cidadania.

Recentemente o ministro da educação, Abraham Weintraub, disse a uma plateia de crianças que o Brasil não tem espaço para todos, “só para os melhores”. Segundo ele, estimular a competitividade é uma “técnica de gestão” que visa a fazer que as pessoas deem o seu melhor. Há algo de perverso nessa afirmação, uma vez que, a levá-la às últimas consequências, estaríamos dizendo que nem todos merecem ser cidadãos, numa espécie sombria de pedagogia da exclusão.

Segundo o professor Faraco, que considerou lastimável o teor da afirmação, uma vez que emanada de uma autoridade da área de educação,  a competição, no caso específico do ensino da escrita, não leva a lugar nenhum. “Uma das atividades mais eficazes é a refacção coletiva dos textos produzidos pelos alunos. Trata-se de uma construção em conjunto do domínio da produção de textos, em que todos podem perceber as qualidades dos textos dos colegas e, ao mesmo tempo, os caminhos para aperfeiçoar a expressão de todos. É uma prática coletiva e solidária em que todos avançam sem precisar excluir ninguém”, explica, lembrando que o exercício pleno da cidadania “envolve também o desenvolvimento de uma ética da solidariedade social, e não de uma perspectiva competitiva, individualista e excludente”.

Escrever na Universidade: Fundamentos [vol.1], editora Parábola (2019), de Francisco Eduardo Vieira e Carlos Alberto Faraco

 

 

 

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