Thaís Nicoleti https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br Sun, 25 Jul 2021 11:00:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Mesa de bar virtual https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2017/03/23/mesa-de-bar-virtual/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2017/03/23/mesa-de-bar-virtual/#comments Thu, 23 Mar 2017 23:43:49 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1174 Virou moda dizer que certos comportamentos ocorrem nas redes sociais, como se, fora delas, a vida fosse muito diferente. Se, na arena virtual, as pessoas emitem opinião sobre um texto sem lê-lo até o fim, é porque, fora dela, também não conseguem ouvir o que diz o interlocutor. 

É muito comum numa conversa da vida real que cada um repita a sua ideia sem ouvir a ideia do outro ou que, mesmo ouvindo o outro, continue refratário a qualquer mudança de opinião. É mais frequente do que possa parecer. O resultado disso é que o raciocínio não avança.

Verdade é que, nas redes sociais, esse tipo de atitude ganha largas dimensões muito rapidamente, pois uma conversa virtual pode envolver elevado número de pessoas, que, aliás, nem sempre se conhecem. Em geral, as opiniões se dividem em dois blocos, aos quais cada um vai aderindo pelos mais variados motivos e acabam todos metidos numa espécie de disputa.

Nesse ambiente, é fácil que proliferem simplificações e até mesmo deturpações de ideias que mereceriam mais reflexão. Aqui nos interessa mais de perto a questão da língua, tema de muita prosa nas redes.

Do ponto de vista da linguística, que é uma ciência cujo objeto de estudo é a língua, não há construções certas e erradas. O erro seria apenas aquilo que é agramatical, portanto ininteligível (por exemplo, em vez de “O menino saiu da sala”, dizer “Menino o sala da saiu”).

Dessa forma, quem se propuser a discutir a língua do ponto de vista da linguística não terá como dizer, ao fim e ao cabo, que uma forma é certa e outra é errada nem que uma deve existir e outra não deve. Afinal, quem decide o que deve ou não deve existir são os falantes da língua, não os estudiosos, aos quais cabe compreender o fenômeno, que é social, histórico, psíquico, artístico, enfim, cultural, portanto sujeito a um complexo sistema de forças, entre as quais está a tradição.

Um linguista dizer como se deve falar equivale a um antropólogo dizer que um costume é melhor ou mais adequado que outro. Não basta, portanto, dizer que a língua muda, que não existe erro (fora da agramaticalidade) e, em seguida, decretar que um uso é melhor que outro ou que um deve ser extinto em favor de outro por qualquer que seja o motivo.

Os usos linguísticos estão inseridos nos costumes. As pessoas aprendem a língua materna nas suas famílias e nas comunidades onde vivem, daí adquirirem o registro próprio de seu local de origem. Num ambiente democrático, respeitam-se todos os registros como se respeitam, por exemplo, todas as religiões, etnias e orientações sexuais.

É fato, porém, que, sendo um produto daqueles que a falam e daqueles que a falaram no decorrer da história e a transmitiram, oralmente ou por escrito, a língua se insere numa tradição. Ainda que o processo de mudança seja natural e atenda às transformações da sociedade, o diálogo com a tradição permanece, como, de resto, acontece com os costumes e instituições.

Não há como exigir dos falantes em geral que, de saída, tenham atitude de cientistas. A reflexão leiga tende a ser “conservadora” – no exato sentido do termo, o de “conservar” – exatamente porque as pessoas defendem aquilo que receberam naturalmente pela via da tradição (tanto a oral como a escrita, esta reforçada na escola).

Disso decorre algo bem interessante nas redes sociais: as discussões começam com o discurso científico de defender as transformações, de não condenar isto ou aquilo, mas logo os debatedores enveredam pelos caminhos de terra batida da tradição em busca do certo e do errado, estes às vezes travestidos de mais bonito e horrível, melhor e pior, aceitável e inaceitável.

Não são poucos os debatedores que saem dessas tertúlias dispostos a engajar-se numa luta pela correção gramatical, cujo parâmetro é a norma culta, não a linguística. Suas palavras de ordem são do tipo “Vamos acabar com o gerundismo!”, “Fora, a nível de!”, “Não aguento mais comentar sobre!”, “Morte ao risco de morte!”.

Em suma, todo o mundo é linguista no primeiro parágrafo, mas sustentar o raciocínio não é fácil. Falta educar o olhar sobre o fenômeno linguístico. Será essa a tarefa mais difícil, para além da mesa de bar virtual.

 

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“Grafites e murais são sempre bem-vindos quando autorizados” https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2017/01/23/grafites-e-murais-sao-sempre-bem-vindos-quando-autorizados/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2017/01/23/grafites-e-murais-sao-sempre-bem-vindos-quando-autorizados/#comments Mon, 23 Jan 2017 21:11:18 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1146 O título acima é a última frase da nota enviada à Folha pela Prefeitura de São Paulo, na qual a administração se propõe justificar a “limpeza” dos grafites da avenida 23 de Maio, ora substituídos por tinta cinza.portugues na rua (1)

Segundo o grafiteiro Enivo, a ação da prefeitura contraria o slogan do prefeito: “Se ele quer uma cidade linda, por que pintar tudo de cinza? O prefeito anunciou uma guerra contra a pichação, mas apagou os grafites. É uma contradição”.

Pode ser uma contradição ou pode ser uma questão de gosto. Talvez o prefeito ache mais bonita uma cidade cinza ou simplesmente talvez ele não aprecie o grafite como manifestação artística.

A contradição, no entanto, certamente está nos dizeres da nota: afinal, como conciliar o advérbio “sempre”, que indica permanência, com a oração “quando autorizados”, que indica uma circunstância restrita de tempo (ou mesmo uma condição)?

Os grafites são sempre bem-vindos ou os grafites são bem-vindos quando autorizados –não as duas coisas ao mesmo tempo.

A primeira parte do período é só simpatia (grafites são sempre bem-vindos), mas a segunda desmancha a primeira (bem-vindos desde que “autorizados”). É o velho malabarismo de dizer sem dizer ou de dizer uma coisa querendo dizer outra.

É por essas e por outras distorções que palavras de políticos, assim como as imagens produzidas em gabinetes e os exercícios de pirotecnia midiática, valem muito pouco.

Administrar uma cidade como São Paulo, com todas as suas tensões, é por certo muito mais complicado do que gerenciar a própria casa, onde imperam as próprias regras e o próprio gosto. A falta de sensibilidade não costuma dar bons frutos.

 

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“Mal”, “mau” e “maldade” https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/04/mal-mau-e-maldade/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/04/mal-mau-e-maldade/#comments Thu, 04 Aug 2016 22:14:56 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1070 O nosso incansável Zé Simão é o autor do bordão “Brasileiro escreve tudo errado, mas todo mundo se entende”. É assim que ele costuma introduzir as piadas prontas que aparecem em tabuletas espalhadas pelo país. “Olha esse cartaz no isopor de um ambulante: “COUXINHAS e água”. Tirante o aspecto engraçado dessas grafias, da análise desses erros sempre se extrai algum ensinamento. Por que alguém escreveria “couxinha”, com “u”? É provável que venha de uma confusão entre coxa e colcha, palavras cuja pronúncia é parecida. O “l” que se apoia em vogal e a semivogal  “u” dos ditongos /w/tendem a ter a mesma pronúncia (polpa, poupa; mal, mau), o que acarreta erros de grafia.

COXÃOÉ por essas e por outras que há quem confunda “coxão” com “colchão”…

portugues na rua (1)O caso do par mal/mau, tantas vezes ensinado com o truque de estabelecer oposição com o par bem/bom, é dos que mais causam confusão. Ultimamente têm aparecido as grafias “maudade” e “maudoso”, que certamente muitos dos leitores já viram por aí. É bem possível que essas grafias (incorretas) estejam apoiadas nesse truque de memorização, tantas vezes repetido. As pessoas que assim escrevem pensam que, se dizemos “bondade” (não “bendade”) e “bondoso” (não “bendoso”), deveríamos escrever “maudade” e “maudoso”, afinal “bom” se opõe a “mau”, certo?

Nada disso. A palavra “maldade”vem do latim malitas, atis (ruindade, dano, prejuízo), portanto formou-se antes de chegar ao português. “Maldoso”, por sua vez, segundo o dicionário “Houaiss”, deriva de “maldade”, termo ao qual se acresceu o sufixo “-oso” (de abundância). Assim, “maldade + oso”, por haplologia, resulta em “maldoso”, com o mesmo “l” de “maldade”, que veio do latim.

HAPLOLOGIA

Esse é o nome que recebe a supressão, no corpo de uma palavra, de uma de duas sílabas iguais ou muito parecidas que sejam contíguas. É o que ocorre, por exemplo, com as palavras “tragicomédia” e “tragicômico”, resultantes de “trágico + comédia” e “trágico + cômico”. Note que a última sílaba da primeira palavra é igual à primeira da segunda palavra. Em vez de tragicocomédia ou tragicocômico, operamos naturalmente a eliminação da sílaba repetida, obtendo as formas “tragicomédia” e “tragicômico”.

Quem conhece um pouco de teoria musical, sabe o que é uma “semínima”, nota musical que tem a metade da duração de uma “mínima” (semi + mínima > *semimínima > semínima); “idolatria” também resulta desse processo: ídolo + latria > *idololatria > idolatria. Muito bem: “maldade + oso” resulta em “maldoso” (não em maldadoso).

MALDADE E MALDOSO

Escrevamos, portanto, maldade e maldoso com a letra “l”. Quanto a “mau” e “mal”, pronunciados de forma muito semelhante no Brasil, vale lembrar que “mau” é adjetivo, portanto caracteriza substantivos, e “mal”, grosso modo, é advérbio, portanto modifica verbos. MALDADEVejamos um caso que leva muita gente à confusão em matéria aparentemente tão simples: mau funcionamento e funcionar mal. “Funcionamento” é substantivo, portanto pode ser “bom” ou “mau” (o bom ou o mau funcionamento das instituições), enquanto “funcionar” é verbo, portanto pode ser modificado por um advérbio (funcionar bem ou funcionar mal). É semelhante o caso de “mau humor” e “mal-humorado”, que se opõem a “bom humor” e “bem-humorado”.

MAL

A palavra “mal”, além de ser um advérbio de modo, é um substantivo (o mal) e uma conjunção subordinativa temporal, que indica o momento imediatamente posterior a uma ação (Mal chegou, foi encaminhado à sala secreta).

O HÍFEN

Segundo as regras de ortografia, o advérbio “mal” é preso por meio de hífen a palavras iniciadas por vogais (mal-entendido, mal-estar), por “h” (mal-humorado) e por “l” (mal-limpo). Nos demais casos, ocorre justaposição (malfeito, malbaratar, malcomportado, maldizer, malversação etc.).

 

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Eles são lindos, mas… https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/06/23/eles-sao-lindos-mas/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/06/23/eles-sao-lindos-mas/#comments Thu, 23 Jun 2016 23:08:37 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1003 Uma coordenadora de escola infantil envia um bilhete à mãe de dois alunos gêmeos de três anos de idade com os seguintes dizeres:

Olá! Mamãe Débora, peço-lhe se possível aparar ou trançar o cabelinho dos meninos, eles são lindos, mais (sic) eu ficaria mais feliz com o cabelo deles mais baixo ou preso. Beijos, Fran. portugues na rua (1)

A mãe, indignada com a atitude que considerou racista, põe o bilhete nas redes sociais, e o assunto vira notícia. Louvemos o imenso poder dessas redes de propalar informação com a rapidez de um relâmpago.

Quantas mães de alunos já terão recebido bilhetinhos desse tipo? A dona da escola, mãe da referida coordenadora, não vê nenhum problema na mensagem.

Tirante os lamentáveis erros gramaticais do bilhete redigido por uma professora, que aparentemente não consegue diferenciar “mais” de “mas” nem ponto final de vírgula, tentemos entender, nas linhas e nas entrelinhas, onde está o problema.

Termos como “mamãe”, “cabelinho”, “lindos” e “beijos, Fran” parecem ali postos para demonstrar carinho, uma espécie de embalagem da mensagem principal. A frase “eles são lindos” seguida do que deveria ser a conjunção adversativa “mas”, no entanto, desmonta a ideia e entra no assunto: corte ou trance os cabelos das crianças. Por que motivo?

O motivo é, segundo o texto, deixar a coordenadora da escola “mais feliz”. Por que a pessoa ficaria “mais feliz” se as crianças disciplinassem os cabelos crespos em tranças ou simplesmente os tivessem cortados? Seria porque os cabelos são um traço étnico que é preciso disfarçar?

As supostas palavras de carinho do bilhete, ingênua tentativa de camuflar preconceitos, mais parecem insultos. Tudo indica que o assunto vá ser resolvido na Justiça.

Que o episódio sirva de lição para todos aqueles que se propõem trabalhar na área de educação. A tarefa do educador pressupõe uma visão de mundo liberta das amarras do preconceito.

 

 

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Literalmente atropelado por uma informação https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/06/01/literalmente-atropelado-por-uma-informacao/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/06/01/literalmente-atropelado-por-uma-informacao/#comments Sun, 01 Jun 2014 17:51:15 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=634  

Não faz muito tempo que um importante personagem da cena política brasileira, com a intenção de desmentir um boato, disse que tinha sido “literalmente atropelado” pela suposta informação de que seria pré-candidato a vice-presidente na chapa presidencial de seu partido. portugues na rua (1)

 

Como ele, não são poucas as pessoas que vêm usando o advérbio “literalmente” como uma espécie de advérbio de intensidade, por isso vale a pena refletir sobre o significado dessa palavra.

“Literalmente” quer dizer “em sentido literal”, “no sentido exato da palavra”. Empregar esse advérbio serve para avisar o leitor ou o interlocutor de que a expressão modificada não deve ser tomada em seu sentido figurado. Não se trata de metáfora, mas de sentido literal.

Alguém que diz ter sido “atropelado por uma informação” não pode estar empregando o verbo literalmente. A expressão em si já é conotativa (metafórica). Uma pessoa que tenha sido literalmente atropelada por certo terá sofrido um acidente, poderá ter-se machucado etc.

Bastaria, então, ter dito que foi “atropelado pela informação”, o que já seria bastante enfático. 🙂

 

 

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