Thaís Nicoleti https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br Sun, 25 Jul 2021 11:00:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Notícia ou obituário? https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/05/06/noticia-ou-obituario/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/05/06/noticia-ou-obituario/#respond Thu, 06 May 2021 11:00:54 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/1615826628604f8ec422b16_1615826628_3x4_md-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1619 Quem lê a Folha regularmente já deve ter percebido que as notícias de morte nunca trazem o verbo “falecer”. Existe uma preocupação de natureza jornalística com a objetividade do registro do fato. Assim, os títulos sempre são variações da expressão “Morre fulano”, seguida de um aposto, no qual é destacada uma informação relevante sobre a pessoa.

Alguns casos recentes ilustram essa espécie de regra:

Morre Alber Elbaz, ícone de Hollywood e estilista da Lanvin, aos 59 anos, de Covid

Morre Michael Collins, astronauta da Apollo 11, aos 90 anos

Morre o político Levy Fidelix, 69, conhecido como o pai do aerotrem

Morre Tempest Storm, atriz burlesca que namorou John F. Kennedy e Elvis

Morre o economista John Williamson, pai do Consenso de Washington

Como se pode perceber, é na escolha do aposto que o autor do texto pode deixar transparecer algum juízo de valor (“ícone de Hollywood” é bastante simpático, digamos assim; “astronauta da Apollo 11” é neutro).

Muito bem. A morte do ator Paulo Gustavo, que provocou grande comoção nas redes sociais, foi noticiada sob o título “Morre Paulo Gustavo, o maior chamariz de público da história do cinema do país”. Não foram poucos os leitores que se incomodaram com o aposto, considerado indelicado em face do momento de consternação. As críticas foram ouvidas e optou-se por substituir “chamariz de público” por “fenômeno de público”.

Foi, por certo, o termo “chamariz” que fez soar pejorativa a caracterização do ator – talvez por dar a entender que o público de alguma forma possa ter sido “enganado” (como o peixe que morde uma isca) e levado a ver produções cinematográficas de baixo valor estético. Se tiver sido essa a ideia, a crítica recai mais sobre os filmes como um todo do que sobre o ator, que, afinal, por suas qualidades, era capaz de atrair o público.

No texto, o jornalista fez um apanhado da carreira do ator, enfatizando bastante os altos números de bilheteria, o que costuma soar como elogio – afinal, se é popular, é bom (discussão que pode ficar para outro momento). O que me parece oportuno aqui é traçar uma distinção entre notícia da morte e obituário, se é que é clara essa distinção (o leitor está convidado a opinar).

A Folha tem uma seção de obituário, em que se faz um tipo específico de relato da vida de uma pessoa morta recentemente (qualquer pessoa pode ser retratada nessa seção). As informações são colhidas em conversas com parentes e amigos, que descrevem com carinho a personagem em questão, buscando sempre os melhores traços da sua personalidade, fatos engraçados, hábitos, coisas de que gostava, frases que costumava dizer, enfim, as lembranças mais alegres. O arranjo das informações, quando bem-feito, resulta num interessante perfil do falecido, sempre marcado pela delicadeza, à maneira de uma crônica. Ler um obituário é mais ou menos como folhear o álbum de fotos de família da pessoa.

A notícia da morte, penso cá com meus botões, é outra coisa. É um texto objetivo, que não se confunde com um obituário propriamente dito. Nesse sentido, o jornalista pode transmtir com distanciamento as informações que fazem da pessoa assunto de notícia. O que, no entanto, talvez seja preciso considerar é o momento por que passamos, a morte prematura por Covid-19 de uma pessoa que, de alguma forma, representa as mais de 400 mil que se foram desde o início da pandemia no Brasil. Isso explica a sensibilidade dos leitores, que, nesta hora, veem Paulo Gustavo mais como um amigo querido que se vai do que como um artista que deva ser lembrado pelo valor de sua obra.

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Dividir opiniões e chegar a 5% https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/05/04/dividir-opinioes-e-chegar-a-5/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/05/04/dividir-opinioes-e-chegar-a-5/#respond Tue, 04 May 2021 11:00:50 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/Criptomoedas-Dado-Ruvic-Reuters-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1608 Na edição do último dia 2 de maio, em interessante reportagem sobre o uso de criptomoedas,  a expressão “dividir opiniões” apareceu em duas construções, uma das quais inusual. Em outro texto, que oferece explicações sobre o câncer de estômago, veremos um emprego do verbo “chegar” merecedor de observação. Vamos aos casos!

No primeiro texto, que trata dos efeitos da maior presença das entidades monetárias no segmento de criptomoedas, lemos o seguinte subtítulo:

Decisões pró e contra moedas digitais dividem opiniões entre analistas e executivos do setor

Logo a seguir, temos esta construção:

Os analistas e executivos do setor dividem opiniões sobre os efeitos que a maior presença das entidades monetárias pode trazer ao segmento.

Convido o leitor atento a observar o sujeito do verbo “dividir” em cada passagem.

No primeiro caso, as decisões dos bancos centrais, favoráveis ou contrárias ao uso de crptomoedas, dividem opiniões entre analistas e executivos do setor. “Dividir entre” sugere “repartir” (dividir o prêmio entre os ganhadores), portanto não nos parece a melhor escolha. Esse problema, porém, poderia ser sanado com a substituição de “entre” por “de”, preposição que estaria ligada ao substantivo “opiniões” (opiniões de analistas e executivos).

É interesante observar a segunda passagem destacada, na qual o que divide opiniões não é o assunto, como seria de esperar. Agora os analistas e executivos do setor é que dividem opiniões “sobre os efeitos que a maior presença das entidades monetárias pode trazer ao segmento”, ou seja, pessoas dividem opiniões sobre um tema.

Afinal, o tema divide opiniões de pessoas (primeira passagem) ou pessoas dividem opiniões sobre o tema (segunda passagem)?

O sujeito de “dividir opiniões” é o tema, não as pessoas que o discutem. “Dividir opiniões” é mais ou menos o mesmo que “ser polêmico”. Assim, parece-nos, finalmente, que, sobre a segunda passagem, seria correto dizer que os efeitos da maior presença das entidades monetárias no segmento de criptomoedas é que dividem opiniões de analistas e executivos. Assim:

Os efeitos da maior presença das entidades monetárias no segmento de criptomoedas dividem opiniões de analistas e executivos do setor.

O segundo tema que vamos abordar aqui é o emprego do verbo “chegar” quando ligado a quantias ou somas. Em geral, nós usamos o termo para indicar a elevação, não a redução. Por exemplo: os valores desviados chegaram a R$ 200 mil ou os valores desviados não chegaram a R$ 20 mil. Na frase afirmativa, o valor é alto; na frase negativa, o valor é bem mais baixo. Tanto em uma como em outra, no entanto, subentende-se como ponto de partida o zero ou, pelo menos, um valor inferior às quantias expressas.

Causou-nos certa estranheza o uso de “chegar a” feito no infográfico que fornece dados sobre o câncer de estômago, publicado a propósito da doença do prefeito de São Paulo, Bruno Covas. Vejamos:

31%

é a taxa de sobrevivência média de pacientes com câncer de estômago cinco anos após o diagnóstico, segundo estatísticas americanas; esse índice chega a 5% quando há presença de metástase

Como o ponto de partida é 31%, o índice sofre uma redução, aliás bastante expressiva. O mais comum seria dizer que o índice cai para 5% ou se reduz a 5%. “Chega a 5%” sugere que o ponto de partida seja inferior, não superior.

Sintetizando os dois temas tratados hoje, temos o seguinte:

  1. o sujeito de “dividir opiniões” é um tema, um fato, algo abstrato;
  2. “chegar a”, quando exprime quantias ou valores, sugere aumento, elevação de um ponto inferior a um ponto superior.
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Corroborar e comentar https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/04/30/corroborar-e-comentar/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/04/30/corroborar-e-comentar/#respond Fri, 30 Apr 2021 11:00:58 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/Pazuello-entrega-de-enfermaria-Manaus-Caio-de-Biasi-Ministério-da-Saúde-16119616616014953dcf082_1611961661_3x2_lg-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1603 Merece atenção a regência de “corroborar”, verbo que parece ter entrado na moda na esteira do adjetivo “robusto”, e a de “comentar”. Os dois são transitivos diretos, mas vêm sendo empregados como se fossem transitivos indiretos. De tempos em tempos, um leitor (ou será uma leitora?) se queixa dessas construções encontradas aqui e ali no grande conjunto de textos que são publicados diariamente na Folha.

O verbo “corroborar”, pouco tempo atrás, era típico de textos formais – em geral, de caráter científico ou jurídico –, usado em seu sentido próprio, qual seja o de reforçar, consolidar, ratificar, confirmar. De uns tempos para cá, ganhou espaço em conversas informais (não é difícil encontrá-lo nas redes sociais, por exemplo), mas, nessas situações, frequentemente com sentido alterado. O que primeiro nos chama a atenção nesse uso é a pesença da preposição “com” a introduzir o seu complemento.

Em vez de frases como “Os argumentos corroboram a hipótese” ou “Os fatos corroboram a teoria”, vamos encontrar “Fulano não corrobora com isso”, caso em que seria mais apropriado o verbo “concordar”.

Vejamos alguns exemplos, extraídos da Folha:

Ao entrar na casa, Thaís havia anunciado que era “a rainha das tretas” e que adorava “ser o centro das atenções”. Porém, sua passagem pela casa não corroborou com as afirmações. (F5. 13.4.21)

Nesse trecho, bem poderíamos ter dito que “sua passagem pela casa não corroborou as afirmações” (ou “não comprovou as afirmações”), deixando a preposição “com” para as situações em que ela é necessária. O mesmo vale para o exemplo seguinte:

Em outubro falei para meu pessoal pisar no acelerador, comprar terreno, acelerar obras, porque sentíamos que as coisas ficariam boas. Janeiro e fevereiro corroboraram com isso, mas março e abril mostraram que não é bem assim. (Mercado. Painel S/A. 21.4.19)

Bastaria, nesse caso, suprimir a preposição “com” (corroboraram isso). Na passagem abaixo, porém, “corroborar” parece ter sido uma escolha lexical imprópria. A correção da regência não seria suficiente para tornar a frase compreensível. Vejamos:

Na última viagem a Manaus, dias antes de o sistema de saúde da capital amazonense entrar em colapso por falta de oxigênio, Pazuello corroborou com os técnicos do ministério, que recomendaram à prefeitura de Manaus a distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada para Covid-19 a pacientes com sintomas leves, nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs). (Cotidiano. Equilíbrio e Saúde. 29.1.21)

Aparentemente, corroborar foi usado no lugar de concordar, assentir, aquiescer (concordou com os técnicos do ministério). Para usar “corroborar”, seria necessário alterar um pouco o restante do texto. Vejamos:

Na última viagem a Manaus, dias antes de o sistema de saúde da capital amazonense entrar em colapso por falta de oxigênio, Pazuello corroborou as recomendações dos técnicos do ministério, que orientaram a Prefeitura de Manaus a distribuir  medicamentos sem eficácia comprovada para Covid-19 a pacientes com sintomas leves, nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs).

No último fragmento selecionado (abaixo), temos a transcrição de um comunicado. Nessa situação, a Redação não faz correções gramaticais, mas nada nos impede de usar o [sic] – tanto pelo uso inadequado de “corroborar” como pela grafia de “linchamento” (do inglês “lynch”), cujo erro salta aos olhos. Vejamos:

“Viemos esclarecer que a nossa equipe não corrobora com o linxamento moral que a política do cancelamento gera, tanto nas redes quanto dentro da própria casa, onde estamos vendo de forma inaceitável com que o participante Lucas vem sendo tratado”, escreveram os administradores das redes de Fiuk em comunicado, na mesma rede. (F5 2.2.21)

Tivesse a assessoria de Fiuk feito uma revisão de texto, teríamos o seguinte:

Vimos esclarecer que nossa equipe não concorda com o linchamento moral, gerado pela política do cancelamento, tanto nas redes sociais quanto dentro da própria casa, onde o participante Lucas vem sendo tratado de forma inaceitável.

O verbo “comentar”, por sua vez, tem aparecido seguido da preposição “sobre”. É possível que o traço semântico de assunto que essa preposição carrega seja responsável, pelo menos em parte, por essa “inovação”. Outra hipótese é a contaminação da regência do substantivo correlato “comentário”, este sim ligado ao seu complemento pela preposição “sobre” (fazer um comentário sobre algo). Vejamos alguns exemplos, todos extraídos do mesmo texto:

O advogado da auditora, Joseph Araújo, não confirmou o uso do papel timbrado nas denúncias e preferiu não comentar sobre essa acusação.

[…]

O TJ-RN não comentou a prisão da auditora, nem as denúncias feitas por ela contra o magistrado. “O Tribunal de Justiça não se pronuncia e não emite juízo de valor sobre o assunto, que tramita nas esferas judiciais competentes”, afirmou em nota.

[…]

O CNJ aguarda a conclusão do processo disciplinar para dar andamento ao procedimento de apuração interna contra o juiz. A Folha entrou em contato com o órgão no último dia 23 para comentar sobre o caso, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.

Vale observar a hesitação entre as duas construções. A única considerada correta, à luz da norma-padrão, é a segunda (O TJ-RN não comentou a prisão). Comentamos a prisão, a acusação, o caso, enfim, comentamos alguma coisa (não “sobre” alguma coisa). Esse uso, no entanto, é muito frequente na imprensa como um todo. Vejamos mais um exemplo:

“Só que não tenho vergonha, foi a forma que levei”, afirma a atriz. “Nunca menti pra ninguém, não fui falsa, só fui jogadora. Fugi dos paredões como o Tiago pedia”, assegurou. A youtuber também comentou sobre sua trajetória no jogo durante o programa BBB: A eliminação (Multishow).

Em suma, nossa recomendação aos jornalistas da Folha é que usem “corroborar” e “comentar” como transitivos diretos (sem preposição).

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Folha: 100 anos de língua portuguesa https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/02/19/folha-100-anos-de-lingua-portuguesa/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/02/19/folha-100-anos-de-lingua-portuguesa/#respond Fri, 19 Feb 2021 11:00:08 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/ILUSTRAÇÃO-1611345757600b2f5d8e3f7_1611345757_3x2_md-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1574 A ideia de compilar as palavras e expressões que vieram ao mundo nas páginas da Folha nos últimos 100 anos era espetacular, mas carecia de um tipo de pesquisa muito difícil de fazer, sobretudo em pouco tempo.

Restava apelar para a memória e conversar com alguns dos articulistas que fizeram história no jornal para relembrar palavras e expressões que marcaram o seu tempo. Assim foi feita a reportagem de Marcella Franco, publicada hoje no Caderno Especial.

Era de esperar que os inventores de palavras atuassem, principalmente, nos cadernos culturais – e assim se chegou a Joyce Pascowitch, Erica Palomino e José Simão.

Aos muito jovens pode parecer estranho o termo “dasluzette”, criação de Joyce, mas foi esse o apelido dado pela colunista a quem frequentava assiduamente a loja Daslu, templo do luxo paulistano, que teve suas portas fechadas em 2016. Na pena de Joyce, a terminação “-ette” renderia mais duas palavrinhas: “culturette” e “milionette”. A duplicação do “tt”, à moda francesa, garantia o discreto charme da elite frequentadora de museus no exterior e endinheirada o suficiente para colecionar obras de arte em casa.

De modo geral, o sufixo “-ete” é apropriado para mesclar o “modernoso” com o “picaresco”: “chacrete” e “periguete” que o digam e, mais recentemente, nas páginas da Folha, “bolsonarete” (“Bolsonaro e bolsonaretes de coturno explicaram para o cidadão de bem que o povo armado não será escravizado”).

Joyce Pascowitch chamava homem bonito de “lasanha”, talvez renovando uma velha tradição de associar a beleza masculina a uma iguaria largamente apreciada. Os mais velhos se lembrarão de que já foi muito comum dizer que um galã de novela era um “pão”.

Filho de presidente era primeiro-filho, genro de presidente era primeiro-genro, sempre seguindo à risca o modelo de “primeira-dama” – e não é que hoje já se fala em primeiro-cavalheiro? Sendo a mulher a presidente (ou presidenta, como queiram), parece natural que assim se chame o seu marido. Será?

“Montar”, na gíria gay costuma ser usado pelas drag queens depois de vestidas e maquiadas. Erica Palomino não hesitou em ampliar esse uso para quem quer que carregasse demais na maquiagem. Numa época em que o jornalismo era um pouco mais sisudo do que hoje, a Folha foi pioneira na reverberação do vocabulário do universo LGBT, que aparecia nos textos da colunista. O fato de estar nas páginas do jornal dava à palavra um novo status, rumo à dicionarização. O verbo “montar”, nesse sentido, está registrado no “Houaiss”.

Embora em geral seja muito difícil, às vezes é possível saber quem inventou uma palavra São raríssimos os casos em que o criador é conhecido e, mesmo nesses, é vã a sua glória, já que a palavra vai seguir trajetória própria e a coletividade é que dirá o que dela será feito.

Alguns leitores se lembrarão de que, nos anos 1990, o ministro Rogério Magri, do governo Collor, cunhou o adjetivo “imexível”, que, à primeira vista, soou “errado” – e pudemos ver que não só de médico e de louco, mas também de professor de português, todo o mundo tem um pouco. Em toda a imprensa, viram-se críticas à falta de vocabulário do ministro, que era dado a certas criatividades, como a de dizer que sua cadela era um ser humano. Pouco tempo depois, o dicionário “Houaiss” acolheria o termo como, afinal, um sinônimo de “inalterável” – e poria fim à discussão.

Daí em diante, o termo foi aparecendo de maneira jocosa na pena de alguns colunistas, que, de início, zelavam pelo uso das aspas, não raro atribuindo-lhe a autoria, e, com o tempo, foram despindo a palavra do adereço, bem como da referência ao seu “autor” (“Apesar de acenos a diálogo, Lira disse que a decisão da mesa está tomada e que nenhum lugar era imexível“).

A Folha não foi o primeiro veículo a dar espaço para o “imexível”, mas foi, na década anterior, aquele que no qual estreou a palavra “papamóvel”, cujo primeiro registro impresso, segundo o próprio “Houaiss”, data de 19 de junho de 1980. A palavra veio à luz em uma reportagem sobre os preparativos para a primeira visita do papa João Paulo 2º ao Brasil, em que aparece entre aspas, mencionada como o termo que estava sendo usado para descrever o veículo que o transportaria. Vale assinalar que a datação de uma palavra está ligada ao seu registro verificável mais antigo e que, por isso mesmo, caso surjam novas pesquisas, o termo pode ser retrodatado.

Se é bem verdade que as palavras não costumam carregar carteira de identidade, há casos em que algumas expressões ganham sentido particular na voz de alguém. É por isso que apresentadores de televisão costumam criar bordões.

Na mídia impressa, nas páginas da Folha, foi o colunista José Simão, o “Macaco Simão”, quem transportou para o papel esse traço tão típico da oralidade. Assumindo um apelido de infância dado pelos coleguinhas de escola (em alusão a um personagem de revista infantil que, como ele, se chamava Simão), criou o célebre “Macaco Simão! Emergência!”, que dá início às colunas quando a notícia é bombástica. De resto, todos os textos começam com o indefectível “Buemba! Buemba!” e terminam com o impagável “Nóis sofre, mas nóis goza”, que, desde a grafia, imita a pronúncia do paulistano, além de suprimir a concordância verbal, como se faz na linguagem informal, e de acionar, com a picardia de sempre, o duplo sentido da palavra “gozar”. Com isso, Simão ganha a cumplicidade do leitor.

Há termos, no entanto, que, longe das colunas de humor, foram inventados por articulistas e passaram a fazer parte de um repertório próprio desse autor. Quem, ao ouvir a palavra “privataria” (registrada no “Houaiss”), não se lembra de Élio Gaspari ou, ao ouvir o tal “petralha” (registrado no dicionário de Sacconi), não se lembra de Reinaldo Azevedo? Esta última, é verdade, foi muito mais amplificada na internet que nas páginas da Folha e hoje parece trazer ao criador menos orgulho que em outros tempos.

O hábito de fazer jogos de palavras, no entanto, é mais comum do que parece e faz parte do dia a dia da Folha. O articulista Conrado Hübner Mendes recentemente cunhou “magistocracia” (“Entre os obstáculos que emperram o Estado de Direito no Brasil, a hegemonia da magistocracia no sistema de justiça é dos mais ignorados”) e Vinicius Torres Freire, useiro e vezeiro em jogar com as palavras, já chamou o general Pazzuello de general Pesadello, rivalizando com Zé Simão, que, outro mestre na arte do chiste (espécie de dito espirituoso por meio do qual um conteúdo crítico se reveste de uma forma cômica), batizou de general Pazuerro o mesmo personagem.

A técnicas de alterar o corpo da palavra, não raro de juntar dois nomes para criar um conceito, como o Datapadaria de Simão, em que faz jocosa alusão ao Datafolha, estão na base nos ditos chistosos, que vão além dos simples trocadilhos. Estes, a bem da verdade, também são muito saborosos e, como nos lembra Paulo Rônai, estão disseminados pela literatura, desafiando o ofício do tradutor, uma vez que é muito difícil transpor de uma língua para outra um conteúdo que está conjugado com uma forma específica.

São os trocadilhos que garantem o riso do leitor ante as histórias dos “predestinados”, que são traquinagens do Macaco Simão baseadas em nomes próprios reais de pessoas, como o do delegado linha-dura chamado Themildo das Trevas, o da funcionária da Italac Laticínios chamada Cláudia Leite ou o do escritório de advocacia Katia Regina Murro e José Carlos Pacífico, o Murro e Pacífico (“Direto de Osasco, o escritório de advocacia Katia Regina Murro e José Carlos Pacífico! (“Duas opções! Eu prefiro no MURRO!”). Sem encerrar nenhum tipo de crítica, apenas divertem.

Também não foi à toa que se intitulou “esculhambador-geral da República”. A matéria-prima de seus textos é o noticiário; é lá, nas outras páginas da Folha, que Simão encontra a inspiração, às vezes na forma de “piada pronta”, expressão que ele celebrizou.

O recurso usado para criar o efeito cômico nesse caso é o simples deslocamento da informação para a sua coluna. A graça depende muito da atualidade, daí o casamento perfeito entre o humor do colunista e as páginas do jornal.

É Freud quem explica que o poder de síntese é um dos fatores responsáveis pelo prazer que temos de ler ou ouvir um chiste. Simão resume assim a derrota de Trump nas últimas eleições dos EUA: “Cabô a Casa da Supremacia Branca!”. É dito em uma frase o que poderia ser desenvolvido em um texto inteiro de caráter argumentativo, com a vantagem adicional de nos conceder o prazer do reconhecimento de algo que sempre esteve diante dos nossos olhos e não foi percebido antes.

Das suas criações, a mais popular é, sem dúvida, o “picolé de chuchu”. A junção do gelado com o insípido, numa imagem quase infantil, sintetizou, à maneira de uma caricatura, o traço característico do ex-governador Geraldo Alckmin. E diga-se: “chuchu” já vem sendo usado nesse sentido em relação a quaisquer personagens que se assemelhem ao que lhe serviu de inspiração, ao mesmo tempo que seu sentido antigo de “moça bonita” vai sendo esquecido e, ao lado do “pão” e da “lasanha”, ficando na memória dos mais antigos.

O pai da psicanálise, que muito se interessou pelo estudo dos chistes, explica que os bons são aqueles que levam à explosão do riso. Para ele, o poder de síntese e a suspensão do juízo crítico instaurada pelo chiste produzem prazer, e esse prazer pode ser mais efetivo na transmissão de uma mensagem do que o poder de argumentação.

Não por outro motivo os trocadilhos e quaisquer jogos de linguagem são tão usados para capturar a nossa atenção, seja na linguagem publicitária, seja nos textos de humor ou nos quadrinhos, seja, cada vez mais, no próprio jornalismo.

 

 

 

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Manchete com título no futuro: a morte calculada https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2018/05/24/manchete-com-titulo-no-futuro-a-morte-calculada/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2018/05/24/manchete-com-titulo-no-futuro-a-morte-calculada/#respond Thu, 24 May 2018 13:38:21 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1257 Perdi-me dentro de mim 
Porque eu era labirinto, 
E hoje, quando me sinto, 
É com saudades de mim  (Mário de Sá-Carneiro, poeta e suicida)

No último dia 10 de maio de 2018, a Folha, em sua versão impressa, publicou uma notícia cujo título, diferentemente do que ocorre na prática jornalística, continha um verbo no futuro: “David Goodall morrerá hoje aos 104 anos”. Na versão online, o verbo volta para o presente jornalístico.

O inusitado do título fora de padrão é que a notícia não era a morte daquele cientista, que em si não renderia manchete de jornal, mas o próprio tempo verbal do verbo morrer.

A novidade era, portanto, poder dizer que alguém vai morrer, por sua própria vontade, com hora e local marcado. Em países mais desenvolvidos, já existem empresas com nomes sugestivos (Life Circle, Eternal Spirit, Dignitas, Exit) que ajudam os cidadãos a realizar o suicídio, em determinados casos visto como um direito.

O cientista, segundo a reportagem, arcou com o custo aproximado de 10 mil francos suíços (o equivalente a cerca de R$ 36 mil). O preço da morte digna pode variar, mas, ainda segundo o texto, há opções para quem não tem recursos financeiros.

Antes de efetivar o contrato de morte (deve existir algo do gênero), a empresa se certifica de que o solicitante não tem depressão. Goodall, para tanto, passou por duas visitas médicas com profissionais diferentes.

O profissionalismo das instituições que oferecem o serviço é indiscutível: elas pedem aos pacientes que ingiram pentobarbital sódico, um sedativo eficaz que, em doses fortes o suficiente, faz com que o músculo cardíaco pare de bater. A Eternal Spirit optou por infusões intravenosas, pois a substância é alcalina e queima um pouco quando engolida.

Um profissional prepara a agulha, mas cabe ao paciente abrir a válvula que permite que a substância de curta duração se misture com uma solução salina e comece a fluir em sua veia. 


Os trechos em itálico são extraídos do texto da reportagem. Vale atentar para as marcas de impessoalidade do discurso de venda de um serviço, o que, de certa forma, contribui para a superação do questionamento ético. Essa organização discursiva dá credibilidade ao serviço, apresentado como uma opção no mercado, o último ato de compra do cliente.

Enfatizou-se que o solicitante/paciente (cliente?) estava lúcido e tomou a decisão por estar infeliz. Conta-se que passou dois dias no chão da cozinha após uma queda até que a faxineira o encontrasse. Ele tinha 104 anos e, por certo, debilidades físicas, mas estava lúcido, portanto a mente estava saudável o suficiente para tomar uma decisão desse porte (suicídio).

O modo como o discurso se organiza torna fácil e até tentador aceitar isso como algo normal, como uma morte digna. E aqueles que se ocupam de propiciar o serviço são uma espécie de benfeitores. Pode ser mesmo.

Outros dados da reportagem também chamam a atenção. Um deles é a proporção entre homens e mulheres na clientela do serviço; outro é a sua faixa etária predominante: “Dos 175 suicídios assistidos realizados entre 2012 e 2015, 115 foram em mulheres. A faixa etária predominante é de 60 a 89 anos”.

O desejo de acabar com a própria vida pode ocorrer em qualquer idade, como sabemos. Sentimos como uma tragédia o suicídio de jovens e adolescentes, que pode ter muitos fatores motivadores (a violência do bullying ou a decepção amorosa, por exemplo).

Depois dessa fase, temos uma espécie de relação ambígua com o suicídio: geralmente se considera que o suicida era fraco ou que “tinha problemas” (não raro, as pessoas fazem uma releitura da personalidade da pessoa e descobrem que o suicida era mesmo um sujeito esquisito), mas o tema continua sendo tabu. O suicídio continua sendo algo condenável, embora a culpa sempre recaia no autor do gesto.

O que vemos agora é que, a partir de certa idade, o suicídio deixa de ser o gesto de um fraco, desesperado, problemático e passa a ser um gesto de dignidade, apoiado por uma estrutura assistencial.

É paradoxal que a vida moderna se paute por um verdadeiro culto à saúde, vendido ininterruptamente (não fumar, não ingerir bebida alcoólica em excesso, fazer exercícios regularmente, comer alimentos orgânicos, beber dois litros de água por dia, tomar vitaminas, repor o colágeno, usar protetor solar etc.), e que não saibamos que destino oferecer a quem envelhece em vez de morrer naturalmente mais cedo.

O mais triste é o processo de exclusão que a pessoa vai sofrendo com a perda da juventude. O que seria um atributo de valor na idade avançada, a saber, a experiência e o saber acumulado, não tem utilidade na lógica de descarte do tipo de sociedade em que vivemos.

Ouso pensar que quem vive as coisas com alguma intensidade enfrente no decorrer da vida labirintos que parecem oferecer apenas a morte como solução. Normalmente o desejo de morrer é o maior sintoma de depressão, aquele que leva as pessoas aos terapeutas e analistas (ou não leva).

A pergunta a fazermos a nós mesmos, creio, é se esse suicídio racionalizado não seria a única saída que o nosso modelo de sociedade oferece a quem ousa atravessar a barreira dos anos. Em que medida a decisão é, de fato, individual e racional?

É digno de nota que uma expressiva maioria dos suicidas assistidos sejam mulheres, para as quais o envelhecimento é ainda mais sofrido por motivos, infelizmente, óbvios.

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Paraolimpíada ou Paralimpíada: complexo de vira-lata linguístico https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/09/16/paraolimpiada-ou-paralimpiada-complexo-de-vira-lata-linguistico/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/09/16/paraolimpiada-ou-paralimpiada-complexo-de-vira-lata-linguistico/#comments Fri, 16 Sep 2016 19:45:45 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1104 O Brasil vem fazendo bonito nos Jogos Paraolímpicos, o que é inegável. O que tem causado alguma celeuma é, por incrível que pareça, a palavra que nomeia esses jogos, formada do elemento “para-” associado ao adjetivo “olímpico”, de Olimpíada, que, por sua vez, tem raiz no nome da cidade grega de Olímpia, onde se realizavam os jogos naPortuguês Na Folha Antiguidade.

O prefixo grego “para-”, o mesmo que aparece em paranormal, paradidático ou parapsicologia, significa “para além de”, “ao lado de”. O mesmo prefixo aparece com o sentido de “defeito” em nomes de distúrbios como paralexia, paraplegia ou paramnésia, entre outros. As noções de proximidade e de oposição também estão associadas a essa forma (parágrafo, paradoxo etc.).

Olimpíada (substantivo) e olímpico (adjetivo) recebem o prefixo, dando origem aos termos Paraolimpíada e paraolímpico. Muito bem. De onde vêm, então, Paralimpíada e paralímpico, sem o “o”?

Por ocasião do encerramento dos Jogos de Londres, em 2012, anunciou-se a realização dos Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro, em 2016. O então Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) decidiu criar uma corruptela do termo da língua portuguesa com o objetivo de alinhar a grafia da palavra à grafia do inglês (Paralympics ou Paralympic Games). Dessa forma, intitulou-se Comitê Paralímpico Brasileiro.

A Folha emprega regularmente o nome do comitê do modo como ele passou a intitular-se, mas não incorporou essa grafia aos seus textos noticiosos. Em português, as palavras são Paraolimpíada e paraolímpico. As mudanças linguísticas não ocorrem por decreto ou por acordo de um grupo de pessoas. As palavras pertencem à comunidade de seus falantes e exprimem a cultura de um povo.

Não é natural em português dizer “Paralimpíada”, extirpando o “o” do radical da palavra. Seria uma forma espontânea, por exemplo, “Parolimpíada”, em que a vogal átona final do prefixo desaparece – essa grafia refletiria a nossa pronúncia.  Entenda-se: não há a menor necessidade de mudar a palavra, mas o caminho natural dos falantes do português levaria a “Parolimpíada”, nunca a “Paralimpíada”.

Qual seria a necessidade de alinhar a grafia do português à de outra língua? Mais propósito haveria, então, em abolir o termo português e escrever a palavra em inglês.

O mais intrigante nesse complexo de vira-lata linguístico é que o Brasil está sediando os Jogos e que seus atletas (para-atletas) estão dando um verdadeiro show. Será que não podemos deixar o mundo ouvir um pouco a língua portuguesa?

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Empoderar ou empoderecer? https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/06/empoderar-ou-empoderecer/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/06/empoderar-ou-empoderecer/#comments Wed, 06 Jul 2016 17:51:52 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=995 Não faz muito tempo, um leitor nos escreveu para corrigir uma palavra, que, segundo ele, a Folha de S.Paulo vem empregando de maneira incorreta.

O termo a que se referia era o verbo “empoderar”, que ele gostaria de ver corrigido para “empoderecer”, forma que aparece registrada no dicionário “Michaelis”. final portugues na folha

Segundo esse dicionário, “empoderar” é apenas uma variante de “apoderar”, ambos verbos pronominais (empoderar-se de algo, apoderar-se de algo), cujo sentido é basicamente o de tomar posse de alguma coisa. A mesma obra registra o verbete “empoderecer”, definido como a ação de “tornar poderoso”.

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, que não é um dicionário (não traz definições, mas apenas a lista de palavras da língua), também registra “empoderecer”.

O que nenhum dos dois registra, porém, é um texto que abone esse uso, coisa extremamente importante, pois, como é bom lembrar, palavras não são criadas em laboratórios ou em supostas oficinas gramaticais. Não digo que, vez ou outra, não haja casos que nos desmintam quanto a isso. Alguém sabe de onde vêm palavras como “cardápio”, “convescote”, “ludâmbulo” ou “lucivéu”?

Essas são criações do filólogo brasileiro Antônio de Castro Lopes (1827-1901), que com elas pretendia evitar o uso dos estrangeirismos “menu” (francês), “picnic” (inglês), “tourist” (inglês) e “abat-jour” (francês). O fim da história é de conhecimento geral dos falantes: “cardápio” teve aceitação, mas não expulsou “menu”, “convescote” soa postiço e é bem menos usado  que o aportuguesamento “piquenique”, “turista” e “abajur” são aportuguesamentos dos termos estrangeiros, enquanto “ludâmbulo” e “lucivéu” não tiveram acolhida.

Em suma, quem define o destino das palavras é quem as usa (ou não). De tempos em tempos, surgem ímpetos nacionalistas a advogar uma suposta pureza da língua a ser mantida – pureza essa manifesta na rejeição a termos estrangeiros. Note-se que “empoderar” e “empoderamento” têm origem no inglês (“to empower” e “empowerment”). São claras adaptações das palavras estrangeiras. Será esse, pois, o motivo de serem postas em questão?

“Empoderecer”?

Vale dizer que o questionamento de nosso leitor ocorre também nas redes sociais, espaço em que as pessoas costumam defender pontos de vista com veemência. Lá estão os defensores do verbo “empoderecer”, que seria a forma “pura”, própria da língua portuguesa. O raciocínio baseia-se em analogia com fortalecer, empalidecer, enaltecer, engrandecer, envaidecer, enfraquecer etc., verbos que sugerem a ideia de transformação.  O que acolhe uma palavra nova na língua, no entanto, é o seu uso, que cabe aos dicionários registrar, de preferência abonado e/ou contextualizado.

Ademais, o sufixo “-ecer” não é a única terminação capaz de indicar a ideia de transformação (suave/ suavizar, preto/pretejar, verde/ esverdear, doce/ adoçar, macio/amaciar etc.) e,  por outro lado, esse mesmo sufixo pode indicar apenas o aspecto incoativo (de início) da ação, como em “amanhecer (começo da manhã), “entardecer” (começo da tarde) ou “anoitecer” (começo da noite).

Empoderar-se e apoderar-se

O que talvez incomode os que consideram errado o termo “empoderar” é o fato de haver registro dessa palavra como sinônimo de “apoderar” (está no “Michaelis”, indicado pelo leitor, e no “Aulete”). Se as pessoas usassem correntemente o termo “empoderar” com o sentido de “apoderar”, é muito provável que, de modo espontâneo, surgisse outro termo para traduzir o inglês “to empower”. Não parece ser, no entanto, o que ocorre. Tal situação tende a acomodar o novo sentido de “empoderar-se” (emancipar-se, adquirir voz na sociedade com base na consciência e na superação de uma condição opressiva), em oposição a “apoderar-se” (tomar posse de algo).

Convém observar o que ocorre em espanhol. O dicionário da Real Academia Española apresenta dois registros do verbo “empoderar”, um dos quais como sinônimo em desuso de “apoderar” e outro como neologismo (do inglês “to empower”), definido como “hacer poderoso o fuerte a un individuo o grupo social desfavorecido”.

O aparecimento de palavras novas é motivado por uma série de fatores sociais, historicamente explicáveis. Não há como desvincular as palavras de seus contextos de uso. Uma das fontes de neologismos são os estrangeirismos, fato que, embora possa desagradar a alguns, é normal. A  palavra, porém, só se dissemina quando há uma espécie de acordo entre os falantes.

Os dicionários

É claro que, no caso de que aqui tratamos, não se pode dizer que “a Folha” esteja empregando incorretamente a palavra, pois o termo já se difundiu entre os falantes brasileiros. A leitura de outros dicionários da língua portuguesa poderia trazer ao nosso leitor mais dados para a reflexão. Não se pode dizer que haja uniformidade quanto ao tema entre os nossos principais autores, o que se explica pelo fato de estarmos diante de um neologismo.

O dicionário “Aulete” (versão eletrônica e atualizada do célebre Caldas Aulete) faz coro com o “Michaelis”, trazendo “empoderar-se” como simples variante de “apoderar-se” (apossar-se, tomar posse de alguma coisa), e ignora o termo “empoderamento”.

“Houaiss”, por sua vez, registra “empoderamento” e ignora “empoderar”. Com base no inglês empowerment, define o termo primeiramente como “ato, processo ou efeito de dar poder a alguém ou a um grupo, ou de alguém ou um grupo tomá-lo” e, em seguida, como “conquista pessoal da liberdade pelos que vivem em posição de dependência econômica ou física ou de outra natureza; tomada de consciência dos direitos sociais desenvolvida pelos indivíduos ao poderem participar dos espaços de decisão”. O fato de o dicionário “Houaiss” registrar o substantivo, mas não o verbo, pode sinalizar que a entrada do substantivo “empoderamento” se deu antes da entrada do verbo, mas somente uma pesquisa de datação dos termos poderá, de fato, trazer informação segura sobre isso.

O dicionário “Aurélio” parece-nos ser o mais completo quanto ao tema, embora não traga datação das palavras. Registra tanto o substantivo “empoderamento” como o verbo “empoderar”, aludindo não só à origem inglesa da palavra como também ao uso que dela fez, na década de 80 do século passado, o grande educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997), autor do internacionalmente famoso livro “Pedagogia do Oprimido”, para quem o termo evocava o processo coletivo de aquisição de consciência social como caminho para realizar mudanças na sociedade.

Vejamos as definições do “Aurélio”:

empoderar – para traduzir o inglês to empower – neologismo: 1. Dar autoridade legal ou poder; 2. Restr. Dar poder a (alguém), esp. o de realizar tarefa(s), atividade(s), sem precisar da permissão de terceiros. 3. promover a conscientização e a tomada de poder (especialmente o de influência) de (pessoa ou grupo social). Int.P. 4. adquirir consciência e/ou conquistar poder e influência para realizar mudanças de ordem social, política, econômica e cultural.

empoderamento – de empoderar + mento , seja como tradução do inglês empowerment, seja como criação do educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997). Substantivo masculino. Neologismo 1. Ação, processo ou efeito de empoderar (-se). 2. Sociologia. Conquista e distribuição do poder de realizar ações, ao adquirir-se consciência social e conhecimento, de forma a produzir mudanças a partir destas aquisições. 3. Educação. Processo pelo qual indivíduos e grupos sociais passam a refletir sobre – e a tomar consciência de – sua condição e a de seus pares, e, assim, formulam e objetivam mudanças que levem à transformação da condição individual e coletiva. 4. Por extensão. Superação da falta de poder político e social, coletivo ou individual das populações pobres.

O registro do “Aurélio” demonstra a força que essas palavras têm hoje no português, o que nos autoriza dizer que, dificilmente, vamos substituí-las por “empoderecer” e “empoderecimento”, formas supostamente “melhores” ou mais “puras” que as adaptações do inglês.

“Empowerment”
O termo “empowerment” difundiu-se nos Estados Unidos na segunda metade do século 20 com o surgimento de movimentos emancipatórios das minorias (negros, mulheres, homossexuais, pessoas deficientes) em busca do pleno exercício da cidadania. A língua inglesa já tinha o verbo to empower, cujo significado era o de “dar a alguém mais controle sobre sua própria vida ou dar poder a alguém para realizar tarefas”, sentido esse que, como vemos, se expandiu para abranger uma nova realidade.

Barack-Obama-1 boate Pulse

Hoje os termos, substantivo e verbo, evocam com grande força os movimentos de conscientização e de superação de situações de opressão que persistem sob a camuflagem de um pretenso “estado natural das coisas”. Muito usada nos movimentos feministas, a palavra “empowerment” foi empregada pelo presidente Barack Obama recentemente, por ocasião do massacre ocorrido na boate Pulse, em Orlando, frequentada sobretudo pelo público LGBT: “O lugar em que foram atacados é mais que uma boate – é um lugar de solidariedade e empoderamento“. O emprego feito pelo presidente reforça o significado do termo como conquista coletiva de autonomia, emancipação das chamadas minorias. Não se trata, portanto, de termo restrito à bandeira feminista, muito menos de “jargão feminista”, como já se chegou a dizer.

Quem quiser se aprofundar sobre o tema poderá ler o interessante artigo de Rute Vivian Angelo Baquero, disponível na internet.

 

 

 

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O caso do tríplex e do triplex https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/03/11/o-caso-do-triplex-e-do-triplex/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/03/11/o-caso-do-triplex-e-do-triplex/#comments Sat, 12 Mar 2016 00:24:26 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=962 Alguns leitores têm procurado a Folha para questionar o uso do acento na palavra “tríplex”, que consideram inadequado ou mesmo errado. final portugues na folha

Os argumentos dessas pessoas, alguns embalados em julgamentos do tipo “usar tríplex é tosco” ou “usar tríplex é mico”, em geral estão apoiados no fato de outros veículos da imprensa terem optado pela grafia triplex, que reflete a pronúncia oxítona, semelhante à de palavras como durex ou pirex.

Estas últimas, é bom que se diga, não chegaram ao português pelo latim, como aquela. São antes marcas comerciais que passaram a designar o objeto que fabricam, também chamadas “marcas genéricas”.

“Pyrex”, do inglês, sofreu alteração de grafia em português, tendo o “y” substituído por um “i”. A marca passou a designar qualquer recipiente de vidro refratário. “Durex”, a fita adesiva,  também é marca comercial. “Sedex”, por sua vez, o serviço de entregas dos Correios, é uma sigla de Serviço de Encomenda Expressa Nacional.

Antes de prosseguir, gostaria de deixar claro que as marcas mencionadas não são patrocinadoras do blog, muito menos da autora do texto. São mencionadas por serem todas muito conhecidas e, graças à sua aparente semelhança com palavras de origem latina, poderem ter influenciado a pronúncia de “tríplex” ou “dúplex” como oxítonas.

São poucas as palavras do português terminadas em “x”: látex, cálix, sílex, vórtex, dúplex, tríplex, multíplex, símplex, apêndix, cóccix, cérvix, ônix, hélix são algumas delas. Note que são todas paroxítonas e algumas delas têm uma variante terminada em “-ice”.

“Látex”, por exemplo, tem a variante “látice”, mas esta é bem menos usada que a primeira. Aliás, muita gente ainda pronuncia “látex” como oxítona (latex), ignorando o seu acento gráfico. Basta, no entanto, verificar a grafia da palavra no rótulo das latas de tinta de parede. Lá estará o acento de “látex”, apesar de ainda persistir a pronúncia popular “latex” (oxítona).

Grosso modo, pode-se dizer que “cálix” é menos usada que “cálice”, “sílex” é mais comum que “sílice”, “vértice” é mais frequente que “vértex”, “hélice” é mais usada que “hélix” e “apêndice” ganha a preferência sobre “apêndix”.

Como numerais, “dúplex” e “dúplice” alternam-se, e o mesmo vale para “tríplex” e “tríplice”. Como substantivo e adjetivo, prevalecem as formas “dúplex” e “tríplex”. Os leitores inconformados com a palavra que lhes soa de modo estranho alegam que ninguém diz “tríplex”. Se isso for mesmo verdade, o argumento não será desprezível, mas as coisas não são tão simples assim.

O outro argumento envolve os dicionários. Enquanto um leitor atribui à Folha certa subserviência acrítica ao que registra o dicionário “Houaiss”, quando, em vez disso, “deveria seguir o Vocabulário Ortográfico da ABL, pois a ABL é que manda”, outro afirma que o “Houaiss” traz a palavra sem acento.

O fato é que tanto os dicionários “Houaiss” e “Priberam” como o “Vocabulário Ortográfico”, da Academia Brasileira de Letras, registram as duas formas, “tríplex” (com acento) e “triplex” (sem acento).

A forma “triplex” (sem acento), aparentemente a mais comum nos textos de propaganda do mercado imobiliário, é registrada no “Houaiss”, mas seguida da advertência de que é uma forma não preferível de “tríplex” (com acento).

Menos condescendente, o “Aurélio” nem mesmo registra a forma sem acento – no verbete “tríplex”(com acento), observa que a palavra é comumente pronunciada como oxítona.  Na mesma linha, vai o “Aulete”, que, todavia, é bem menos sutil: só registra “tríplex” (com acento) e acrescenta que o termo se pronuncia erroneamente como oxítono.

A conclusão disso tudo é que cada veículo de comunicação fez a sua escolha. A Folha optou pelo respeito à norma-padrão do idioma, o que costuma ser apreciado pela maioria dos leitores, para os quais o jornal tem também uma função educativa. No mínimo, um mérito da escolha está em propiciar ao leitor o interesse em conhecer mais e melhor a nossa língua.

 

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“Má-formação” ou “malformação”? https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/03/04/ma-formacao-ou-malformacao/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/03/04/ma-formacao-ou-malformacao/#comments Fri, 04 Mar 2016 23:20:59 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=953 “Má-formação” ou “malformação”? A imprensa tem usado ambos os termos, um ou outro segundo a preferência de cada veículo de comunicação, para explicar à população o que é a microcefalia, final portugues na folhaanomalia com que podem nascer os filhos de mulheres que tenham contraído o vírus da zika durante a gravidez.

Vários leitores têm entrado em contato com a Folha para questionar a escolha da grafia “má-formação”, empregada pelo jornal. Não raro, afirmam tratar-se de um “erro” da Redação. Alguns chegam a reproduzir o verbete “malformação” do dicionário “Houaiss”, desconsiderando o fato de que o mesmo “Houaiss” traz também o verbete “má-formação”.

O que fazem os dicionários em geral é registrar ambas as formas, para o incômodo de muita gente. Diante desse tipo de situação, as pessoas querem saber, pelo menos, qual é a forma “melhor”. Difícil responder a isso, mas vamos aos dados.

Antes de entrar no caso específico dessas palavras, convém trazer à memória a distinção entre “mal” e “mau”. “Mal”, um advérbio, pode modificar verbos e adjetivos. “Mau”, um adjetivo, caracteriza substantivos (é por isso que dizemos que uma pessoa é mal-humorada, mas que tem mau humor). “Mal” não é o termo que caracteriza substantivos. Vale aqui lembrar a grafia de “mau-caráter” (adjetivo  seguido de substantivo, formando um substantivo composto).

Ora, “formação” é um substantivo, motivo pelo qual seu modificador natural é um adjetivo. Sendo uma palavra feminina, o adjetivo “mau” vai também para o feminino, dando origem ao substantivo composto “má-formação”. É exatamente assim que se formam os substantivos má-fé e má-criação, por exemplo.

Ocorre, porém, que a grafia “malformação” já obteve o registro nos dicionários e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp). Houaiss a interpreta como depreendida de “malformado” (note que, antes de “formado”, o que cabe é mesmo o “mal”). De “malformado”, supõe-se um verbo “malformar”, do qual poderia vir “malformação”. Ao lado dessa explicação, temos outra hipótese: a influência do francês e do inglês, línguas em que se registra a grafia “malformation”. Como se trata de termo da medicina, é possível que estudiosos, lendo em francês ou em inglês, tenham incorporado o termo ao português de forma intuitiva.

Louve-se a explicação de Houaiss porque ela se estende à forma “malcriação”, já registrada também no Volp. O autor, no entanto, observa o seguinte: “caso não se admita esse padrão derivacional, malcriação estaria por criação”.  Em outras palavras, Houaiss afirma que nem todos os gramáticos admitirão como válido o padrão derivacional que justifica as formas malcriação e malformação. Certamente os mais apegados à tradição hão de preferir má-criação e má-formação.

 

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Concordância do verbo “ser” tem regras especiais https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/09/09/concordancia-do-verbo-ser-tem-regras-especiais/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/09/09/concordancia-do-verbo-ser-tem-regras-especiais/#comments Wed, 09 Sep 2015 23:46:12 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=830 O verbo concorda em número e pessoa com o sujeito da oração. Certo? Sim, mas nem sempre. final portugues na folha

O comportamento do verbo “ser”, em algumas circunstâncias, desafia esse princípio de concordância. É o que ocorre, por exemplo, na seguinte passagem, extraída de um texto da Folha que noticiava o capotamento de um ônibus:

A maioria dos passageiros eram turistas. Fotos e vídeos publicados na internet mostram que grande parte dos passageiros eram jovens.

O sujeito da primeira oração do período é a expressão “a maioria dos passageiros”. Vale lembrar que o sujeito representado por um partitivo (no caso, “maioria”) seguido de plural admite duas formas de concordância: com o núcleo (“maioria”) ou com o especificador (“passageiros”), sendo esta última chamada de concordância atrativa.

Poderíamos, portanto, dizer que a maioria dos passageiros sofreu graves ferimentos ou que a maioria dos passageiros sofreram graves ferimentos. Isso é reconhecido pela tradição, como se pode aferir em qualquer gramática, mesmo que a muita gente pareça estranho dizer que a maioria das pessoas “fizeram” alguma coisa.

Em alguns casos, no entanto, nada haverá de estranho nesse tipo de concordância. Uma frase como “a maioria dos homens eram idosos” parece bem mais natural que “a maioria dos homens era idosa”. O mesmo vale para “um terço das mulheres estavam grávidas”, mais natural que “um terço das mulheres estava grávido”. O falante poderá optar pela construção que achar melhor, mas aquela que segue estritamente a regra de concordância com o núcleo do sujeito é artificial.

Nessas construções, temos verbos de ligação (“ser”, “estar”) seguidos de predicativos (“idoso/s”, “grávido/as”). Essa circunstância geralmente leva à opção pela concordância atrativa.

No trecho da reportagem mencionado acima, há convergência de duas situações: o sujeito representado por partitivo (“maioria”, “grande parte”) e o emprego do verbo “ser”.

Até aqui falamos sobre a primeira delas. Vamos, agora, tratar da segunda, isto é, das particularidades do verbo “ser” quanto à concordância.

Na “Moderna Gramática Portuguesa”, de Evanildo Bechara, por exemplo, lemos o seguinte:

Nas orações ditas equativas em que com “ser” se exprime a definição ou a identidade, o verbo, posto entre dois substantivos de números diferentes, concorda em geral com aquele que estiver no plural.

Isso é o que enunciam, de modo geral, as gramáticas tradicionais. Nenhuma novidade, portanto.

Nas frases “a maioria dos passageiros eram turistas” e “grande parte dos passageiros eram jovens”, o predicativo é representado por um substantivo (“turistas” e “jovens”, este usado no sentido de “pessoas jovens”).

Ignorando o especificador dos partitivos (“dos passageiros”) e considerando apenas o núcleo dos sujeitos, teremos o verbo “ser” entre substantivos de números diferentes (maioria/ turistas; grande parte/jovens). Que diz a gramática tradicional? O verbo “ser” concorda, em geral, com o plural. Assim: “a maioria eram turistas”; “grande parte eram jovens”.

O que se poderia criticar na passagem que nos serviu para exemplificar esse interessante caso de concordância é a repetição da expressão “dos passageiros”, facilmente substituível por “deles”.  A concordância, porém, está em consonância com a norma culta.

 

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