Thaís Nicoleti https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br Sun, 25 Jul 2021 11:00:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Ortografia e educação https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2019/01/02/ortografia-e-educacao/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2019/01/02/ortografia-e-educacao/#respond Wed, 02 Jan 2019 12:50:23 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1334 Há dez anos, entrava em vigor o Acordo Ortográfico de 1990. Isso mesmo: começou a valer quase 20 anos depois de sua criação. O mais os interessados no tema já sabem: muita controvérsia, alguma resistência e, finalmente, a compreensão de seu valor de instrumento de unificação ortográfica do português como meio de fortalecimento da língua no âmbito internacional.

Infelizmente, no Brasil, ainda convivemos com um deficit educacional muito expressivo, que faz parecer surrealista toda a controvérsia em torno de trema, hífen e alguns poucos acentos. Não é preciso ir muito longe para aferir a precariedade do conhecimento ortográfico da população. A comprovação está, para além das provas de português de exames vestibulares, nos comentários espalhados em sites pela internet.

Em alguns casos, é nítida a falta de familiaridade com a língua escrita. Grafias como “interter” (por “entreter”), “entretendimento” (por “entretenimento”), “impresa” (por “empresa”), “ábito” ou “abto” (por “hábito”), “concerteza” (por “com certeza”), “sencurados” (por “censurados”), “concinhencia” (por “consciência”), “em dividual” (por “individual”), “sentenas” (por “centenas”), “haveriguar” (por “averiguar”), “houvindo” (por “ouvindo”), “uma nova hera” (por “uma nova era”), “fachetária” (por “faixa etária”), “absterce” (por “abster-se”), “impessão” (por “impeçam”), “auto-se desdruindo” (por “autodestruindo-se” ou “destruindo-se”), “custume” (por “costume”), “vulgir” (por “fugir”), “usufluir” (por “usufruir”) ilustram o tamanho do problema.

Várias dessas formas de grafar espelham-se no modo como as palavras são ouvidas pelo falante e no conhecimento incipiente do sistema ortográfico. Para essas pessoas, que infelizmente não são poucas em nosso país, o Acordo Ortográfico nunca foi o problema, tampouco a solução. Não me alinho, como sabe o leitor deste blog, entre os detratores do Acordo de 1990, pois, por um lado, ele cumpre a sua função e, por outro, a dificuldade nos bancos escolares não está em pequenas alterações da convenção ortográfica.

Um exame mais detido desses exemplos e de tantos outros que se avolumam dia após dia pode revelar algumas curiosidades. Chama a atenção a falsa analogia, de formas como “houvindo” e “haveriguar”, que se explica antes pelo conhecimento (ainda que precário) do sistema que pela simples tentativa de reproduzir as palavras ouvidas. Trocas de “o” por “u” e de “e” por “i” devem-se claramente à reprodução da língua ouvida. Existe, é claro, algum conhecimento do sistema, mas flagrante deficit de leitura.

Esse nível de erro de grafia deixa patente que a pessoa não lê, que tem poucas referências culturais, o que não quer dizer que não saiba pensar ou não tenha boas ideias, mas certamente indica fragilidade. A internet e os aplicativos de mensagens estimularam o uso da língua escrita, que passou a ser empregada constantemente por todos, deixando de ser o registro refletido da língua para ser uma tradução literal da oralidade.

Se antes a escrita pressupunha um cuidado maior, oriundo da reflexão, hoje, com a possibilidade de comunicação instantânea em redes sociais, ela apenas reproduz, sem cerimônia, o registro oral, acrescido das gírias do meio, das abreviações conhecidas como “internetês” e, cada vez mais, de figurinhas de todo tipo.

Não se trata, é claro, de condenar o internetês e as figurinhas, que, aliás, são muito democráticos, já que, eficazes e de fácil apreensão, põem os internautas no mesmo nível. É preciso, no entanto, ir além disso.

Entre as tarefas dos educadores deve estar o uso da internet em favor do processo educacional, fomentando a reflexão baseada em leituras e na comparação entre as diversas manifestações da língua. De resto, aprender — seja lá o que for, inclusive a ortografia — requer engajamento.

É preciso fazer mais que apresentar as regras de ortografia. É preciso mobilizar os alunos em projetos nos quais eles se sintam instados a fazer reflexões maduras, embasadas em leituras, e dar-lhes voz para que sejam levados a produzir um discurso autônomo. A competência em ortografia é consequência do empenho constante de professores e alunos.

 

 

 

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Língua portuguesa em pauta: conversa com Carlos Alberto Faraco https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2018/04/23/lingua-portuguesa-em-pauta-conversa-com-carlos-alberto-faraco/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2018/04/23/lingua-portuguesa-em-pauta-conversa-com-carlos-alberto-faraco/#respond Mon, 23 Apr 2018 09:00:51 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1235 No âmbito do projeto “O Tamanho da Língua”, Carlos Alberto Faraco, professor titular aposentado e ex-reitor da Universidade Federal do Paraná, durante uma tarde na Livraria do Chain, em Curitiba, conversou comigo sobre o tema a que tem dedicado seus 45 anos de vida acadêmica: a língua portuguesa.

Em tom de bate-papo, com seu leve acento curitibano, o professor e sociolinguista falou sobre diversos temas, das origens da língua portuguesa à sua dinâmica de uso nas redes sociais.

A conversa passou pelo surgimento de novos termos (inclusive os estrangeirismos e as gírias) e pelo descarte de palavras, duas faces de um mesmo processo, que é, afinal, próprio da língua.  Dos observatórios de neologismos à confecção dos dicionários, o professor mostrou como as palavras se fixam no que chamou de livro do tombo da língua.

Faraco fala com propriedade do fosso sociolinguístico que deu origem à grande divisão entre a norma culta e as variantes populares, tema que perpassa a sua “História Sociopolítica da Língua Portuguesa” (Parábola Editorial, 2016), e do distanciamento entre a norma culta e a norma-padrão, tema do livro “Para Conhecer Norma Linguística”, escrito em parceria com Ana Maria Zilles, professora titular de linguística da Unisinos (RS).

Como não poderia deixar de ser, tratou da história da ortografia do português, marcada por sucessivas tentativas de acordos ortográficos no decorrer do século 20.

Coordenador da Comissão Nacional do Brasil junto ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, Faraco está diretamente envolvido na confecção do VOC, o vocabulário comum da língua portuguesa, disponível online desde maio de 2016. O VOC é a reunião das bases de palavras do português de todas as nações lusófonas, feitas em conformidade com o Acordo Ortográfico de 1990.

Faraco faz questão de dizer que, desde o início da fixação da ortografia do português, que se deu tardiamente (só no fim do século 19 e início do século 20), o Brasil e Portugal estiveram às voltas com a tentativa de fazer acordos ortográficos, não reformas ortográficas. “O português nunca teve uma reforma. Fazer uma reforma é mudar as bases da ortografia. A ortografia do português fixou-se em 1911 e os países foram fazendo pequenos ajustes para aproximar as grafias”, afirma.

Léxico: universo em expansão

A ortografia, no entanto, é a única parte da gramática sujeita, de fato, à convenção. De resto, a língua se constrói pelo conjunto de seus falantes, na dinâmica do uso, o que é muito visível no léxico. Faraco lembra cálculo de Antônio Houaiss, que estimava um salto do número de palavras do português de cerca de 50 mil no século 16 para algo em torno de 500 mil no século 20. “O vocabulário de uma língua é um universo em expansão; ele não tem limites. Novos objetos, novas práticas culturais, os esportes modernos, a comida, o comportamento, para tudo a gente precisa de palavra”, diz.

Neologismos: os empréstimos linguísticos

Muitas dessas palavras novas são empréstimos linguísticos, que se fixam por causa da influência de culturas estrangeiras: “No fim do século 19 e início do 20, era muito chique no Brasil usar termos da língua francesa (como “tailleur” ou “soirée”) para descrever a moda feminina e os eventos sociais. Depois da Segunda Guerra Mundial, a ideia de modernidade se associou aos EUA”.

A influência do inglês é muito presente hoje, mas isso não é motivo para preocupação com um suposto risco de descaracterização do idioma. Segundo o professor, um levantamento da quantidade de anglicismos que, nos últimos cem anos, entraram no português e ficaram chegou a um resultado surpreendente: apenas 4.000 se fixaram. “Quando eu jogava futebol, eu era ‘back’ (beque); havia o ‘centre forward’, o ‘referee’ etc. e foram todos descartados”, exemplifica.

Os estrangeirismos que passam a integrar o léxico da língua sofrem um processo de “aclimatação”. Alguns são absorvidos integralmente, como “show”, cuja grafia não sofreu alteração, outros são traduções, como “empoderamento” (do inglês “empowering”) e outros são aportuguesados (“esnobe”, de “snob”). O leitor não terá dificuldade de encontrar muitos outros exemplos.

O filtro fonológico da língua

“Normalmente a palavra que vem de outra língua passa por um filtro, que é o filtro fonológico da língua”, explica o professor, observando que escrevemos “smartphone” mas pronunciamos “esmartifone”. “Nossa estrutura pede a vogal que sustenta a sílaba”, explica.

Antes que alguém diga que nós estamos “falando errado”, Faraco deixa claro que esse processo é normal: “O fato de ter essa potencialidade é um aspecto bonito da língua”.

Erro de português

Aliás, a ideia de erro em língua passa longe de quem se dedica à pesquisa linguística na universidade. Faraco é enfático: “A língua não funciona como a matemática nem como um quartel”. Ele lamenta a educação linguística que se volta apenas à “correção de erros”: “Nós perdemos [com isso] um ponto de observação importante, que é ver a língua em toda a sua mobilidade, na sua ambiguidade, na vagueza, na imprecisão”.

Gíria: “o mangue da língua”

Quem quer conhecer a língua de fato deve abandonar preconceitos. Ao falar da gíria, por exemplo, Faraco explica que essa é uma faixa do vocabulário muito dinâmica, em que se criam palavras ou se dá novo sentido àquelas que já existem. “A gíria é o mangue da língua; o mangue é o viveiro da vida do oceano, é ali que se formam as novas vidas”, sintetiza.

A internet parece ser mesmo esse oceano, em que a extrema heterogeneidade da língua se manifesta. De modo totalmente inovador, a tecnologia permitiu o contato entre as múltiplas variedades da língua. Poderá ser também um acelerador do processo de mudança linguística?

Mudança linguística: “não há profeta em língua”

“A mudança linguística vem do contato; é o contato das variedades que desencadeia processos de mudança. Já o caminho das mudanças é impossível prever porque a língua está no jogo das interações sociais. Não há profeta em língua, mas essa dinâmica que a tecnologia nos proporcionou vai ter impacto sobre a língua”, afirma.

Tudo leva a crer que a tecnologia venha a impactar também a confecção de dicionários, que tradicionalmente está muito ligada à língua escrita. Como a língua falada vem ganhando o registro escrito nas redes sociais, é possível que, no futuro, esse material seja aproveitado pelos lexicógrafos.

O dicionário: “livro do tombo da língua”

Para entrar no dicionário, entretanto, a palavra tem de passar por um “período de decantação”: “O dicionário é uma espécie de livro do tombo da língua. Assim como se faz o tombamento de prédios históricos, de atividades culturais importantes, também se faz o tombamento das palavras, mas não é possível incorporá-las logo que aparecem. É preciso ver se não vão ser descartadas”, explica.

Faraco lembra que a língua sempre tem um número de palavras muito maior do que aquele que ganha o registro: “O máximo que você consegue pôr num dicionário é ainda o mínimo”. Isso tem explicação: “Um dicionário geral da língua, com a etimologia das palavras, o histórico de entrada, as acepções com as abonações, tem de passar por uma filtragem”.

Politicamente correto: ressignificação

Essa filtragem, é bom que se diga, baseia-se na dinâmica natural das palavras nas interações sociais. Em sua opinião, não há como tirar termos de circulação à força, mesmo que sejam pejorativos ou ofensivos. “As palavras vão sendo descartadas naturalmente, nunca por censura ou imposição; é o próprio dinamismo cultural que ressignifica uma determinada realidade e atribui a ela um nome diferente. A tendência é buscar sempre uma expressão mais precisa, mas a pior coisa que pode acontecer é achar que, substituindo as palavras, o problema está resolvido”, afirma.

Faraco, que tem um trabalho importante na área de sociolinguística, não poderia deixar de passar por um dos temas que mais provocam controvérsia entre especialistas em língua.

Norma culta e variantes populares: um “fosso sociolinguístico”

O professor mostra que as grandes diferenças entre a norma culta da língua e suas variantes populares têm raiz na partição social que se constituiu na época colonial, com uma elite econômica de um lado e uma massa de escravos e trabalhadores pobres de outro. Isso repercutiu na história social do país e, consequentemente, na língua. “Há um fosso sociolinguístico, histórico, muito acentuado entre a língua que os letrados praticavam (e praticam) e a língua que o povo, a massa que não era letrada, praticava. Há uma vinculação entre a cultura escrita, a escola, o tempo de escolaridade, o grau de renda e a língua que a pessoa fala”, resume.

Sobreposição de normas

Essa distinção, no entanto, vai além da oposição entre norma culta e variantes populares.  Não bastasse essa acentuada divergência, “por cima dessa norma culta, nós temos outra, a norma-padrão, que é uma invenção efetivamente”. Em suma, existe outra divisão, “uma dualidade entre a prática efetiva dos falantes letrados e o modo como se diz que eles deveriam falar ou escrever”.

Esse não é um problema só brasileiro, conforme explica Faraco. Esse é um problema da América Latina, “pois se criou na tradição histórica da região a ideia de que a língua como se fala nas colônias é cheia de erros, é descuidada”. Difundiu-se a ideia de que “a língua modelar mora em outro lugar; o espanhol mora em Madri e o português mora em Lisboa”.

Assim, no século 19, criou-se uma norma-padrão que tomou como referência a norma portuguesa. Nas palavras de Faraco, “os letrados vivem essa ‘esquizofrenia’, essa distância entre o que fazem e o que deveriam fazer”. O desafio, portanto, é atualizar a norma-padrão para que ela, no mínimo, reflita a realidade dos falantes da norma culta.

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Leitores podem conferir teste rápido de acentuação https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/16/leitores-podem-conferir-teste-rapido-de-acentuacao/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/16/leitores-podem-conferir-teste-rapido-de-acentuacao/#comments Tue, 16 Aug 2016 05:00:45 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1086 A forma mais fácil de lidar com a mudança na ortografia é aprender, passo a passo, cada caso. A regra do ditongo aberto mudou, o que não significa que o acento de todos os ditongos abertos tenha sido eliminado.

Antes bastava que uma palavra tivesse em sua sílaba tônica (a mais forte) um dos ditongos abertos (-éi, -éu, -ói) para que o acento gráfico fosse usado. Adão portugues em focoO acento indicava, além da tonicidade, o timbre (grau de abertura) da vogal.

Nas palavras paroxítonas, verifica-se pronúncia não tão aberta entre os falantes do português europeu. Tanto isso é verdade que, em Portugal, esse acento não era usado mesmo antes do Acordo de 1990.

Para fazer a unificação ortográfica, o caminho mais simples era retirar o acento do ditongo aberto das paroxítonas, que existia no português do Brasil.

Os ditongos de fim de palavra (os das oxítonas) e os dos monossílabos tônicos mantiveram-se, pois, nesses casos, não há divergência de pronúncia. Assim: chapéu, céu, pastéis, carretéis, lençóis, faróis, ilhéus, dói, mói, rói, sói etc.

Perdem o acento as paroxítonas cuja sílaba tônica seja um ditongo aberto, desde que sejam palavras antes acentuadas apenas por esse motivo.

É esse o caso de geleia, estreia, assembleia, paranoico, opioide, asteroide, humanoide, joia, boia etc., mas não é o caso de destróier e Méier, cujo acento, embora repouse sobre o ditongo aberto, lá está para marcar a pronúncia paroxítona das palavras terminadas em “-r”.

Abaixo, as respostas do teste rápido de acentuação gráfica:

TESTE RÁPIDO

Caso haja erro quanto à acentuação, segundo a nova ortografia, substitua o termo incorreto pelo correto.

  1. Esses campos de atuação têm diferentes papeis no currículo, a depender do nível de escolaridade. (ERRADO)

RESPOSTA: papéis manteve o acento, pois o ditongo aberto cai na última sílaba.

  1. É verdade que tu ainda rois as unhas? (ERRADO)

RESPOSTA: róis, forma do presente do indicativo da segunda pessoa do singular do verbo “roer”, mantém o acento por ser um monossílabo tônico.

  1. Após a fase de instalação do apiário, o apicultor deverá preocupar-se em realizar o manejo eficiente de suas colmeias para que consiga ter sucesso na atividade. (CERTO)

RESPOSTA: a grafia está correta, pois o ditongo de colmeias cai na penúltima sílaba.

  1. Os quelóides diferem das cicatrizes normais por sua textura mais espessa e por ultrapassar os limites da cicatriz. (ERRADO)

RESPOSTA: queloides perdeu o acento, pois o ditongo aberto cai na penúltima sílaba (sufixo “-oide”).

  1. Opiáceos e opióides são importantes fármacos utilizados no tratamento da dor. (ERRADO)

RESPOSTA: opioides perdeu o acento, pois o ditongo aberto cai na penúltima sílaba (sufixo “-oide”).

  1. Paranóia é um termo utilizado por especialistas em saúde mental para descrever desconfiança ou suspeita altamente exagerada ou injustificada. (ERRADO)

RESPOSTA: o ditongo de paranoia cai na penúltima sílaba, portanto a palavra perde o acento gráfico.

  1. A fim de evitar uma irregularidade que o STF entende causadora de nulidade absoluta, convém estender à defesa dos corréus a faculdade já conferida à defesa do interrogando e ao órgão acusatório de formular reperguntas. (CERTO)

RESPOSTA: corréus manteve o acento, pois o ditongo aberto cai na última sílaba da palavra.

  1. Espero que vós aluguéis o imóvel o mais rápido possível. (ERRADO)

RESPOSTA: na frase acima, deve ser empregada a forma alugueis, sem acento, por tratar-se de conjugação do verbo “alugar”. Aluguéis, com acento, é o substantivo (Cobrou os aluguéis atrasados).

  1. Manifesto: Eu apoio a legalização do aborto (CERTO)

RESPOSTA: O apoio /ô/ e eu apoio /ó/ não têm distinção gráfica. Em eu apoio, o ditongo aberto cai na penúltima sílaba, portanto perde o acento.

  1. Por isso, acreditamos que é um momento fundamental para que a sociedade se abra para debates francos, livres de hipocrisias, encarando com responsabilidade a triste sina a que são condenadas as brasileiras pobres, de um país que historicamente abandona as mulheres à própria sorte, sem acesso à informação, apoio e serviços e sem direito de decidir sobre a maternidade. (CERTO)

RESPOSTA: O apoio /ô/ e eu apoio /ó/ não têm distinção gráfica. Em o apoio, o ditongo é fechado, portanto nunca recebeu acento gráfico.

 

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Acento do ditongo aberto ainda causa dúvida https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/10/acento-do-ditongo-aberto-ainda-causa-duvida/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/08/10/acento-do-ditongo-aberto-ainda-causa-duvida/#comments Wed, 10 Aug 2016 05:00:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1079 Uma de nossas leitoras sugeriu o tema deste Português em Foco, o acento do ditongo aberto depois do Acordo Ortográfico de 1990. Adão portugues em foco

Parece até estranho dizer que o acordo é de 1990, já que entrou em uso somente em 2009, mas é essa a realidade. Toda essa demora esteve ligada ao fato de se tratar de um acordo de unificação ortográfica, o que é diferente de “reforma ortográfica”. Como qualquer outro acordo, depende da anuência das partes, o que, em geral, só ocorre depois de muita conversa.

Toda alteração na ortografia oficial das palavras tende a provocar algum grau de rejeição, afinal as pessoas acham que terão de reaprender todo o sistema, mas a verdade é que as mudanças costumam ser gradativas, portanto não chegam a ser traumáticas.

http://mais.uol.com.br/view/15955489

DITONGO ABERTO

No português do Brasil, os ditongos de palavras como assembleia e estreia são “abertos”, o que não se verifica na pronúncia portuguesa, que, conquanto não chegue a ser totalmente fechada, também não é totalmente aberta nesses casos.

Com o acordo de unificação ortográfica, deixamos de acentuar graficamente o ditongo aberto das paroxítonas (aquele que cai na penúltima sílaba da palavra): geleia, Coreia, Pompeia, Águas de Lindoia etc. Assim, heroico (paroxítona) perde o acento, mas herói (oxítona) não.

Não é difícil concluir que as palavras terminadas em “-oico”, todas elas (estoico, paranoico etc.), perdem o acento gráfico. O mesmo vale para as terminadas em “-oide” (ovoide, androide, espermatozoide, factoide etc.), porque o ditongo aberto “oi” está na penúltima sílaba delas.

DESTRÓIER

Vale notar que “destróier” e “Méier” (bairro do Rio de Janeiro) mantiveram o acento do ditongo aberto, mesmo sendo paroxítonas. Isso ocorreu porque o motivo do acento desses termos não é a abertura do ditongo, mas, sim, a terminação em “-r” (paroxítonas terminadas em “-r”, como revólver, mártir, caráter etc.).

OXÍTONAS

É bom lembrar que as palavras oxítonas (aquelas cuja sílaba tônica é a última) terminadas em ditongo aberto continuam acentuadas. É o caso de chapéu, solidéu, caracóis, pastéis, lençóis etc. Muitas vezes, esses ditongos aparecem seguidos de “s”, pois estão no plural de palavras oxítonas terminadas em “-el” (pastel – pastéis, aluguel — aluguéis, hotel — hotéis etc.).

DIMINUTIVOS

No diminutivo plural, os ditongos não são acentuados (como já não o eram antes do Acordo). Assim: pasteizinhos, lençoizinhos, aneizinhos etc., pois o ditongo dessas palavras não está na sua sílaba tônica. Nada mudou quanto a isso.

MONOSSÍLABOS

Quanto aos monossílabos, também não houve mudança. Nas palavras de uma só sílaba, o ditongo aberto continua acentuado: céu, réu, mói, rói, dói etc.

CURIOSIDADES

Em razão da mudança ocorrida na regra de hifenização, a antiga grafia “co-réu” passou a “corréu”, que, pelo acento, se distingue de “correu” (forma do verbo “correr”).

O substantivo apoio e a forma verbal apoio (eu apoio), conquanto se pronunciem de modo diferente, escrevem-se exatamente da mesma forma.

A forma verbal sois (vós sois) não tem acento gráfico, mas o plural de sol (sóis) tem, pois é um monossílabo tônico com ditongo aberto. Esse plural aparece no verso de Camões “Porém já cinco sóis eram passados” (“Os Lusíadas”).

NOMES E FORMAS VERBAIS

Algumas formas, como alugueis, bordeis, fieis, papeis, pasteis etc., quando escritas sem acento, leem-se com o “e” fechado /ê/. Tais palavras são formas verbais da segunda pessoa do plural (vós) do presente do subjuntivo. Assim: que vós alugueis (alugar), que vós bordeis (bordar), que vós fieis (fiar), que vós papeis (papar), que vós pasteis (pastar).

Na condição de nomes (substantivos/ adjetivos), são lidas com o “e” aberto /é/ e recebem o acento gráfico normalmente. Assim: aluguéis atrasados, bordéis interditados, fiéis ao credo, papéis trocados, pastéis de nata.

TESTE RÁPIDO

Caso haja erro quanto à acentuação, segundo a nova ortografia, substitua o termo incorreto pelo correto. As respostas serão publicadas na próxima terça-feira.

  1. Esses campos de atuação têm diferentes papeis no currículo, a depender do nível de escolaridade.
  2. É verdade que tu ainda rois as unhas?
  3. Após a fase de instalação do apiário, o apicultor deverá preocupar-se em realizar o manejo eficiente de suas colmeias para que consiga ter sucesso na atividade.
  4. Os quelóides diferem das cicatrizes normais por sua textura mais espessa e por ultrapassar os limites da cicatriz.
  5. Opiáceos e opióides são importantes fármacos utilizados no tratamento da dor.
  6. Paranóia é um termo utilizado por especialistas em saúde mental para descrever desconfiança ou suspeita altamente exagerada ou injustificada.
  7. A fim de evitar uma irregularidade que o STF entende causadora de nulidade absoluta, convém estender à defesa dos corréus a faculdade já conferida à defesa do interrogando e ao órgão acusatório de formular reperguntas.
  8. Espero que vós aluguéis o imóvel o mais rápido possível.
  9. Manifesto: Eu apoio a legalização do aborto
  10. Por isso, acreditamos que é um momento fundamental para que a sociedade se abra para debates francos, livres de hipocrisias, encarando com responsabilidade a triste sina a que são condenadas as brasileiras pobres, de um país que historicamente abandona as mulheres à própria sorte, sem acesso à informação, apoio e serviços e sem direito de decidir sobre a maternidade.

 

 

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Acordo Ortográfico ainda suscita debate https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/08/07/acordo-ortografico-ainda-suscita-debate/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/08/07/acordo-ortografico-ainda-suscita-debate/#comments Fri, 07 Aug 2015 23:06:28 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=793 Em texto publicado recentemente na Folha,  o jornalista Álvaro Costa e Silva voltou ao tema do Acordo Ortográfico. portugues em dia

O mote foram novas declarações do ministro da Cultura, Juca Ferreira, feitas em Portugal, acerca do tema. A frase “Talvez tenhamos errado no Acordo Ortográfico” foi publicada em jornais portugueses, seguida de desdobramentos como “O fortalecimento da língua tem nos criadores o epicentro” e “Quem normaliza tem de vir depois para construir as possibilidades de uma ortografia comum, de um sistema comum que permita que a língua portuguesa se fortaleça”, que desembocaram na enunciação de uma proposta de realizar no Brasil, em 2016, um “grande encontro sobre a língua portuguesa”, cujos “protagonistas serão os criadores, não os legisladores”.

Em 2009, no mesmo jornal português, líamos isto: “Segundo Juca Ferreira, Brasil e Portugal têm planos para trabalhar juntos no fortalecimento da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, neste sentido, a entrada em vigor da reforma da língua em Portugal é muito importante. No Brasil, disse o governante, a avaliação do Governo dos dois meses e meio da entrada em vigor das novas regras da ortografia da Língua Portuguesa é muito positiva, pois não houve nenhuma objecção colectiva ou movimento contrário ao Acordo Ortográfico”.

No sétimo ano de plena vigência do Acordo no Brasil, agora devidamente ratificado em Portugal e já usado nas páginas oficiais em português do site da União Europeia, o ministro acha oportuno retomar a discussão, procurando saber a opinião dos artistas ou criadores.

No texto da Folha, Costa e Silva se diz saudoso do trema e afirma que, no Brasil, houve precipitação em aceitar as alterações ortográficas, já que, em Portugal, à época, havia questionamentos.

Mais uma vez, vamos lembrar neste espaço que as críticas de cá e as de lá são díspares. O único ponto em que realmente comungam é o fato de serem vozes contrárias ao estabelecimento de um acordo de unificação ortográfica. Para além de trema ou de acento diferencial, a unificação das grafias foi um gesto político de aproximação das nações da comunidade lusófona, dos países cuja língua oficial é o português.

 Como nos lembra o prof. Carlos Faraco, coordenador da Comissão do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), órgão que está no comando da produção do Vocabulário Comum dos países da lusofonia, “a duplicidade de ortografias oficiais era reconhecidamente um embaraço político-diplomático, econômico e cultural”.

Para chegar a um acordo, de qualquer natureza, é necessário que as partes envolvidas se disponham a fazer concessões. As modificações propostas (já no sétimo ano de vigência entre nós) partiram de um princípio simplificador – não faria sentido complicar a grafia de uns ou de outros. Por esse motivo, fizeram-se supressões (de acentos, do trema, de consoantes não pronunciadas e mesmo do hífen), privilegiando as soluções mais simples.

Em Portugal, o trema e o acento de “ideia” (o do ditongo aberto na sílaba tônica das paroxítonas) caíram em 1945, não em 2009. Logo essas não são reivindicações da atual turma do dissenso, que, em Portugal, estaria “promovendo um debate na sociedade”.

É bom que se discutam as ideias, mas a ortografia tem especificidades que devem ser consideradas nessas discussões. Não há como reduzir o debate a “eu gosto do acento dessa palavra” ou “aquela palavra ficou feia sem o hífen” e coisas do gênero, que ouvimos a todo momento, vindas de pessoas que, embora bem instruídas, nem sempre estão suficientemente enfronhadas nos meandros das regras ortográficas. Enfim, as mudanças em si são objeto de um debate acadêmico e técnico. A existência ou não de uma grafia unificada insere-se no debate político.

A esta altura, será difícil acreditar que alguém ainda tenha apego pelas grafias anteriores, visto que as mudanças foram mínimas. O problema deve ser de outra natureza, que conviria esclarecer.

Segundo o prof. Carlos Faraco, inexiste a possibilidade de o Acordo vir a ser revogado: “O Acordo está implantado em Portugal, de fato e de direito, e em via de ser implantado definitivamente no Brasil (onde, diga-se de passagem, está em pleno uso desde 2009). Os chefes de Estado e Governo dos países de língua oficial portuguesa têm sistematicamente declarado, nas Cimeiras da CPLP, seu compromisso com a implantação do Acordo. Avança significativamente a elaboração do Vocabulário Ortográfico Comum (VOC), que já incorpora os Vocabulários de Portugal, do Brasil, de Moçambique e de Timor-Leste (disponível na página do Instituto Internacional da Língua Portuguesa) e está incorporando, nos próximos meses, o de Cabo Verde e o de São Tomé e Príncipe. Angola anunciou para outubro a primeira versão do seu Vocabulário, a ser futuramente incorporado ao VOC”.

De modo geral, é muito salutar que se promovam debates em torno da língua portuguesa, pois essa mobilização traz o foco para o nosso instrumento de comunicação e de expressão artística. Será realmente muito bom ver os artistas emprestarem seu carisma a uma discussão sobre a língua portuguesa. Quem sabe o debate proposto pelo ministro, que já voltou a se declarar favorável ao Acordo Ortográfico, sirva para ensejar uma discussão mais ampla em torno da educação, do ensino e da valorização da língua portuguesa.

 

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Acordo Ortográfico: entre querelas e mal-entendidos https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/06/11/acordo-ortografico-querelas-e-mal-entendidos/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/06/11/acordo-ortografico-querelas-e-mal-entendidos/#comments Thu, 11 Jun 2015 19:34:21 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=779 Desde  o último dia 13 de maio, o Acordo Ortográfico está oficialmente em vigor em Portugal, apesar de alguma controvérsia; no Brasil, embora esteja em uso desde 2009, quando a imprensa o adotou sem restrições, a data da entrada oficial em vigor foi adiada para 2016, sob o pretexto de ampliar as discussões, dando voz a algumas pessoas que não tinham participado das tratativas até então. Os autores do litígio eram liderados pelo professor que propunha a abolição definitiva da letra “h”, a supressão do dígrafo “ch”, que seria substituído pelo “x”, e outras  modificações baseadas apenas na fonética. Tal proposta, ao que tudo indica, não teve acolhida.

Ainda assim, o referido professor criou o Centro de Estudos Linguísticos da Língua Portuguesa, do qual se fez presidente, tendo chamado para vice o seu colega de GTT (grupo técnico de trabalho) do Senado, que, advogado, é membro da seção goiana da OAB. O tal centro, segundo seu fundador, milita “em defesa da democratização da língua portuguesa”. Em outras palavras, o presidente e o vice-presidente desse instituto são os responsáveis pelo adiamento da entrada em vigor no Brasil do Acordo, que, na opinião deles, deixou a desejar.

Embora se digam unidos na “defesa da língua portuguesa”, presidente e vice defendem ideias muito diferentes entre si. O presidente queria fazer uma mudança radical no sistema ortográfico, já o vice se contenta em estabelecer uma cota de palavras, que ficariam imunes às mudanças propostas pelo Acordo. Mais curioso é que um queria abolir o “h” de uma vez por todas, mas o outro mostra grande apreço pelo mesmo “h”, tanto que não aceita a supressão dessa letra em duas palavras da língua (coerdeiro e coerdar).

É bom que se diga que a língua, por si só, talvez seja a nossa maior reserva democrática, independentemente da ação de paladinos de qualquer espécie, pois ela segue seu curso, como uma senhora indiferente às escaramuças perpetradas em seu nome.

A nova proposta é que voltem para o antigo sistema ortográfico alguns termos que têm uso no universo jurídico. Sendo assim, por ter uso jurídico, a palavra “arguição” deveria recuperar o trema perdido. “Coautor”, “contrarrazões”, “coobrigação”, “coerdeiro”, “semiaberto”, pelo mesmo alegado motivo, deveriam ignorar as mudanças e retornar à forma antiga.  É curioso que as leis mudem, acompanhando as transformações sociais e políticas, mas a simples grafia de uma palavra não possa mudar  em nome de um acordo que envolve a comunidade de países lusófonos. Do ponto de vista jurídico, qual seria a diferença entre “coautor” e “co-autor”?  Reforma ortográfica é apenas o que revela o próprio nome: muda a grafia, não muda a pronúncia, não muda o significado da palavra. O advogado/ professor, no entanto, acredita que, na condição de “conceito jurídico”, “hora extra” deva receber um hífen. Na condição de substantivo seguido de adjetivo (como senso comum, edição extra e outras sequências), o hífen não parece fazer falta.

Ele esteve reunido recentemente em Portugal com membros da Ordem dos Advogados daquele país a fim de apresentar essa proposta, na qual se incluem as grafias “ação” e “afetação” (usadas no Brasil). Em Portugal, essas palavras tinham outras formas: “acção” e “afectação”. Com o Acordo, “acção” mudou para “ação”, mas “afectação” coexiste com “afetação”.  Note-se que as grafias duplas contemplam diferenças de pronúncia, oficializando as duas. Em Portugal, pronuncia-se o “c” de “facto”; no Brasil, dizemos (e escrevemos) “fato”; em Portugal, pronuncia-se “corrução” (e assim se escreve); no Brasil, pronunciamos a letra “p” de “corrupção” (e assim grafamos a palavra). Tais diferenças, por estarem ligadas à pronúncia, não podem ser ignoradas, de modo que a solução foi manter algumas grafias duplas.

Para alimentar o imbróglio, vem o colega cronista Gregório Duvivier, a  propósito de fazer chistes, escrever texto crítico ao Acordo Ortográfico, que, no entender dele,  é tão irritante quanto a tomada de três pinos. O humorista, craque do stand-up comedy, embora seja sagaz e divertido, é impreciso ao tratar de certos pontos da nova ortografia. Em sua crônica, afirma que a tomada de três pinos tornou obsoletos todos os eletrodomésticos e, numa analogia fácil, afiança que o Acordo Ortográfico tornou obsoletos todos os livros publicados antes de 2009 – e isso num país em que pouco se lê etc.

Tomara que nenhum leitor leve isso a sério. Pequenas alterações — em 0,5% do léxico do português do Brasil e em 1,5% do léxico do português de Portugal — não tornam livro nenhum obsoleto. Somente livros específicos sobre ortografia podem ter perdido a utilidade imediata, mas nem mesmo esses ficaram obsoletos, uma vez que não é da natureza do livro ficar obsoleto (todo livro é um registro de uma época).

Para ilustrar o próprio raciocínio, Duvivier comparou “pão de ló” (sem hífen depois do Acordo) com “pão-de-leite” (com hifens antes e depois do Acordo por tratar-se de nome de planta). O colunista não mencionou o fato de “pão-de-leite”, com hifens, ser o nome de uma planta (Primula acaulis, L.).

pão-de-leite (com os hifens)
pão-de-leite (com os hifens)

Daí por que muita gente possa ter pensado que o “pão de leite” vendido na padaria passou a ser escrito com hifens. Nada disso!

Pão de leite, pão de queijo, pão de batata, todos sem hífen. Aliás, esses termos nunca tiveram hífen, mesmo quando se escrevia “pão-de-ló” (com hifens), e ninguém reclamava de incoerência.

O que fez o Acordo nessa seara específica foi retirar os hifens dos compostos que, ligados por algum tipo de conectivo, possam ser entendidos como uma locução substantiva, uma espécie de expressão.

Ficaram de fora apenas os compostos que, mesmo ligados por uma preposição, designam espécies botânicas e animais. É por isso que uma planta denominada “pão-de-leite” se escreve com hifens, mas o pão feito com leite não. O mesmo vale para “boca-de-lobo” (com hifens, denomina uma planta) e “boca de lobo” (sem hifens, é o bueiro). “Mão-de-vaca”, com hifens, é nome de planta; a pessoa avarenta é chamada de “mão de vaca”, sem hifens. “Pé-de-galinha”, com hifens, é uma planta; “pé de galinha”, sem hifens, é o conjunto de rugas que se forma em torno dos olhos.

Vale lembrar que, no sistema anterior, havia hifens em “fim-de-século” e “fim-de-safra” (filho mais novo), mas não havia em “fim de semana” nem em “fim de ano”.  “Cor-de-rosa” tinha registro com hifens, mas “cor de vinho” e “cor de laranja” não.

Quanto a “pé-de-meia” e “cor-de-rosa” terem permanecido com os hifens, aí sim, temos motivo para fazer uma crítica, mas nem por isso precisamos arrancar os cabelos. As exceções à regra são pé-de-meia (no sentido figurado, de poupança), cor-de-rosa, arco-da-velha e água-de-colônia. Essas palavras foram citadas no texto do Acordo como grafias consagradas. Tudo indica que, com mais algum tempo, esse ajuste vá ser feito e esses hifens vão acabar desaparecendo. Assim esperamos, mas isso de modo algum invalida todo o trabalho que foi feito até agora, nem deveria dar ensejo a discursos sensacionalistas.

Repetir a ladainha de que uma suposta manchete de jornal em que aparecesse a forma verbal “para” sem acento (obra do Acordo) não seria compreendida é, no mínimo, subestimar demais o leitor. Aliás, qualquer leitor de jornal sabe que os títulos de notícias contêm uma forma verbal (Manifestação para trânsito). Não há por que achar que esse “para” poderia ser uma preposição. Afinal, quando a mesma frase é lida em voz alta no noticiário de TV ou de rádio, todos entendem sem saber como a palavra estava escrita.

De resto, os saudosos do acento diferencial de “pára” não parecem defender com as mesmas unhas e dentes as grafias antigas “pára-quedista” e “pára-quedismo”. Vale lembrar que “paraquedista” e “paraquedismo”, agora grafias oficiais, já vinham sendo usadas sem a menor cerimônia. Encontrar alguém que acertasse a grafia correta segundo o sistema antigo era tão fácil quanto encontrar agulha no palheiro.

Dureza mesmo é ver profissionais que conhecem a ortografia, tanto a nova como a anterior, às turras com o Acordo Ortográfico sete anos depois da sua implantação. Problemas há, mas são coisa miúda. É totalmente desproporcional o alarido que fazem alguns dos autointitulados críticos do Acordo.

É verdade que, segundo o texto do Acordo, as palavras “co-herdeiro” e “co-herdar” continuariam sendo escritas com hífen e “h”. A ABL, no entanto, tomou a liberdade de  fazer que esses dois termos fossem grafados como o verbo “coabitar”, que  os críticos não pensaram em escrever “co-habitar”. Pugnam pela volta do sistema anterior sem considerar os defeitos que ele tinha. O prefixo “co-” ora vinha preso por hífen, ora vinha incorporado ao termo seguinte (sem nenhum critério claro). Esses que dizem reivindicar um sistema “lógico” são os primeiros a rejeitar uma simplificação “logica” (representada pelas grafias coerdeiro e coerdar), que vem evitar mais exceções (se “co-herdeiro” é regra, “coabitar” é exceção e vice-versa). Em suma, os tais integrantes do GTT parecem representar cada um a si próprio – o ponto comum entre eles é negar o Acordo a qualquer preço, fomentando o dissenso.

Há críticas em Portugal? Sim, mas diversas das que se veem por aqui. Para fazer um acordo, as partes tiveram de fazer concessões. Em Portugal, as críticas que se fazem ao Acordo dizem respeito, sobretudo, à supressão das consoantes mudas (“p” de “óptimo”, por exemplo, ou “c” de “acção”), coisa que não repercute no Brasil, uma vez que já suprimimos essas consoantes há muito tempo. Os brasileiros cederam alguns acentos e o trema (além do trema, os antigos acentos de “geleia” e de “feiura” já não eram usados em Portugal bem antes do Acordo; nós, brasileiros, incorporamos agora essa mudança). As críticas de cá e as de lá são, portanto, muito diferentes. A atitude de não querer ceder, de não aceitar a mudança, essa sim é semelhante. Nem todos querem entrar em acordo; há sempre quem prefira a resistência ou a hostilidade. Esses, porém, são contrários a fazer qualquer tipo de acordo.

Note-se que é praticamente impossível ajustar todas as palavras sem que sobre uma ou outra exceção. Há uma série de problemas envolvidos numa reforma ortográfica. Críticas, portanto, sempre vai haver. O sistema anterior tinha vários problemas, dos quais não se ouve ninguém falar.

A dificuldade de estabelecer regra única para o emprego do prefixo “pré/pre”, por exemplo, é coisa antiga, mas há quem faça parecer, em eloquentes arroubos de duvidosa retórica, que esse foi um problema criado pelo Acordo. Os tais críticos também não têm solução ou proposta para resolver o problema, que envolve fonética e fatores ligados à diversidade de falas regionais. A língua democraticamente encontrará o melhor caminho.

De resto, fazer voltar a grafia de uma pequena lista de palavras do vocabulário, criando no idioma uma ilha de termos intocáveis, não parece favorecer o aprendizado “lógico” da língua, muito menos combina com os propósitos democráticos tão propalados aos quatro ventos.

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Questão de tempo https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/01/09/questao-de-tempo/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/01/09/questao-de-tempo/#comments Fri, 09 Jan 2015 22:50:28 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=743 Na prova de português da segunda fase da Fuvest, a banca selecionou para uma das questões um fragmento de texto publicado na Folha, exatamente um dos que apresentei em audiência no Senado Federal em 21 de outubro de 2014, portugues em diaquando se discutia o novo Acordo Ortográfico.

No texto em questão, o colunista esportivo Juca Kfouri apoiava um comentário da ombudsman do jornal dirigido à Redação. A observação dela, por sua vez,  repercutia texto de outro colunista do jornal, ardoroso defensor da volta do acento diferencial da forma verbal “para”, suprimido ao lado dos outros diferenciais agudos.

Vejamos o que perguntava o vestibular acerca desse texto.

Questão: Leia o seguinte texto jornalístico:

PARA PARA

 Numa de suas recentes críticas internas, a ombudsman desta Folha propôs uma campanha para devolver o acento que a reforma ortográfica roubou do verbo “parar”. Faz todo sentido.

O que não faz nenhum sentido é ler “São Paulo para para ver o Corinthians jogar”. Pior ainda que ler é ter de escrever.

Juca Kfouri, Folha de S.Paulo, 22/09/2014. Adaptado.

 

  1. No primeiro período do texto, existe alguma palavra cujo emprego conota a opinião do articulista sobre a reforma ortográfica? Justifique sua resposta.
  2. Para evitar o “para para” que desagradou ao jornalista, pode-se reescrever a frase “São Paulo para para ver o Corinthians jogar”, substituindo a preposição que nela ocorre por outra de igual valor sintático-semântico ou alterando a ordem dos termos que a compõem. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta.

 

A questão proposta não era das mais difíceis. Para responder corretamente ao item (a), o candidato deveria perceber que o verbo “roubar”, de conotação negativa, não foi escolhido por acaso. Se a reforma “roubou” o acento, é sinal de que cometeu algo condenável. Essa é a opinião do autor do texto, que repercute a de outros críticos da reforma.

O item (b), por sua vez, mostrava que a língua oferece muitas possibilidades de expressão, que incluem volteios semânticos e sintáticos. Substituir uma palavra por outra ou mudar a ordem dos termos são procedimentos disponíveis a todos os usuários do idioma. A inteligência da pergunta está justamente em explorar, a partir de uma questão menor (supressão de acento diferencial), as possibilidades de manuseio da língua.

Caberia ao estudante concordar com a afirmação feita no enunciado, pois, sim, é possível substituir a preposição “para” pela locução prepositiva “a fim de”, de idêntico valor semântico (São Paulo para a fim de ver o Corinthians jogar), ou por outras locuções (São Paulo para com o intuito de/ com a intenção de ver… etc.), bem como é igualmente possível alterar a ordem dos termos do período, desfazendo o encontro que desagradou ao nosso Juca (Para ver o Corinthians jogar, São Paulo para).

Quando levei esse fragmento (entre muitos outros) à audiência no Senado, tive a intenção de mostrar que o período imaginado pelo colunista, ao contrário do que ele disse, faz sentido e não cria nenhum problema de compreensão – exatamente por causa da repetição. O falante imediatamente identifica que cada “para” pertence a uma classe gramatical – tanto isso é verdade que a frase não traz problema de compreensão a quem a ouve.

Quem tiver paciência poderá encontrar outros casos de frases um tanto artificiais, como a do colunista, em que há encontros semelhantes (Aquela cola cola tudo/ Espero que a saia saia bem cortada etc.). Ninguém pensaria em inventar um acento diferencial só por causa da repetição, certo?  O colunista, como muita gente que escreve, pode ter estranhado a nova grafia da palavra, mas, com o tempo, vai-se acostumar com ela.

No início da vigência da reforma, em 2009, as pessoas estranhavam muito mais grafias como autorretrato ou antissocial do que hoje. É apenas uma questão de tempo. Como bem disse o professor Evanildo Bechara, que pacientemente atendeu a inúmeras entrevistas sobre o tema, a reforma não é para nós, mas para as gerações futuras. E deve ser verdade.

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“É lamentável pensar que a etimologia seja inútil”, diz prof. Mário E. Viaro https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/11/24/e-lamentavel-pensar-que-a-etimologia-seja-inutil-diz-prof-mario-e-viaro/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/11/24/e-lamentavel-pensar-que-a-etimologia-seja-inutil-diz-prof-mario-e-viaro/#comments Mon, 24 Nov 2014 16:39:24 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=732 A ida do debate sobre o Acordo Ortográfico ao Senado, depois de implantado, reacendeu as discussões sobre  a ortografia no país. As críticas propriamente ditas, porém, têm sido poucas. O hífen de “co-herdeiro” e cognatos, eliminado pela ABL no Vocabulário brasileiro, parece coisa superada. Das célebres exceções (arco-da-velha, pé-de-meia, água-de-colônia, cor-de-rosa, mais-que-perfeito)  pouco já se fala. portugues em pauta

Restaram, é verdade, críticas ao fato de o Acordo não ter resolvido o dilema, de resto talvez insolúvel, do prefixo “pré”, tônico ou átono, separado por hífen ou justaposto sem hífen.

À parte isso, existe a já conhecida proposta ortográfica do professor Ernani Pimentel, que tem, pelo menos, o mérito de ser uma proposta. Mais que levantar poeira, o professor propõe aquilo que lhe parece ser a panaceia para os males do ensino de língua em sua fase inicial ou para as dificuldades dos professores diante das questões de concurso público, já que, pelo jeito, as bancas examinadoras insistem em aferir a competência linguística dos candidatos por meio do conhecimento deles acerca da convenção ortográfica.

Na opinião do professor Pimentel, a ortografia deve procurar espelhar ao máximo a pronúncia das palavras. O leigo não demora a empolgar-se com a ideia, que chega a ser sedutora à primeira vista. A quantidade de problemas que o raciocínio um tanto simplista oculta, porém, desencoraja qualquer verdadeiro especialista em língua a abraçar a causa.

Temos aqui no blog procurado conversar com pesquisadores que conhecem os problemas profundamente e todos eles têm trazido grandes contribuições a esse debate.

Desta vez, o entrevistado foi o professor Mário Eduardo Viaro,  livre-docente de Língua Portuguesa pelo Departamento de Línguas Clássicas e Vernáculas, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP, ligado à Pró-Reitoria de Pesquisa, Viaro tem-se dedicado especialmente ao estudo da etimologia das palavras. É autor do Manual de etimologia, da editora Globo, e do volume Etimologia, da editora Contexto, no qual  propõe pensar a etimologia cientificamente. Além de colunista da revista Língua, Viaro é o responsável pelo suporte etimológico do Beco das Palavras, espaço lúdico do Museu da Língua Portuguesa, no qual os visitantes podem constituir palavras com base em seus elementos de composição.

O professor Viaro, sempre ponderado em suas reflexões, lamenta o fato de ainda haver professores que não veem a importância do estudo dessa disciplina ou que acham que ninguém mais se dedica a ela. Segundo ele, “se ninguém estuda, deveria estudar”. E vai além: “O abandono da erudição linguística pelo ensino moderno, alicerçado pelos valores imediatistas da atualidade, nos prende num presente sem vínculos com nosso passado e com nosso futuro”.

Sempre atento ao risco do fascínio exercido pela pseudoetimologia, alerta sobre a necessidade de estudar cientificamente o tema: “A etimologia científica está distante da pseudoetimologia tanto quanto a astronomia está da astrologia”.

Para Mário Eduardo Viaro, não é a ortografia o grande vilão do ensino da língua materna. Na sua opinião, “o problema é mais profundo: deve-se a algum tipo de crise moderna do saber, às condições de ensino e ao modo como é conduzido”.

Conversar com Viaro, como ler seus livros, é um convite ao mundo do saber. Como faz questão de dizer, “ao contrário do que se prega, ser erudito nos torna mais humanos e mais tolerantes, menos vinculados às óbvias necessidades da nossa existência, que podem parecer prementes, mas são apenas o que são: necessidades”.

Leia a seguir a entrevista com Mário Eduardo Viaro:

Thaís NicoletiComo sabemos, o Acordo Ortográfico de 1990 tornou-se tema de debate no Senado. Seus críticos têm afirmado que as mudanças ortográficas advindas dele são muito difíceis de aprender, pois, além de desnecessárias, são incoerentes. Um deles, o prof. Ernani Pimentel, apresentou uma proposta revolucionária, segundo a qual todo o sistema ortográfico do português seria alterado, a fim de que a grafia das palavras espelhasse ao máximo a sua pronúncia para facilitar o aprendizado. O senhor também vê esse grau de dificuldade de apreensão das mudanças propostas pelo Acordo, bem como incoerências? 

Mário Eduardo Viaro – Toda ortografia de qualquer língua com algum tipo de tradição histórica é complexa. Mesmo o italiano, que abandonou a letra H no Renascimento, utiliza-a em dígrafos CH e GH e na conjugação do verbo “ter”, que tem a mesma origem do nosso verbo “haver”. A ideia revolucionária de começarmos do zero causa muitos problemas. Foi assim quando a língua turca mudou de alfabeto da noite para o dia no começo do século XX. Mudanças desse tipo são traumáticas não só para adultos que têm hábitos consolidados, mas para crianças que estão no processo de alfabetização ou de aquisição de vocabulário. Nenhuma língua natural é coerente stricto sensu, porque as regras que a compõem são heranças de séculos e, portanto, sujeitas a preferências distintas em diferentes épocas. As exceções são normais. Apenas poderíamos esperar coerência de uma língua artificial criada, como o esperanto. Mesmo assim, abundam os casos de incoerência nessa língua, pois, quando chegamos a um detalhamento maior, vemos que está longe de ser uma língua lógica, no sentido filosófico. Quanto à falta de necessidade, discordo. Os países que compõem a lusofonia necessitavam de padronização para a língua escrita, isto é, para a sua ortografia (e não, obviamente, para o seu léxico, para as suas preferências morfológicas e sintáticas). Em meio à consolidação desse processo surge essa proposta, mas o perigo é que cada um pode propor como bem quiser “soluções melhores” e isso, se não for bem administrado, pode gerar o caos.

TN – Houve quem criticasse o fato de a Comissão de Lexicografia e Lexicologia da ABL ter feito uma Nota Explicativa sobre o Acordo composta de 15 itens. Considerou-se que esses 15 itens, em que se explicam critérios, é a prova cabal de que o trabalho foi malfeito, apressado. O senhor concorda com isso?

MEV – Não acho de modo algum que se trata de um trabalho malfeito e desorganizado. Uma coisa é idealizar uma reforma, outra é a sua implementação. As próprias soluções revolucionárias teriam que passar necessariamente por esse processo. Essa Nota Explicativa, salvo engano, tentou preservar o Acordo e adicionar coerência a algumas regras, que poderiam entrar em conflito. A coerência também é o que norteia o discurso das propostas mais arrojadas. Por exemplo, a Nota assinala que a regra que abolia o acento circunflexo de ôo (atualmente voo, perdoo sem o circunflexo) entrava em conflito com a regra das paroxítonas terminadas em –(que deviam ser acentuadas graficamente) em palavras como herôon. O estudo de casos particulares é inevitável quando trabalhamos com um número muito grande de palavras, como o VOLP. Daí até concluirmos que é preciso fazermos uma reforma radical na ortografia há um salto imenso. Eliminamos todos os acentos e retiramos o H, que faremos então com a terceira pessoa do verbo “haver”, que se tornará a, como a preposição e o artigo? Caberia aí uma exceção. Isso é fácil de perceber agora, mas, quando nos deparamos com centenas de milhares de palavras, surgem muitos problemas que não se esperavam no nível teórico de quem lançou a ideia.

TN – A proposta do sr. Ernani Pimentel, de natureza fonética ou fonológica (o senhor pode explicar a diferença aos nossos leitores), segundo ele, simplificaria a ortografia do idioma, tornando-a “lógica” e acessível a todos. O senhor considera viável adotar uma escrita fonética ou fonológica?

MEV – A única escrita fonética que existe é a do Alfabeto Fonético Internacional. Usar uma escrita puramente fonética seria um absurdo, pois significaria representarmos toda a variação diatópica, diamésica, diastrática de uma língua. Nenhuma língua de cultura conseguiria sobreviver. A proposta do sr. Pimentel é fonológica, de modo que não pretende representar sons, mas fonemas, que são unidades abstratas e mentais. Numa escrita fonética, os vários sons que chamamos de r numa palavra como “português” (segundo a pronúncia caipira, carioca, nordestina) teriam de ter representações distintas para o mesmo fonema. Escritas com pretensão fonológica já foram implementadas, como ocorreu com o italiano, mas, mesmo assim, privilegiaram-se alguns dialetos. Nossa escrita atual é parcialmente fonológica. Não fazemos distinções importantes como a diferença entre os dois sons – aberto e fechado – da vogal E e da vogal O. Isso parecia imprescindível no séc. XVI para o gramático João de Barros, mas ninguém, salvo ele mesmo, usou essa distinção gráfica. Mesmo com apoio do governo, às vezes uma mudança radical não emplaca. O imperador Cláudio inventou três letras novas para o alfabeto latino, que só foram usadas durante seu governo. Na verdade, quando se fala de tradição em escrita, usamos a palavra no seu sentido etimológico de “transmissão consuetudinária”. Não vemos QE em vez de QUE nas línguas europeias, exceto no albanês (ou em transliterações de línguas como o hebraico ou o árabe). A tradição do Q seguido de U é longa demais para ser substituída: a meu ver seria menos radical usar o K, que também era usado pelos romanos em pouquíssimas palavras e é erroneamente associado a alfabetos germânicos.  

TN – Confrontado com o argumento da importância de preservar a informação etimológica das palavras, o sr. Pimentel afirma que hoje não se estuda mais etimologia, que ninguém sabe a origem das palavras. Além disso, ele diz o seguinte: “A nossa etimologia é arcaica, precisamos atualizá-la”. Como o senhor, que é conhecido por seus trabalhos na área de etimologia, vê essas afirmações?

MEV – A etimologia é um estudo científico tanto quanto a lexicologia, a morfologia e a sintaxe. De fato, a etimologia herdada pelo intenso desenvolvimento de pesquisas linguísticas do século XIX acabou sendo abandonada após as duas guerras mundiais a favor de um estudo de viés sincrônico e estruturalista, embora a pesquisa etimológica seja ininterrupta quando pensamos nos estudos do indo-europeu. Uma retomada da necessidade dos estudos etimológicos se viu apenas por volta da década de 90 do século passado. E, no caso do português, a etimologia é importantíssima, pois o português é a única língua europeia sem um dicionário etimológico à altura. No Brasil, salvo Antônio Geraldo Cunha e o dicionário Houaiss, ninguém trabalhou seriamente com etimologia e, apesar de terem feito muito, há muitíssimo ainda por ser feito. Nós mesmos tentamos recuperá-la agora, com a fundação do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa (NEHiLP). Há dez anos trabalho com a divulgação da etimologia, tanto no Beco das Palavras (Museu da Língua Portuguesa) quanto na minha coluna na revista Língua Portuguesa. Portanto, obviamente não concordo com essa frase que, a bem dizer, nem faz sentido. A escrita de base etimológica é algo muito diferente da etimologia. Iniciada em português de uma forma sistemática por Duarte Nunes de Leão, a chamada escrita etimológica propõe rememorar as grafias das línguas de origem (basicamente o grego e o latim) pelos famosos Y, PH, TH e CH (com som de “qu” ). Pela escrita etimológica, em vez de “asma”, escreveríamos “asthma”, em vez de “cristão” escreveríamos “christão” e, em vez de “fotografia”, escreveríamos “photographia”. Ninguém, que eu saiba, retoma a proposta de uma escrita etimológica. No português, o que temos é uma escrita metade fonológica, metade etimológica, pois sobrevivem o H mudo e as várias leituras do X. Mas a diferença entre SS e Ç não é puramente etimológica. Há ainda hoje provavelmente pessoas no norte de Portugal que distinguem esses dois sons, ou seja, tratam-nos como dois fonemas. O primeiro é ápico-alveolar, semelhante ao S do espanhol europeu, e o segundo, dorso-alveolar, semelhante ao nosso S. Isso foi atestado por Leite de Vasconcelos nos seus Opúsculos, no início do século XX. Também  naquela mesma região, são (ou eram) dois fonemas distintos o CH e o X: o primeiro grafema nessas comunidades se pronuncia(va) como o CH espanhol e o segundo, como o nosso X. Em suma, essas comunidades fazem pares fonológicos idênticos ao que o inglês faz entre chip e ship. Se hoje há pouquíssima gente que faz essa distinção (se houver), no passado essa era a regra em metade de Portugal.  Além disso, observamos que, grosso modo, ao nosso SS equivale um S no espanhol, e ao nosso Ç, um Z. Esse conhecimento, que permite uma rede de relações entre línguas, transcende a prática de simplesmente alfabetizar. Portanto é lamentável pensar que a etimologia seja inútil e que ninguém estude ou queira estudar etimologia. Se ninguém estuda, deveria estudar. O abandono da erudição linguística pelo ensino moderno, alicerçado pelos valores imediatistas da atualidade, nos prende num presente sem vínculos com nosso passado e com nosso futuro. Faz-nos acreditar que tudo em que acreditamos nasceu hoje, criando uma cegueira para as semelhanças entre as línguas, as culturas e as pessoas. Em suma, ao contrário do que se prega, ser erudito nos torna mais humanos e mais tolerantes, menos vinculados às óbvias necessidades da nossa existência, que podem parecer prementes, mas são apenas o que são: necessidades.

TN – No bojo dessa discussão, diante de uma defesa da etimologia, um ou outro leitor pergunta por que, então, deixamos de usar “ph” e passamos a usar “f”. O senhor gostaria de falar um pouco sobre esse processo? 

MEV – Deixamos de usar pelos mesmos motivos aventados pelo sr. Pimentel. No entanto, como isso foi feito por linguistas capacitadíssimos como Gonçalves Viana, Carolina Michaelis, Adolfo Coelho e Leite de Vasconcelos, houve o sucesso que conhecemos hoje. O discurso, contudo, era praticamente o mesmo. O problema na época foi a eliminação de consoantes mudas, de consoantes dobradas (exceto rr e ss) e a simplificação das grafias que remontavam à ortografia grega (como y, rh, ph, th etc). Mantiveram-se o H mudo e as letras homófonas que conhecemos (ss/ç, g/j etc.). Mas a verdade é que, diferentemente do que se passava com o espanhol ou com o francês, não havia ortografia tal como entendemos agora e isso era tarefa de cada gramático. A reforma de 1911 foi a primeira da história da língua portuguesa. E não foi de todo simplificadora, pois introduziu muitíssimas regras de acentuação. Ao longo dos séculos, algumas pessoas escreviam algumas palavras com f enquanto outras usavam a escrita etimológica com ph. Essa cisão ortográfica é decorrência do debate iniciado em Portugal na segunda metade do século XVI que nunca havia sido solucionado.

TN – Também há na língua palavras de mesma origem com grafias diferentes (erva/ herbanário; úmido/ húmus; extensão/ estender; fêmur/ femoral). Como isso se explica?

MEV – A grafia “úmido” era mais frequente no Brasil. Em Portugal grafava-se “húmido”, respeitando-se a etimologia. Penso que se manterão as duas grafias. O que se esquece é que uma regra ortográfica, seja etimológica, seja fonológica, deve estender-se para todos os casos, mas as palavras têm diferentes frequências de uso e isso dificulta que seja implementada na prática. Se procuro a palavra “erva” no Google, tenho mais de 10 milhões de ocorrências. Se escrevo “herbanário”, tenho pouco mais de 13 mil. As pessoas não têm consciência histórica das palavras a não ser quando estudam linguística histórica ou etimologia, de modo que naturalmente não sabem que o radical da palavra “ombro” é o mesmo da palavra “humeral”. Levando isso às últimas consequências, “ombro” deveria ser escrito com H. A mesma confusão se dava quando se escrevia “ontem” com H, até o século XIX, por pura analogia com a palavra “hoje”. O uso do X no prefixo ex- de origem latina é confuso mesmo: teoricamente, palavras com es- são palavras vindas diretamente do latim vulgar, que gerou a língua portuguesa, enquanto palavras com ex- são palavras eruditas, que foram introduzidas no português imitando o latim (e o francês) desde o século XV. “Fêmur” e “femoral” respeitam a ortografia latina (pois a palavra latina femur tinha o genitivo femoris, donde extraíamos o radical femor- para criar os derivados). Trata-se de um acidente histórico que pronunciemos hoje o U e o O nessas duas palavras da mesma forma. Pergunto-me por que não escrever, usando a mesma lógica, a palavra “menina” com I, pois, de norte a sul no Brasil, com raras exceções, a pronúncia é “minina”. A pronúncia com E surgiu tardiamente em Portugal. Desde as cantigas de Santa Maria, temos comprovações da grafia com I, que é muito mais frequente. Demagogicamente eu poderia defendê-la, mas ao mesmo tempo ignoraria as minorias brasileiras e privilegiaria as minorias portuguesas. O mesmo argumento pode ser estendido a várias outras situações: o ditongo OU é pronunciado como monotongo na língua normal e como ditongo na língua mais cultivada aqui no Brasil, já em Portugal a pronúncia monotongada é a padrão, mesmo nos discursos cultos, e o ditongo tem algo de regional.

TN –  Se viéssemos a abolir o dígrafo “ch” do início das palavras, substituindo-o pela letra “x”, perderíamos uma informação etimológica importante para o aprendizado de correlações semânticas, como as de chuva/ pluviométrico, chumbo/plúmbeo ou chão/ plano, entre muitos outros exemplos. Penso que a manutenção do “ch” concorra para o aprendizado da ortografia não como um simples exercício de silabação mas como um saber inserido numa perspectiva histórica. Como o senhor vê esse caso em particular?

MEV – De fato, muitas palavras que têm CH no início são palavras latinas que começariam com PL, CL, FL. Trata-se de algo característico do galego-português, pois, nessa mesma posição, o castelhano desenvolveu um LL. A palavra clavis em latim remete ao português chave e ao espanhol llave; a palavra pluvia em latim remete ao português chuva e ao espanhol lluvia etc. O espanhol padrão não distingue b, apesar de serem um único som e fazem isso por causa da etimologia das palavras. O português (excetuando os dialetos do norte de Portugal já mencionados) não distinguem ch de x, mas quase sempre grafamos com palavras de origem indígena, africana ou árabe (há exceções, porém). Não há nenhuma razão semântica para a manutenção desses pares a não ser preservação histórica. Sempre me lembro de que, para fazerem a catedral da Sé atual, demoliram a antiga catedral, que era do século XVI. Isso sim eu penso que seja desnecessário. Argumentava-se que a igreja antiga necessitava de reparos, não tinha capacidade de abrigar muitos fiéis etc. e demoli-la foi rápido. Precisaram de décadas para reerguer a nova. É isso que provavelmente acontece com mudanças malpensadas, feitas de repente. Normalmente há perda quando se institui a tabula rasa. Perdemos um patrimônio histórico por causa de um discurso apaixonado. Se há problemas no aprendizado da ortografia, isso não se deve à dificuldade intrínseca da nossa ortografia, que é bastante moderada quando a comparamos com a do inglês e a do francês. O problema é mais profundo: deve-se a algum tipo de crise moderna do saber, às condições de ensino e ao modo como é conduzido, e não à ortografia. Se fosse assim, teríamos altíssimas taxas de analfabetismo no Japão, cuja escrita é muitíssimo complexa. Não é o que vemos.

TN – A etimologia sempre exerceu uma espécie de fascínio nas pessoas. Não há quem não goste de ouvir a história de uma palavra – principalmente quando há uma curiosidade em torno dela. Na opinião do sr. Pimentel, porém, o estudo da etimologia que se fazia era a “decoreba” de prefixos gregos e latinos, o que era algo infrutífero. O senhor acha que é possível ensinar etimologia no ensino médio e/ou fundamental ou isso realmente não é necessário ou mesmo possível?

MEV – Meu trabalho com a difusão da etimologia é grande, mas é preciso ser realista: não se aprende etimologia da noite para o dia. O conhecimento de tupi, de quimbundo ou de iorubá também é importante, mas há poucas pessoas que se dedicam a isso. Obrigar o ensino dessas línguas no ensino médio e fundamental seria utópico. Quando se fala de obrigatoriedade do ensino da etimologia, imagino milhares de professores ensinando justamente a pseudoetimologia divertida que aparece por aí. Isso me dá calafrios. A etimologia científica está distante da pseudoetimologia tanto quanto a astronomia está da astrologia. Penso que o pontapé inicial deve ser dado dentro das universidades, formar gente capacitada e, num futuro distante, poderíamos pensar nisso. Não há “decoreba”, mas a erudição necessária não se constrói de um dia para o outro e a qualidade dos profissionais que ensinariam etimologia teria de ser boa, caso contrário, é melhor deixar do jeito que está para não darmos mais passos atrás. Sou autor de um livro que pretende ensinar etimologia, Manual de etimologia, da editora Globo, e de outro que pretende pensar a etimologia cientificamente, Etimologia, da editora Contexto. Mas insisto: não é preciso saber etimologia profundamente para entender as pouquíssimas grafias etimológicas que sobreviveram na escrita atual. Nesse sentido, opor etimologia a alfabetização me parece um absurdo. A etimologia auxilia a alfabetização, jamais a atrapalha.

TN – O sr. Pimentel gosta de lembrar uma história vivenciada por ele próprio que envolve a suposta palavra “xaxo” (ou “chacho”). A palavra, pronunciada dessa forma por seu motorista, deixou-o em dúvida sobre o uso do X ou do CH. Nenhum dos dois conhecia a grafia do termo. Segundo o professor, se a ortografia seguisse a pronúncia, não haveria problema, pois bastaria usar a letra X. O filólogo maranhense Antônio Martins de Araújo, porém, explicou durante audiência pública no Senado que a palavra em questão é “sacho” [devidamente dicionarizada]. Como vemos, a variação de pronúncia no vasto território do país parece ser um entrave a uma ortografia de base fonológica.

MEV – Se “sacho” ou “chacho” é uma palavra regional, deve ter poucas ocorrências em sua frequência de uso, quando se pensa no âmbito nacional ou em toda a lusofonia. São justamente essas palavras que geram as exceções, porque muitas vezes não sabemos a etimologia da palavra (e não devemos inventar uma se não sabemos). Isso pode parecer um defeito da ortografia atual, mas haverá esse mesmo problema com qualquer proposta revolucionária, com certeza. A fruta conhecida como “uvaia”, de origem tupi, é muitas vezes reinterpretada no interior de São Paulo como “uvalha”, pois os falantes pensam que cometem a pronúncia [i] do LH, como em “telhado”, que é transformado em “teiado”. O mesmo podemos pensar de “macaxeira”, que rarissimamente é pronunciada com o ditongo EI: invariavelmente as pessoas que usam essa palavra monotongam. E devia ser assim, pois a palavra é tupi e, apesar de ser uma planta, não é, etimologicamente falando, aparentada com “mangueira”, “roseira”, “trepadeira”. Qual seria a solução do sr. Pimentel nesses casos? “Macaxera”? Se sim, estará indo a favor da etimologia da palavra.

TN – Na proposta do sr. Pimentel, registra-se a abolição dos dígrafos QU e GU, o que daria origem a grafias como QEIJO e GERRA. Ele não explica o que seria feito nos casos em que há dupla pronúncia, como líquido ou sanguinário, por exemplo, nos quais há oscilação quanto à pronúncia do “u” átono. Palavras como CASA e MESA, por exemplo, seriam as grafias do que hoje escrevemos CAÇA/ CASSA e MEÇA. A palavra LOUSA não identificaria o quadro-negro ou uma lápide funerária, pois seria a nova grafia de LOUÇA (o “ç” também é abolido, segundo a proposta). Como bem lembrou a linguista Stella Maris Bortoni, a tradição ortográfica ajuda na compreensão da morfologia dos verbos (ela citou o dígrafo “ss” como marca de imperfeito do subjuntivo). Diante de tudo isso, o senhor considera simplificadora essa proposta?

MEV – Também tenho dúvidas com relação às formas oscilantes, que antigamente eram marcadas com e sem trema. Aqui voltamos à antiga ortoépia (ou ortoepia) que gramáticos muito ferrenhos, como Napoleão Mendes de Almeida, relativizavam. Ora, eu pronuncio “adquirir” com [k] mas ouço muitas pessoas pronunciando com [kw]. Quem faz dessa última forma não está totalmente errado, pois se trata de uma palavra culta, um latinismo tardiamente introduzido na língua, mas, novamente, o uso é que determina a pronúncia. A proposta é simplificadora, sim, mas veja, também gera complicações: o E de “mesa” é fechado e o E de “meça” é aberto. Se grafamos doravante “meza” e “mesa” resolvemos o caso das pronúncias representadas por várias letras/ dígrafos, mas não resolvemos o caso das várias letras (como o E) que têm várias pronúncias. Uma simplificação moderna sobre uma simplificação antiga. Só com a avaliação de todo o vocabulário português (que é bastante extenso) saberíamos o impacto dessa reforma, que, como disse, seria precipitada  sem o auxílio de filólogos e linguistas.

TN –  Uma das críticas que o senhor Pimentel faz ao Acordo Ortográfico é a de que ele foi pensado no século passado e, portanto, reflete um mundo antigo. Chega a afirmar que “os psicólogos e biólogos já constatam que boa parte das crianças de hoje estão nascendo com um par a mais de cromossomos ativados, o que significa estar a humanidade passando por verdadeira mutação genética que traz uma visão quântica da realidade, descomunalmente superior à antiga visão linear a que os adultos ainda estamos condicionados”. E prossegue: “Hoje o estudante, e qualquer indivíduo, ri de quem aceita regras com exceções. Não faz sentido perder tempo. Ou o que se lhe ensina é lógico, prático ou não lhe desperta interesse”. O senhor acha que esse tipo de afirmação pode embasar uma discussão sobre ortografia?

MEV – Esses apelos à ciência são totalmente absurdos e descabidos. No fundo há o espírito da tabula rasa atuando. Uma mutação genética só ocorreria se o ser humano estivesse correndo risco de sobrevivência. Ao que tudo indica, a espécie  humana impera no planeta. Esses argumentos não têm pé na realidade, pois envolvem pressupostos sobrenaturais com os quais não comungo e lamentaria muito que fossem aceitos para embasar algo que afastaria com certeza o ideal atual de unificação ortográfica entre os países lusófonos.

TN – Numa das audiências públicas de que participei, houve críticas ao que foi entendido como falta de sistematização da grafia de palavras que têm o prefixo pré- ou pre-. As críticas foram dirigidas ao corpus do Vocabulário Ortográfico da ABL, que registra “pré-qualificado” e “prequestionado”, “preexistente”, “preembrião/pré-embrião”. Segundo os críticos, as pessoas não têm como saber qual é a grafia correta, já que existe variação de pronúncia. O professor Cipro Neto sempre menciona uma aula que deu na Bahia, na qual seus alunos lhe disseram que, por lá, a pronúncia da palavra “preconceito” é “pré-conceito”. Existe alguma forma de resolver esse problema de grafia? 

MEV – Não, não existe. O pre- vem do latim prae- seja ele pronunciado com vogal aberta ou fechada. Esse expediente de separar os componentes da palavra para destacá-los etimologicamente, como nesses exemplos, é algo que ficou em moda na filosofia e começou, salvo engano, com Heidegger. A consciência de que temos um prefixo aí é variadaPouca gente sabe que prestar tem o mesmo prefixo, historicamente falando.

TN – O sr. Pimentel também costuma usar o argumento da inclusão social para defender o seu projeto. Segundo ele, a complexidade do sistema ortográfico do português cria grandes dificuldades de ensino e aprendizagem e, na sua nova ortografia, esse problema deixaria de existir. O senhor acha que ele pode ter razão nisso?  

MEV – É o mesmo argumento usado em 1911. De lá para cá, não saberia opinar se houve avanços ou não nesse sentido por causa da simplificação da ortografia. Aparentemente não foi só por isso. Os governos tiveram a sua responsabilidade.

TN – Finalmente, o senhor considera oportuna essa discussão sobre o Acordo, capitaneada pelo prof. Pimentel, que é coordenador do grupo de trabalho técnico da Comissão de Educação do Senado brasileiro? Segundo o prof. Carlos Faraco, em entrevista a este blog, o processo de implantação está avançado e envolve muitas instituições e professores universitários dos oito países signatários do Acordo. Cada país já está elaborando seu Vocabulário Ortográfico Nacional e todo esse material será reunido no Vocabulário Ortográfico Comum. O senhor vê alguma possibilidade de Pimentel ter sua proposta concretizada?

MEV – Eu espero que não. Concordo com o prof. Faraco. Seria uma pena desandar todo esse processo que tem sido feito por muita gente competente e de maneira séria e equilibrada.

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“Em matéria de língua e ortografia, é preciso qualificar o debate”, diz Faraco https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/11/13/em-materia-de-lingua-e-ortografia-e-preciso-qualificar-o-debate-diz-faraco/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/11/13/em-materia-de-lingua-e-ortografia-e-preciso-qualificar-o-debate-diz-faraco/#comments Thu, 13 Nov 2014 22:46:30 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=728 O adiamento do prazo oficial de entrada em vigor do Acordo Ortográfico para 2016 e a discussão que se vem travando no Senado Federal acerca do tema, com direito a debate sobre uma proposta de ortografia fonética, podem fazer parecer que existe espaço para alguma mudança radical no sistema ortográfico do português.portugues em pauta

Para elucidar os pontos obscuros de toda essa discussão, desta vez conversei com nada mais, nada menos que o coordenador da Comissão Nacional brasileira do Instituto Internacional da Língua Portuguesa da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), o linguista Carlos Alberto Faraco, professor titular de língua portuguesa da Universidade Federal do Paraná, cujo currículo não deixa dúvida de que os trabalhos de implantação definitiva do Acordo estão em boas mãos.

Mestre pela Unicamp e doutor pela Salford University, com pós-doutorado pela University of California, Faraco tem uma vida dedicada aos estudos linguísticos. Foi presidente da Associação Brasileira de Linguística de 1985 a 1987 e pertenceu ao grupo de pesquisadores que criou o projeto VARSUL-Variação Linguística da Região Sul.

É autor e organizador de vários livros, entre os quais Linguagem escrita e alfabetização (Editora Contexto), Linguística histórica, Norma culta brasileira: desatando alguns nós, Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin e Estrangeirismos: guerras em torno da língua (todos publicados pela Parábola).

Também é autor da coleção Português: língua e cultura (IBEP/Base) para o ensino médio e, em coautoria com o romancista Cristovão Tezza, de dois livros para o ensino de português no nível universitário: Prática de texto e Oficina de texto (ambos publicados pela Editora Vozes).

O professor Faraco vai direto ao ponto e definitivamente põe os pingos nos is. Deixa claro que “a ortografia de qualquer língua não é assunto plebiscitário ou para abaixo-assinados, ou para coletas aleatórias de ‘sugestões’” e alfineta a Comissão de Educação do Senado: “Ao constituir um grupo de trabalho apenas com dois críticos do Acordo, a CE vira as costas para a sociedade, desqualifica a opinião majoritária, marginaliza os especialistas e passa a falsa impressão de que o Brasil está se posicionando contra o  Acordo”. E resume a situação citando Shakespeare: “Muito barulho por nada”.

Questionado sobre as propaladas dificuldades que o Acordo teria trazido, Faraco é rápido no gatilho: “As poucas mudanças podem ser aprendidas em não mais que 15 minutos”. E tem mais, muito mais. Leia a seguir a entrevista concedida ao blog:

Thaís Nicoleti – Segundo o senador Cyro Miranda (PSDB – DF), presidente da Comissão de Educação do Senado, após a entrada em vigor do Acordo Ortográfico,  o Senado recebeu milhares de e-mails de cidadãos indignados com as dificuldades impostas pelas mudanças ortográficas, fato que provocou a abertura de discussões sobre o tema na Casa legislativa. Reportagem publicada no site Observatório da Língua Portuguesa informa que o senhor Ernani Pimentel, um dos representantes da Comissão de Educação do Senado brasileiro em missões internacionais, criou um movimento chamado “Acordar Melhor”, por meio do qual colheu grande quantidade de assinaturas favoráveis à simplificação da ortografia, fato que teria levado o Senado a  propor a discussão e o adiamento da entrada em vigor do Acordo. Diante disso, pergunto se o senhor considera ter faltado discussão antes da assinatura do Acordo. Na sua opinião, o Acordo foi imposto de forma autoritária?

Carlos Faraco – Seguramente não houve falta de discussão. As discussões para se alcançar um Acordo Ortográfico que unificasse as bases da ortografia do português começaram na década de 1920. Foram, portanto, quase 70 anos de discussões. Acrescente-se a isso o fato de que os pontos que exigiam uma harmonização para se alcançar a unificação das bases da ortografia eram poucos. Basicamente questões de acentuação e o tratamento das chamadas consoantes não articuladas. A cada tentativa de se estabelecer a unificação das bases (1931, 1943, 1945, 1971/1973, 1975, 1986, 1989) poliram-se arestas e acumularam-se alternativas que acabaram por ser consolidadas no texto de 1990.

No fundo, com o Acordo de 1990, houve apenas pequenos ajustes em cada uma das ortografias vigentes para submetê-las a um único conjunto de normas. Houve cedências de parte a parte, adotando uns soluções já existentes na grafia dos outros. Nada mais do que isso. Não houve nenhuma alteração das grandes coordenadas que fixaram a ortografia do português em 1911 (nem era este o objetivo). Também não houve imposição, e sim cedências. E ninguém esteve obrigado a adotar o Acordo, na medida em que cada país soberanamente teria de ratificá-lo. E o próprio calendário de ratificações é prova de que nada foi imposto.

TN – O senhor poderia relembrar aos nossos leitores como se deu o processo de ratificação do Acordo nos vários países da CPLP?

CF – Cada país seguiu a cronologia que lhe aprouve. Portugal foi o primeiro país a ratificar o Acordo já em 1991. O Brasil o fez em 1995. Posteriormente, foram assinados dois Protocolos Modificativos (em 1998 e 2004 respectivamente) para ajustar o prazo de vigência antes previsto para 1994. Esses Protocolos Modificativos foram ratificados pelo Brasil em 2004, por Cabo Verde em 2005, São Tomé e Príncipe em 2006, por Portugal em 2008 e por Timor-Leste e Guiné-Bissau em 2009. Em 2012, o Conselho de Ministros de Moçambique recomendou ao Parlamento daquele país que completasse o processo de ratificação. O Segundo Protocolo Modificativo, assinado por todos os países, estipula que o Acordo entraria em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação, o que ocorreu em 2006 (Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe). O Acordo, portanto, está em vigor desde 2006.

O Brasil, porém, antes de implantar o Acordo, esperou que a Assembleia da República Portuguesa ratificasse os Protocolos Modificativos, o que veio a ocorrer em maio de 2008, ano em que, em conjunta Declaração Sobre a Língua Portuguesa, os chefes de estado e de governo da CPLP instavam a que tal acontecesse em todos os países de língua oficial portuguesa. Longos foram os anos e as discussões para se chegar ao Acordo de 1990 e longos têm sido os anos para sua ratificação e implantação para atingir o objetivo único de uniformizar as regras de ortografia em todos os países.

TN –  Diante disso, fica difícil afirmar que o Acordo foi imposto de modo autoritário, sem discussão. O fato é que esse tipo de afirmação foi feito em audiência pública no Senado por membros do (GTT) grupo de trabalho técnico da Comissão de Educação. O professor Ernani Pimentel, por exemplo, por meio de seu site, chegou a criar um concurso em que oferecia uma quantia em dinheiro para a pessoa que apresentasse a melhor proposta de simplificação ortográfica. Há nesse GTT da Comissão de Educação do Senado o entendimento de que qualquer pessoa está em condições de propor mudanças na ortografia. Essa seria talvez, no entender da CE, uma forma de democratizar o processo. Como o senhor vê isso? 

Quando se olha com atenção para a história, parece claro que são totalmente improcedentes afirmações de que não houve discussão e de que o Acordo foi uma imposição autoritária. A ortografia de qualquer língua não é assunto plebiscitário ou para abaixo-assinados ou para coletas aleatórias de “sugestões”. E menos ainda para  uma oferta  de “recompensa” em dinheiro para quem apresente a melhor proposta de simplificação. Não dá para acreditar que alguém leve essas propostas descabidas a sério. A ortografia resulta de uma longa construção histórica. É um trabalho de cuidadosa ourivesaria. Qualquer ajuste tem de ser muito bem pensado e avaliado, inclusive tomando em conta as tradições ortográficas bem consolidadas. É, portanto, um assunto eminentemente técnico e altamente complexo.

Não por acaso foram necessários quase 70 anos de discussões para se chegar à unificação das bases da ortografia do português, discussões que sempre foram cuidadosamente conduzidas por sucessivas gerações dos mais qualificados filólogos e linguistas de língua portuguesa. Por outro lado, falar em “dificuldades impostas pelas mudanças ortográficas”é mostrar preocupante desconhecimento do teor do Acordo. As poucas mudanças podem ser aprendidas em não mais que 15 minutos. Dizer também que nenhum professor conhece as mudanças (como tenho ouvido e lido nesse período de audiências públicas) é subestimar demais a inteligência dos professores. Eu mesmo, entre 2008 e 2010, fui muitas vezes chamado para discutir as mudanças com os professores de Curitiba e do Paraná. Nunca encontrei um sequer que dissesse estar encontrando problemas para assimilar o Acordo. O mesmo se deu com editores, revisores e jornalistas com quem trabalhei na época. Por isso, gostaria muito de ter acesso a estes propalados “milhares de e-mails” que teriam chegado ao Senado.

TN – Como já é suficientemente sabido, o professor Ernani Pimentel, proprietário de curso preparatório para concursos públicos, tem uma proposta de mudança do sistema ortográfico do português. Segundo ele, a ortografia deve refletir a fala, ou seja, o sistema deve ser fonético, eliminando-se a informação etimológica das palavras. Segundo ele, esse sistema seria mais lógico do que o atual e, portanto, mais simples.   Qual é a sua opinião sobre essa proposta?

CF – Trata-se de uma proposta inerentemente inviável pelo simples fato de que a língua comporta muitas variações de pronúncia. A ortografia, para ser de fato funcional no espaço e no tempo, não pode jamais refletir com precisão a fala de cada um; deve, ao contrário, pairar a uma certa distância das variações de pronúncia. A ortografia estabelece uma relação abstrata com a língua e nunca com a fala. Além disso, há todo um processo histórico que vai fixando tradições ortográficas. Alterá-las radicalmente em qualquer direção será sempre desastroso econômica, cultural e cognitivamente.  O próprio falante, como demonstram os estudos de psicologia cognitiva, opera com um léxico mental ortográfico que é não apenas fônico, mas também visual. Há nessas propostas uma certa ingenuidade conceitual. Por isso, elas têm sido sistematicamente rejeitadas na história da nossa ortografia e são uma ideia completamente abandonada desde o século 19. Os proponentes parecem fazer parte do time dos “reformadores da Natureza”, tão bem representados ficcionalmente por Monteiro Lobato com o personagem Américo Pisca-Pisca.

TN – Em recente audiência pública no Senado, da qual tive a oportunidade de participar, o professor Pimentel expôs a sua proposta, que, entretanto, não obteve a acolhida dos estudiosos presentes. A única manifestação de apoio foi feita pelo senador Fleury (DEM-GO), que disse ser professor de matemática.  Embora a proposta tenha sido criticada por quase todos os membros da mesa (à exceção do prof. Pasquale Cipro Neto e do professor Carlos André, de Goiás), o senhor Pimentel é o coordenador do grupo de trabalho técnico da Comissão de Educação, sendo inclusive, ao lado do prof. Pasquale, representante do Senado brasileiro em missões internacionais. Na sua opinião, ao ser representado no exterior apenas por  críticos do Acordo, ignorando as vozes que hoje acreditam na importância de implantá-lo definitivamente, o Senado passa a imagem de que os brasileiros se posicionam contrariamente ao Acordo Ortográfico?  É adequado que o senhor Pimentel  apresente a sua proposta de simplificação ortográfica nos países da CPLP na condição de representante do Senado brasileiro?

CF – Ainda bem que a proposta não obteve acolhida. Aliás, ela tem sido sistematicamente criticada e condenada com ótimos argumentos por vários artigos e editoriais publicados na imprensa nacional nos últimos  meses. Era o que se podia mesmo esperar. Encampar as propostas do sr. Pimentel seria não só um descalabro (pela absoluta falta de fundamentos técnicos), como seria um gesto de lesa-cultura, como procurei mostrar em um artigo publicado no jornal Gazeta do Povo com o título Vandalismo Ortográfico.

De qualquer forma, toda essa movimentação da Comissão de Educação do Senado é muito estranha. Até hoje não consegui captar os objetivos de “debater” o Acordo Ortográfico. Ele foi devidamente ratificado pelo Congresso Nacional em 1995 e novamente em 2004 (os Protocolos Modificativos). Foi incorporado à ordem jurídica interna por decreto presidencial de setembro de 2008. Entrou em vigor em 01/01/2009 e foi em pouquíssimo tempo adotado (e sem grandes percalços) pela imprensa, pelas editoras, pelo sistema escolar e por todas as esferas da administração pública. É hoje de uso universal no espaço público brasileiro. O que há ainda a “debater”?

É espantoso antes de qualquer coisa ouvir e ler as declarações de senadores da CE. Elas revelam grande desinformação sobre a matéria, o que é, sem dúvida, muito preocupante. Além disso, parece que a CE do Senado está um tanto alienada da sociedade (que – repito – já adotou universalmente o Acordo) e, pelo viés muito restrito com que vem abordando o assunto, tem superdimensionado questões que são menores. Mais espantoso ainda é a CE ter dado espaço quase exclusivamente a duas pessoas que fazem críticas (nem todas fundamentadas, diga-se de passagem) ao Acordo.  Há claros indícios de um encaminhamento tendencioso do debate, o que o desqualifica de saída. Nunca, nas audiências que promoveu, a CE chamou membros da Comissão que assessorou o governo no processo de implantação do Acordo em 2008; nunca chamou a Associação Brasileira de Linguística (que precisou tomar a iniciativa de ir lá entregar um documento com razões contrárias às propostas de mexer na ortografia e protocolar um pedido para ter um representante seu nas audiências); nunca chamou ninguém do mundo editorial nem da Universidade.

A CE parece também desconhecer a presença oficial do Brasil no Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), fórum da CPLP responsável pela discussão e encaminhamento de questões da língua que são do interesse do conjunto dos países de língua oficial portuguesa, inclusive a ortografia. Isso apesar de eu, em junho passado, ter entregado pessoalmente ao senador Cristovam Buarque (que é membro da CE) um documento da Comissão Nacional do IILP sobre a situação atual do Acordo e ter deixado com o secretário da CE cópia do mesmo documento. Diante desse panorama de desinformação, alienação e exclusão, só podemos esperar um grande desserviço ao país, à nossa cultura linguística e à causa da língua. Ao constituir um grupo de trabalho apenas com dois críticos do Acordo, a CE vira as costas para a sociedade; desqualifica a opinião majoritária (que se manifesta – insisto – na adoção universal do Acordo pela sociedade); marginaliza os especialistas e passa a falsa impressão de que o Brasil está se posicionando contra o  Acordo, como aconteceu quando da desastrada decisão da presidente Dilma de prorrogar por mais três anos a vigência definitiva do Acordo a pedido da CE do Senado. E ainda mais grave é esse grupo aleatoriamente constituído, sem qualquer representatividade acadêmica ou política, receber mandado da CE para, em seu nome, realizar “missões” internacionais. Acho que o mínimo que se espera é que a sociedade seja informada sobre quais os critérios usados para a designação dos dois, quais os objetivos dessas “missões”, os custos e os resultados.

O Sr. Pimentel pode, é claro, apresentar suas ideias onde bem quiser. Teve, inclusive, espaço para tanto na I Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Global, promovida pela CPLP em Brasília em março de 2010. Apresentou suas ideias, que, obviamente, não tiveram qualquer acolhida das delegações presentes, o que mostra bem a irrealizabilidade do projeto do ponto de vista diplomático. O que me parece totalmente sem propósito é o Senado Federal custear “missões” internacionais e permitir que se fale em seu nome para fazer proselitismo de uma proposta de alteração radical da ortografia, dando a impressão de que ela já está encampada por aquele órgão legislativo. Desmoraliza o Senado e desmoraliza o Brasil.

TN – Na última audiência pública acerca do tema, o professor Carlos André Pereira Nunes, proprietário do Instituto Carlos André, em Goiânia, demonstrou, por meio de questões de concursos públicos, que o sistema de hifenização do prefixo “pré-” é problemático. Ele apresentou questões de exames que exigiam dos candidatos saber a grafia correta de “prequestionar”/ “pré-questionar” e de pré-embrião/ preembrião. Segundo ele, pessoas perdem uma vaga de emprego porque a sistematização do hífen com os prefixos pré/pre é imprecisa. O problema mais grave é o do hífen com esses prefixos ou o das bancas que elaboram questões de concursos públicos?

CF – É óbvio que o problema está nas bancas que elaboram as questões. Há, em geral, uma concepção muito rastaquera do que é testar o domínio de língua dos candidatos. As questões costumam focar picuinhas de ortografia e gramática, deixando de avaliar o efetivo domínio das competências linguísticas que realmente interessam – a leitura compreensiva de textos de mediana complexidade, a escrita de um texto razoavelmente complexo e uma reflexão inteligente sobre as estruturas e os usos sociais da língua. Essas competências indicam efetivamente o nível de maturidade linguística dos candidatos. Eis aí um tema que a Comissão de Educação do Senado poderia debater com mais propriedade e relevância.      

TN –  O prefixo “pré” dominou boa parte da segunda audiência sobre o Acordo, embora esse item não tenha sido objeto de modificação. Houve queixas sobre a suposta incoerência das grafias preembrião/ pré-embrião e pré-embrionário (esta não é registrada com grafia dupla no VOLP); também se questionou o motivo de “prequestionar” ter o prefixo átono e “pré-qualificar” ter o prefixo tônico, segundo o VOLP. O pressuposto nesse caso era a semelhança das duas palavras baseada na letra “q” inicial do termo subsequente ao prefixo em ambas, o que deveria levá-las a um comportamento gráfico/ fonético semelhante. Pergunto se o raciocínio é necessariamente esse (o da letra inicial da palavra) ou se outros fatores, como tonicidade e sufixação podem intervir na pronúncia e, consequentemente, na grafia.

CF – Antes de mais nada, vamos conversar um pouco sobre o hífen nos compostos. Este foi, aliás, o único tópico identificado como problemático nas audiências da CE do Senado. Falou-se dele como se tivesse sido criado pelo AO de 1990 (o que não corresponde aos fatos) e se tentou justificar com ele a proposta de se “mexer” no Acordo (se a premissa é falsa, falsa é a conclusão, certo?). Com perdão da palavra, me pareceu que a montanha pariu um ratinho. Ou, como diz o título da peça de Shakespeare, “Muito barulho por nada”.

O hífen nos compostos é uma área ainda em adensamento na nossa ortografia. Desde o século 18, tenta-se uma razoável regulação de seu uso. Reconheça-se que o AO melhorou muito a questão. Basta compará-lo ao Formulário Ortográfico de 1943. Devíamos acabar com o hífen? Esta foi uma proposta que se fez em 1986, mas provocou uma forte reação negativa. Simplesmente aglutinar todos os prefixos às bases provocou um profundo estranhamento. Feriu os olhos e o léxico mental ortográfico dos falantes (que é eminentemente visual). Na sequência dos debates, trabalhou-se, então, no sentido de diminuir o uso do hífen nos compostos e formular algumas regras gerais. E isso foi alcançado no texto de 1990. Persistem problemas? Claro que sim. Mas esses problemas justificam a crítica que se fez nas audiências ao Acordo? Claro que não. Sem mexer no texto, esses problemas podem ser muito bem encaminhados. Basta interpretar tecnicamente o texto do AO, tendo o “espírito do legislador” como baliza. E o que diz o “espírito do legislador”? Diminuir o uso do hífen em compostos e formular princípios gerais. O resto é discussão bizantina.

A Equipe Central do VOC fez uma brilhante leitura do texto do Acordo e, sem alterá-lo em nada, condensou as regras de uso hífen nos compostos em 4 grandes coordenadas. Muitas vezes, quando nos apegamos excessivamente às árvores, não conseguimos enxergar a floresta e não percebemos que a solução  ovo de Colombo está na nossa frente.

Quanto ao caso específico dos prefixos pre- e pré-, é importante deixar claro que eles não são o mesmo prefixo, nem variantes, sem mais. São dois prefixos diferentes que por vezes têm o mesmo sentido mas que nem estão em distribuição complementar nem são sempre substituíveis um pelo outro. E elementos diferentes devem ser tratados diferentemente.  Dizer isso é importante para afastar a ideia de que os prefixos e as palavras cognatas em que são empregados possam ser tomadas como variantes ortográficas. Para dar um exemplo muito claro: preencher e pré-encher não são a mesma coisa. Acho que a explicação cabal de que isto não é um caso de dupla grafia fecha a questão. Mas vamos à análise de cada um dos prefixos, a ver se há mais argumentos. Em termos puramente ortográficos, pre- é um antepositivo átono, monossilábico, que como tal sempre se aglutinou ao elemento a que se associa; pré- é tônico e, por isso, acentuado graficamente, pelo que sempre se separou por hífen da base. A regra é simplérrima e qualquer aluno a conhece: se um prefixo tem acento gráfico, tem que ser separado da base por hífen. Em português não há palavras sobre-esdrúxulas, isto é, com acento antes da antepenúltima sílaba, logo, tem que ser usado o hífen com prefixos acentuados como pré-. Nada mudou com o Acordo no que diz respeito à sua escrita e não é necessário saber mais nada para saber como usar o hífen nesses dois casos.

Vamos, porém, a uma análise linguística mais profunda para explicar o que confundiu alguns debatedores nas sessões da CE do Senado. Sendo esses dois prefixos muito produtivos, os dicionários e vocabulários não registram todas as formas possíveis, como não o fazem para ex- ou anti-. Os critérios de inclusão (e.g., atestação num cânone ou num corpus específico) e de identidade lexical (e.g., não inclusão de formas com antepositivos hifenizados) de diferentes dicionários do português ditaram que na tradição lexicográfica não houvesse sistematicidade no registro de todas as formas com pre- e com pré-. Os instrumentos ortográficos são por natureza não extensivos, sendo meras projeções exemplificativas dos processos de definição por intensão das normas. Nada no que diz o VOLP impede os escreventes de usarem as formas que entenderem com pre- e com pré-, caso o queiram fazer. O VOLP não registra as palavras antitorturapraticamente, ex-presidente, iluminada ou beijoquice. Nada, porém, nos impede de as usar ou nos obriga a substituir por outras que ali estejam atestadas. Quanto à distribuição, é natural que pre-, sendo átono, tenha um comportamento clítico, formando uma única palavra prosódica com a base, ao passo que pré-, tendo acento próprio, tenha tendência para incorporar complexos prosódicos, sobretudo quando a base tem mais material fonético, sendo assento para um acento secundário. Além disto, a tendência, parece-me, será, com a frequência e habitualidade, de crescente preferência para o pre-, com a gradual perda de noção de composicionalidade semântica (quantos tomaremos ainda preencher por pré+encher?), sendo pré- preferido  para formações ocasionais e pre- tendencialmente usado em palavras em que sincronicamente não há noção da derivação. Tudo isto além, é claro, dos imprevisíveis processos de analogia que acompanham essa perda de noção de composicionalidades e que gerarão naturalmente assistematicidades.

Nada justifica o tipo de crítica que se faz, salvo uma visão erroneamente simplificadora daquilo que é complexo. A língua (e sua “subsidiária”, a ortografia) não pode, por sua própria natureza, ser reduzida a códigos de precisão matemática nem seriam propostas como esta agora feita ao Senado que permitiriam tal coisa. O uso é dinâmico e, como a história mostra claramente, produz tanto sistematicidades como assistematicidades. Uma faixa de indefinição ou instabilidade não constitui, por isso, problema. Ao contrário, mostra apenas que a prática e o senso linguístico dos falantes está em funcionamento. Isso nada tem que ver com regras de ortografia. O tempo vai indicando o rumo da estabilização. Em matéria de língua e ortografia, é preciso qualificar o debate, retirando-o do palpitismo.

 

TN –  O senhor pode explicar a situação de Portugal e dos demais países da CPLP em relação à implantação do Acordo? Portugal continua opondo resistência à unificação gráfica? Algum país ainda não ratificou o Acordo?

CF – Por desinformação, criou-se aqui no Brasil um mito de que Portugal continua se opondo à unificação das bases ortográficas. Confundem-se opiniões individuais publicadas, algumas até bem virulentas, com o real posicionamento daquele país. O que temos de fato é o seguinte: Portugal foi o primeiro país a ratificar o Acordo já em 1991, mostrando claramente seu comprometimento político com o fim da dualidade de ortografias oficiais. Depois, ratificou os Protocolos Modificativos em 2008. Pela Resolução 8/2011, o Conselho de Ministros deu início à implantação do Acordo naquele país a partir de 01/01/2012 em todas as esferas da administração pública e no sistema educativo a partir do ano letivo de 2011-2012. A mesma Resolução reiterava que, pelo Aviso 255/2010, o Acordo já se encontrava em vigor na ordem jurídica interna desde 13/05/2009 com carência de 6 anos para sua entrada definitiva em vigor, o que vai ocorrer, portanto, em 13/05/2015, sete meses e meio antes de sua vigência definitiva no Brasil.

O AO é neste momento aplicado plenamente por todos os serviços do Estado português. Vem sendo gradualmente aplicado em todos os níveis de ensino há mais de três anos, com o apoio explícito da Associação de Professores de Português e das associações de pais e sem que se notem particulares problemas da parte dos professores. No presente ano letivo, passou a ser aplicado obrigatoriamente nas últimas disciplinas (Português e Matemática de 9º ano), sendo também exigido como única grafia válida em todos os exames. O AO é aplicado em Portugal por todas as grandes redes televisivas e pela quase totalidade dos canais por cabo. O AO é há anos aplicado por todos os operadores de telecomunicações (MEO, ZON, Vodafone), por mais de 90% do mercado editorial (grupos Leya e Porto Editora, entre outros), por 9 dos 10 jornais mais vendidos (a exceção entre os mais vendidos é o jornal Público, de Lisboa, o nono mais vendido), pela quase totalidade das maiores empresas (bancos, todas as empresas de eletricidade e energia, etc.), além, é claro, das universidades e dos organismos dependentes do Governo e da própria Assembleia da República (a exceção é a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que não determinou ainda a obrigatoriedade definitiva do AO, permitindo as duas grafias), bem como todos os partidos com representação parlamentar (o último foi o Partido Comunista) e pela própria Assembleia da República, pelo Governo e pela União Europeia (há anos).

O desenvolvimento dos instrumentos de aplicação do AO em Portugal (VOP e Lince) incluiu especialistas de seis instituições muito representativas: Academia das Ciências de Lisboa, Universidade de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Minho, Direção Geral de Tradução da União Europeia, ILTEC (Instituto de Linguística Teórica e Computacional). É preciso também destacar que tanto o Poder Legislativo como o Judiciário têm sistematicamente recusado iniciativas que solicitam que o país se desvincule do Acordo. A implantação do Acordo em Portugal, portanto, é já quase universal e o ciclo se encerra em maio de 2015.

Os demais países vêm progressivamente implantando o Acordo desde 2009. A situação está ainda indefinida em Angola e Moçambique. Neste, o Conselho de Ministros encaminhou recomendação ao Parlamento em 2012 para que ratificasse o Acordo. De qualquer forma, Moçambique já organizou, com base no Acordo, seu Vocabulário Ortográfico Nacional, concluído em maio último e já incorporado ao Vocabulário Ortográfico Comum. Isso claramente sinaliza que o país está se encaminhando para ratificar e implantar o Acordo.

O Parlamento de Angola ainda não ratificou o Acordo. No entanto, o governo daquele país foi o que deu até agora a maior contribuição financeira para a execução do VOC (Vocabulário Ortográfico Comum), o que também sinaliza o compromisso do país com o Acordo. Além disso, vem trabalhando na elaboração de seu Vocabulário Ortográfico Nacional a ser incorporado ao VOC. Tanto em Moçambique quanto em Angola se defendeu que o VOC era pré-requisito para a implantação do Acordo. Essa atitude é plenamente compreensível, considerando que nenhum deles dispunha de um Vocabulário Ortográfico Nacional. Mais ainda: o português nestes dois países incorpora continuamente muitas palavras das línguas bantu e é preciso estabelecer as bases para a incorporação ortográfica desses empréstimos. Os especialistas em linguística bantu daqueles países vêm pesquisando as melhores soluções para isso, o que, obviamente, toma tempo, mas, de novo, sinaliza o compromisso com o Acordo. Os pesquisadores de Moçambique, por exemplo, já consolidaram essas bases, em discussões entre especialistas nos últimos anos na Universidade Eduardo Mondlane, e as aplicaram na elaboração de seu Vocabulário Ortográfico Nacional.

 

TN –  Na audiência, em Brasília, afirmou-se que o Acordo foi feito pela Academia de Ciências de Lisboa e pela Academia Brasileira de Letras, cada uma dessas instituições possuindo apenas um especialista em lexicografia. Foi assim mesmo?

Sempre me espanta a desinformação em qualquer debate, assim como sempre me assusta a tentativa de esconder a história ou de reescrevê-la. O Acordo, como disse antes, foi precedido de quase 70 anos de debates. Nessas décadas, muitos linguistas e filólogos de ambas as academias, portuguesa e brasileira, se debruçaram sobre o assunto, bem como especialistas que não estavam afetos a cada academia, mas eram, sim, professores universitários de Linguística e Filologia (houve conferências e discussão pública em 1931, 1943-1945, 1967, 1975 e antes e depois de 1986 já agora incorporando especialistas dos outros países de língua oficial portuguesa). Houve, pois, inúmeras ocasiões para discutir o Acordo em âmbito técnico. Nessas ocasiões, a unificação das bases da ortografia foi sempre pensada em termos de grandes caminhos, sendo pesadas as diferentes opções técnicas gerais possíveis para obter o máximo de harmonização e aceitação política e social.

Nunca me lembro de ler a opinião de algum técnico envolvido nestas discussões defendendo uma reforma profunda à nossa grafia, de tão desavisado que tal seria. Por outro lado, não há nenhum motivo para desqualificar as duas Academias. Podemos, obviamente, discutir criticamente soluções que encaminharam aqui ou ali e os instrumentos que elaboram (isso faz parte do jogo), mas não podemos negar que elas construíram uma longa tradição lexicográfica que é, indiscutivelmente, um patrimônio da cultura de língua portuguesa e tem constituído o ponto de partida e referência para garantir a estabilidade da ortografia. E fizeram isso não só com a contribuição de seus membros, mas constituíram grupos permanentes de pesquisas na área – a Comissão de Lexicografia e Lexicologia da ABL e o Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da ACL. Ambas as Academias sempre souberam também solicitar a contribuição de especialistas das Universidades.

Nada se fez ex-nihilo,como parecem sugerir algumas intervenções nas audiências na Comissão de Educação do Senado, e o objetivo sempre foi o de conseguir a unificação das regras de ortografia entre os países, objetivo que estamos quase a atingir neste momento, ao fim de quase um século  de discussão e negociação.

TN –  O PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) já adotou as mudanças? Novas alterações a esta altura acarretariam prejuízo ao erário? Qual é a posição do mercado editorial sobre isso?

CF – Sim, o PNLD adotou a ortografia do Acordo já a partir de 2010. A Comissão que assessorou o governo federal no processo de implantação do Acordo em 2008 (da qual fiz parte) teve este cuidado: propôs que o prazo para a vigência definitiva do Acordo levasse em conta o cronograma do PNLD. Trata-se, como sabemos, do maior programa editorial do Brasil, que envolve altíssimo investimento de dinheiro público. Qualquer nova alteração traria enormes prejuízos ao erário. Mas também traria enormes prejuízos às editoras brasileiras (todas vêm adotando a ortografia do Acordo nas reedições e novas edições desde 2009) e à imprensa (que adotou o Acordo no seu primeiro dia de vigência em janeiro de 2009).

Quando ouço e leio que há gente defendendo novas (e até radicais) mudanças, me pergunto se a intenção de fundo não é quebrar o parque editorial brasileiro. Os editores são contrários a qualquer nova mudança. Uma primeira manifestação nesse sentido foi feita oficialmente pela ABEU – Associação Brasileira de Editoras Universitárias. Seu documento, muito bem fundamentado, foi enviado à Comissão de Educação do Senado. A informação que tenho é que a Câmara Brasileira do Livro está também acompanhando de perto o assunto para eventuais medidas contra novas mudanças. A CBL, aliás, promoveu, na última Bienal do Livro em São Paulo, uma mesa-redonda na qual se debateram essas questões.

TN – O senhor pode explicar o que será o VOC (Vocabulário Ortográfico Comum)? Já há um prazo para a sua publicação? O VOC estabelecerá nomenclatura científica, topônimos e grafia de estrangeirismos?

O VOC é um instrumento previsto no texto do Acordo de 1990. É um instrumento necessário para servir de referência geral da ortografia resultante da unificação das bases ortográficas. É um vocabulário ortográfico não apenas nacional – como até 1990 – mas um instrumento geral consolidador da ortografia definida pelo AO com a representação das formas gráficas do vocabulário comum corrente em todos os países de língua oficial portuguesa. Como o VOC agrega os Vocabulários Nacionais de cada país, ele registra também palavras correntes em apenas um ou em alguns dos países. É possível, então, uma consulta geral obtendo os espaços de que é característica cada forma e suas eventuais variantes, quando existam, assim como é possível uma consulta específica, na medida em que cada Vocabulário Nacional mantém sua integral autonomia no interior do VOC. Sendo um vocabulário que registra todas as variedades nacionais do português, o VOC será um instrumento imprescindível de normalização ortográfica e poderá servir, no futuro, de base para um grande dicionário geral da língua.

O VOLP-Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da ABL não é um instrumento de referência geral porque apenas adaptou a antiga ortografia brasileira ao AO, abrange apenas o vocabulário corrente no Brasil e não deu representação às formas facultativas. O VOP-Vocabulário Ortográfico Português registra formas facultativas, mas, por ser um vocabulário basicamente português, não serve de referência geral do vocabulário comum. O VOC é, então, o instrumento que consolida a ortografia prevista no AO e abrange todos os países de língua oficial portuguesa. É uma base de dados lexicais eletrônica, de grande escala e aberta, que vem atender a necessidade da implementação da ortografia prevista no AO, bem como instaurar uma nova metodologia de trabalho conjunto dos países da CPLP na área do léxico da língua.

TN – O senhor poderia explicar como essa nova metodologia de trabalho torna possível, numa perspectiva de presente e de futuro, manter a unificação da ortografia nos países de língua oficial portuguesa?

A metodologia foi desenvolvida segundo o padrão tecnológico mais avançado existente na área. Essa base tecnológica de ponta permite: (a) ampliar as informações disponíveis sobre cada item lexical, quais sejam, o paradigma flexional, a divisão em sílabas e a marcação da sílaba tônica; (b) permite o reaproveitamento para ferramentas de processamento da linguagem natural (como os corretores ortográficos) e para pesquisas científicas; (c) facilita as consultas dos especialistas e do público em geral; e  (d) deixa pronta a via para futuras atualizações.

A sua elaboração tem também outro efeito importante, qual seja, a consolidação de critérios mais objetivos para resolver contextos ortográficos tradicionalmente problemáticos, como as regras de hifenização e a adaptação de palavras importadas de outras línguas. Há, portanto, toda uma dimensão generalizadora no VOC que pautará sua atualização futura e a gestão conjunta da ortografia do português. O VOC foi apresentado na  X Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Díli (Timor-Leste) em 23 de julho de 2014. Na Declaração Final dessa Cimeira, os Chefes de Estado e de Governo incluíram o VOC no patrimônio da CPLP, reconhecendo e recomendando seu desenvolvimento. A elaboração do VOC foi atribuída ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa pelo Plano de Ação de Brasília saído da I Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, realizada pela CPLP em Brasília em março de 2010. O IILP procurou o centro mais avançado no espaço da língua portuguesa em pesquisas lexicográficas na área do processamento de língua natural, identificando-o no ILTEC-Instituto de Linguística Teórica e Computacional, que está hoje integrado à Universidade de Coimbra. Assinou, então, um acordo de cooperação técnica com esse Instituto pelo qual o ILTEC assumiu a planificação e execução técnica do VOC, aproveitando sua experiência no desenvolvimento de várias ferramentas ortográficas, em especial o  VOP – Vocabulário Ortográfico Português, que foi adotado como referência oficial na aplicação do AO em Portugal pelo Conselho de Ministros em 2011.

O IILP fez também gestões junto ao governo português e à Academia Brasileira de Letras para obter a cessão das bases do VOP e do VOLP, respectivamente, para serem integradas ao VOC como o VON-Portugal (Vocabulário Ortográfico Nacional de Portugal) e o VON-Brasil (Vocabulário Ortográfico Nacional do Brasil). Ambas as gestões foram exitosas, o que garantiu um excelente ponto de partida para a elaboração do VOC, que agrega, pela primeira vez na história, as bases ortográficas portuguesas e brasileiras num único instrumento de referência, o que é uma grande vitória.

A esses Vocabulários se somaram, posteriormente, o Léxico do NILC -Núcleo Interinstitucional de Linguística Computacional da USP/ São Carlos e da Univ. Federal de São Carlos (que serve de base aos corretores ortográficos que operam acoplados ao processador de textos Microsoft Word no Brasil), o Vocabulário Atualizado da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa e o Corpus Brasileiro da PUC/SP. O IILP realizou uma reunião técnica internacional sobre o VOC em setembro de 2011, na cidade da Praia, Cabo Verde. Nessa reunião foram definidos, entre outros, os procedimentos para a elaboração de Vocabulários Ortográficos Nacionais dos países que ainda não dispunham de um. Ficou também estabelecida a constituição de um Corpo Internacional de Consultores com especialistas de cada país da CPLP para atuar junto à Equipe Central do VOC, analisando tecnicamente os critérios propostos por ela para chegar a um consenso interpretativo e contornar, quando necessário, eventuais omissões e ambiguidades do texto do AO.

Os trabalhos se desenvolveram a contento e uma primeira versão do VOC, incluindo o Vocabulário Nacional de quatro dos oito países de língua oficial portuguesa (Brasil, Moçambique, Portugal e Timor-Leste) foi apresentada em Lisboa na II Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, em outubro de 2013, sendo reconhecido oficialmente, já com a entrega para incorporação posterior do VON de Cabo Verde, na X Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP. O VON de São Tomé e Príncipe está em fase de validação e está previsto para dezembro próximo o lançamento oficial dessa grande base lexicográfica com pelo menos quatro países representados. Posteriormente, serão incorporados também os Vocabulários de Angola e Guiné-Bissau.

Os resultados alcançados até agora pelo projeto do VOC devem, sem dúvida, ser amplamente comemorados, considerando que representam significativos avanços na lexicografia do português e para uma real aproximação em sua normalização, já não apenas no plano político e legal, materializado no AO de 1990, mas também na efetiva aplicação técnica comum das normas dele resultantes. A questão terminológica fica para um outro momento, mas tem no VOC boas bases. No Plano de Ação de Brasília há uma diretriz sobre um futuro projeto de normalização terminológica. Será um projeto ambicioso, considerando a magnitude do problema terminológico em língua portuguesa que decorre do fato de essa questão nunca ter sido levada técnica e sistematicamente à frente, o que estimulou e continua a estimular indesejável divergência terminológica.  Essa situação só será enfrentada e resolvida adequadamente com a organização e publicação de glossários em que os termos técnicos apareçam definidos com precisão e haja, pelas equipes de especialistas, ou a opção por um dos termos divergentes ou o estabelecimento de equivalências entre termos diferentes já consolidados. E essas tarefas todas não se fazem apenas por meio de um vocabulário ortográfico. Essa diretriz foi incorporada ao Plano Estratégico de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior da CPLP para o período 2014-2020, atribuindo-se ao IILP-Instituto Internacional da Língua Portuguesa a tarefa de coordenar o referido projeto, que já foi aprovado pelo Conselho Científico do Instituto em sua última reunião ordinária, em maio de 2014.

TN – Por tudo o que o senhor explicou, por todas as informações generosamente disponibilizadas a este blog, tenho muito a lhe agradecer – em nome também dos nossos leitores de fato interessados no tema. E, para terminar, gostaria que o senhor dissesse se acha que o AO pode ser chamado de “Desacordo Ortográfico”.

CF – É claro que não. O Acordo foi feito com o único objetivo de dissolver a dualidade de ortografias oficiais que constituía um embaraço à internacionalização e ao futuro da língua. Seu objetivo não era unificar a grafia de todas as palavras, mas as bases da ortografia, ou seja, reunir num único formulário com valor legal internacional as regras que configuram a ortografia. Por isso, admitiu formas facultativas em alguns poucos casos (e não, como alguns disseram exageradamente, uma multiplicação desordenada de formas facultativas). Eu diria que o Acordo de 1990, consolidando 70 anos de discussões, alcançou plenamente seu objetivo. Por isso, foi, é e será um grande sucesso.

 

 

 

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Acordo Ortográfico é discutido no Senado https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/11/06/acordo-ortografico-e-discutido-no-senado/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/11/06/acordo-ortografico-e-discutido-no-senado/#comments Thu, 06 Nov 2014 22:02:19 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=721 Na primeira de duas recentes audiências públicas promovidas pela Comissão de Educação do Senado para a discussão do Acordo Ortográfico (21 e 22/10/14), estive ao lado do prof. Evanildo Bechara, que representou a Academia Brasileira de Letras,  do professor Antonio Martins de Araújo , presidente da Academia Brasileira de Filologia, e de Ernani Pimentel, professor de português e proprietário de um curso preparatório para concursos públicos em Brasília. portugues em dia

A mesa foi presidida pelo senador Cyro Miranda (PSDB-GO), presidente da Comissão. Na segunda audiência, presidida pela senadora Ana Amélia (PP- RS), vice-presidente da Comissão de Educação, estiveram à mesa o professor Evanildo Bechara,  a professora  Stella Maris Bortoni, da Abralin (Associação Brasileira de Linguística),  o professor Pasquale Cipro Neto e o professor Carlos André Pereira Nunes, advogado, professor de português e proprietário de um curso preparatório para concursos públicos em Goiânia.

ORTOGRAFIA FONÉTICA

O professor Pimentel,  que acredita na necessidade de  mudança do sistema ortográfico do português, apresentou sua proposta de ortografia fonética. Nenhum dos presentes demonstrou apoio a ela, à exceção do senador Fleury  (DEM-GO), que, da plateia, contou ser professor de matemática.

Como era esperado, o professor Evanildo Bechara e a professora Stella Maris Bortoni apresentaram argumentos  contrários a uma mudança radical, como a que preconiza o prof. Pimentel. De minha parte, procurei demonstrar que a adaptação ao Acordo vem ocorrendo de maneira tranquila entre os profissionais da imprensa e que as dificuldades que se apresentam exigem de nós, professores, sair do “piloto automático” e buscar novas formas de explicar. Assumi um ponto de vista inverso ao do professor Pimentel. Para ele, é preciso simplificar a ortografia para que o professor consiga ensiná-la. No meu entender, precisamos melhorar as nossas aulas – e isso quer dizer mudar o enfoque do ensino de língua.

O suposto argumento de que uma ortografia calcada na fonética é mais lógica e, portanto, mais fácil de apreender e menos custosa, inclusive do ponto de vista financeiro, peca por ser simplista. É simplista por pressupor que o problema da alfabetização se resolva com o ensino do bê-á-bá em alguma cartilha. É simplista por menosprezar a dimensão do problema, ao supervalorizar a capacidade de decodificação de letras sem se importar com o processo de letramento. Como lidar com o analfabetismo funcional? Esse é o verdadeiro desafio.

Minha apresentação no Senado foi centrada nos aspectos técnicos, o que, a meu ver, mostraria que, embora a adaptação não se dê da noite para o dia, o processo em curso está bastante avançado no Brasil entre aqueles que trabalham com a língua escrita. Os livros que vêm sendo editados de 2009 para cá, como sabemos, já têm a grafia adaptada às novas regras. Onde estão os “absurdos” e incoerências perpetrados pelo Acordo Ortográfico? Quais são as mudanças incompreensíveis, que teriam motivado os milhares de e-mails que a Comissão de Educação do Senado disse ter recebido?

IMPRENSA

Procurei mostrar o papel da imprensa nesse processo –e falei pela Folha de S. Paulo, onde atuo como consultora de língua portuguesa desde 1999 – chamando a atenção para o fato de que, desde o primeiro dia da implantação do Acordo, o jornal produziu todo o seu conteúdo em consonância  com as novas regras. Para que isso fosse possível, desde novembro de  2008, treinei as equipes da Folha e do UOL, inclusive as das sucursais (Brasília, Rio de Janeiro e Ribeirão Preto). O  jornal publicou na Primeira Página de 1º de janeiro de 2009 um resumo das principais mudanças e, ao longo do processo, abriu espaço para esclarecimento de dúvidas e para discussões sobre o tema, inclusive para as críticas feitas ao Acordo.

Num primeiro momento, muitos professores foram críticos ao Acordo, ou por não verem nele muita utilidade como instrumento de estímulo ao intercâmbio cultural entre os países lusófonos ou por saber que as diferenças da língua nos vários países em que ela é falada jamais seriam eliminadas.

FILIGRANAS

Essa questão, no entanto, foi superada. Venceu a ideia de unificar a ortografia e, assim,  promover a língua portuguesa e a união dos países em que ela  é o idioma oficial. O gesto político de unificação é positivo e, de resto, as mudanças são poucas e simplificadoras. Contestações a esse processo com base em filigranas que podem ser corrigidas em errata ou nova edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa parecem um exagero. Há quem tenha tentado desmerecer o Acordo procurando no seu texto erros de digitação ou questionando o uso da vírgula antes da abreviatura “etc.”.

CONCURSO PÚBLICO

O professor Carlos André centrou sua argumentação contrária ao Acordo nas questões de concursos públicos que cobram dos candidatos o uso do hífen com o prefixo “pré”.  Como bem lembrou, o emprego de muitas pessoas depende desse tipo de conhecimento, pois essas questões reprovam  candidatos que pleiteiam  uma vaga no funcionalismo por meio de concurso público. O problema desse argumento é que ele menos embasa uma crítica ao Acordo ou ao sistema ortográfico vigente do que põe em relevo o absurdo (este sim!) de tal tipo de pergunta ainda figurar numa prova de português para concurso público. Que tipo de competência linguística se pode aferir com perguntas desse tipo?

Questões desse teor, aliás, estimulam uma visão de língua muito antiquada, para dizer o mínimo. Partem do pressuposto de que a língua tem uma fixidez que ela, de fato, não tem. Estimulam uma espécie de virtuosismo linguístico que confunde o conhecimento da língua com a suposta erudição de quem decora listas, seja de coletivos, seja de superlativos eruditos, cujo conhecimento seria muito mais valioso se proveniente da leitura comparativa de textos de diferentes épocas e de diferentes fontes, ou seja, inserido na realidade dinâmica da língua, não mergulhado em listas sem objetivo.

Os professores que são proprietários de cursos preparatórios para esse tipo de prova devem, de fato, enfrentar um grande problema, mas talvez pudessem usar seu empenho e energia numa campanha pela melhoria do nível das perguntas desses exames.

LEXICÓGRAFOS

Há quem questione as interpretações  dadas pela ABL a pontos não totalmente claros no texto do Acordo. Note-se que tais interpretações foram dadas por lexicógrafos, não por quaisquer pessoas sem conhecimento da história da ortografia.  As críticas partem , no entanto, de professores que não têm formação específica nessa área.

Vale lembrar que há uma diferença entre Acordo Ortográfico e reforma ortográfica. A diferença está no objetivo e na dimensão de cada um. O intuito do Acordo era unificar divergências ortográficas que havia entre  o Brasil e Portugal, portanto o texto partiu dessas diferenças. Nos países africanos e no Timor Leste, o português convive com outras línguas locais, donde haver mais diferenças ainda, porém vale ressaltar que esses países assinaram o Acordo expressando o desejo comum de ver a língua portuguesa como fator de união da comunidade lusófona. Ressalte-se ainda que está em andamento o VOC (Vocabulário Orográfico Comum), documento que reunirá os Vocabulários Ortográficos Nacionais de todos os países signatários do Acordo.

O SENADO

Não há dúvida de que o Senado seja foro legítimo para o debate sobre o Acordo Ortográfico e isso exatamente por ser o texto um acordo internacional, não uma reforma ortográfica de âmbito nacional. Posto isso, cabe lembrar que a proposta de mudança de sistema ortográfico, a que se tem dedicado o professor Ernani Pimentel, extrapola o âmbito do debate sobre o Acordo Ortográfico de 1990. O professor, no entanto, representa o Senado brasileiro em missões no exterior, aonde tem levado sua proposta de ortografia fonética.

Vale dizer que, obviamente, ele pode levar suas ideias a qualquer lugar, mas é preocupante que o faça  em nome do Senado brasileiro, pois, dessa forma, passa a impressão de que os brasileiros desejam esse tipo de mudança, coisa que nem de longe se pode afiançar, apesar da incontestável simpatia com que o professor defende a causa que abraçou e das ótimas relações que estabeleceu na Comissão de Educação do Senado, cujos membros não se cansam de enaltecer suas qualidades e as dos seus pares, num amistoso clima de confraria.

Embora não estivesse no escopo do debate, ressurgiu das trevas uma menção ao “livro que ensinava errado” (alusão ao livro “Por Uma Vida Melhor”), uma história que já imaginávamos devidamente esclarecida, mas que a senadora Ana Amélia lembrou, deixando claro que se posicionava contrariamente aos pressupostos pedagógicos da autora. Esse é outro capítulo, mas mostra o tipo de enfoque dado pela Comissão de Educação ao ensino de língua.

ACORDO ORTOGRÁFICO: PROBLEMAS

É verdade que restou uma pequena lista de exceções referentes ao uso do hífen que só se explica pela necessidade de respeitar os exemplos citados no texto oficial. As palavras cor-de-rosa, arco-da-velha, pé-de-meia, água-de-colônia e mais-que-perfeito lá ficaram registradas com hífen, enquanto termos que lhes são análogos perderam os hifens, segundo a interpretação da ABL. Minha sugestão foi que se eliminassem essas exceções, que só têm servido para dar munição à crítica ao Acordo e à sua implantação.

Não deixa o problema de ser uma filigrana, dado que são apenas cinco palavras pinçadas num léxico de mais de 300 mil.

O acento diferencial da forma verbal “para”, eliminado no Acordo, ainda deixa saudade em alguns professores, mas a seu favor esses mesmos professores só têm exemplos por eles mesmos criados, fora de contexto e, portanto, fora da realidade. Levei exemplos reais, extraídos de manchetes da Folha de S.Paulo, por meio dos quais se percebe que o contexto resolve as possíveis ambiguidades. Ainda assim, sugeri que esse acento pudesse ser facultativo, como o de “fôrma”, que, embora não se registre na lista de palavras do VOLP, pode ser usado para desfazer ambiguidades, ou o da forma verbal  “dêmos” (presente do subjuntivo), quando necessário fazer distinção de “demos” (pretérito perfeito do indicativo).

O professor Evanildo Bechara explicou, no entanto,  que somente o acento circunflexo permaneceu como diferencial no texto do Acordo (pôr, pôde, obrigatórios; fôrma e dêmos, facultativos),  o que inviabiliza essa ideia, já que fazer isso abriria a possibilidade de retorno dos demais diferenciais. Como se vê, o trabalho do lexicógrafo é minucioso e é preciso reconhecer que requer um conhecimento muito especializado.

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