Thaís Nicoleti https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br Sun, 25 Jul 2021 11:00:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Títulos ambíguos e títulos enigmáticos https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/04/29/titulos-ambiguos-e-titulos-enigmaticos/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2021/04/29/titulos-ambiguos-e-titulos-enigmaticos/#respond Thu, 29 Apr 2021 11:00:13 +0000 https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/Blake-Bailey-NYT-1619104403608192933bd1e_1619104403_3x2_lg-320x213.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1589 Um dos problemas típicos de textos jornalísticos, embora não só deles, é o uso de construções sintáticas ambíguas. Por que será que isso acontece?

Por um lado, é sempre um desafio criar um título sintético e chamativo que caiba no espaço destinado a ele. Caber é um dado importante e, às vezes, definidor de uma escolha. Essa é uma imposição da diagramação, que, não raro, põe o redator em palpos de aranha; a dificuldade, embora atenuada na versão online, nunca está de todo afastada. É por essas e também por outras que as ambiguidades nem sempre são percebidas no momento em que são produzidas.

Por outro lado, há estruturas da língua que predispõem ao risco da ambiguidade. É esse o caso dos pronomes possessivos de terceira pessoa (seu, sua, seus suas). Para ilustrar o problema, vale observar um título publicado na edição impressa do último dia 28 de abril (página B12):

 

 

O pronome possessivo “sua”, associado ao substantivo “obra”, pode remeter o leitor tanto ao biógrafo, como se desejava, como ao escritor Philip Roth. Vale notar que, como se está falando do biógrafo, em tese, é a ele que se refere o pronome, mas o contexto permite a segunda leitura.

Os pronomes possessivos de terceira pessoa, de fato, oferecem esse risco, daí a preferência de certos órgãos da imprensa pelas formas “deles” e “delas”. É disso, aliás, que fala Caetano Veloso quando, em sua canção “Língua”, nos sugere que “ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo”.

O título acima, no entanto, nada ganharia com a substituição de “sua obra” por “obra dele”, como se pode perceber, motivo pelo qual nunca fiz coro com recomendações generalizantes e abstratas do tipo “nunca use x”, “substitua x por y”. Convém considerar que o termo “obra”, aqui usado em referência a um livro (a biografia de Roth), é, por excelência, o termo empregado para tratar do conjunto da produção de um artista, sobretudo quando este já morreu. Certamente, essa escolha lexical contribui para a ambiguidade.

Mais um fator favorece a leitura indevida do título acima: o verbo “mudar”. Poderíamos imaginar que a circunstância em questão “muda” a leitura de quem conhece a obra de Roth. Lemos a obra de um modo e agora, à luz das revelações, nós a leremos de outro. Tal interpretação é reforçada pelo fato de ainda não termos tido acesso ao livro do biógrafo – se não o lemos, como a denúncia “mudaria” nossa leitura?

Alguns poderiam argumentar que, obviamente, a vida do biógrafo não influi na interpretação da obra do biografado. A esses recomendo reler com atenção o subtítulo (entre os jornalistas chamado de “linha fina”), em que se informa que as denúncias contra o biógrafo podem respingar no biografado, o que será explicado no decorrer do texto.

Vemos, portanto, que o título continha um problema. O fato de, em alguma medida, serem possíveis as duas interpretações (as denúncias mudam a leitura da biografia ou mudam a leitura da obra de Roth) só piora a situação, pois, se a intenção fosse dizer as duas coisas, isso deveria ser feito com clareza.

Diante da situação, tomou-se a decisão de reformular o título na versão online. Sendo sua parte (mais) problemática o trecho “sua obra”, optou-se pelo seguinte:

Saber se biógrafo de Philip Roth estuprou alguém muda a leitura

De ambíguo o título passou à categoria de enigmático, pois agora simplesmente não se sabe de que leitura se está falando: leitura de quê? O substantivo “leitura”, nesse caso, pede um complemento. O termo prescinde de complemento quando tomado em sentido geral, ou seja, como uma prática (O estímulo à leitura é muito importante nos anos iniciais da escola).

Não nos passa despercebida outra mudança nesse título: substituiu-se, em boa hora, o substantivo “estuprador” por “estuprou alguém”. Esse ponto é mais delicado, pois o referido biógrafo, Blake Bailey, foi acusado, mas ainda não foi julgado, o que nos aconselha a não tachá-lo de “estuprador” – por mais que ele nos pareça merecdor da alcunha. Proponho aqui duas alternativas ao título original e também à sua segunda versão, sabendo, de antemão, que nossos leitores poderão ter ideias melhores:

Biografia de Philip Roth é posta em questão depois de acusação de estupro contra seu autor

Biografia de Philip Roth terá leitura influenciada por acusação de estupro contra seu autor

Quem quiser propor outra redação para o título deixe seu comentário!

 

 

 

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Duplo sentido é problema comum em textos jornalísticos https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/12/duplo-sentido-e-problema-comum-em-textos-jornalisticos/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/07/12/duplo-sentido-e-problema-comum-em-textos-jornalisticos/#comments Tue, 12 Jul 2016 05:00:07 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1034 O tema de hoje do “Português em Foco” é a ambiguidade ou duplo sentido. Esse é um problema comum nos textos jornalísticos, que ocorre sobretudo nos títulos e nas lupas (nome dado aos trechos em destaque no início ou no meio do texto).

http://mais.uol.com.br/view/15924709

Fazer um título ou um desses destaques dá mais trabalho do que se imagina. É preciso sintetizar a notícia, informar seus aspectos mais relevantes, começar com o sujeito (de preferência, seguido de um verbo na voz ativa) e, é claro, adaptar as frases ao espaço, sem deixar lacunas nem dividir palavras.  Adão portugues em foco

Existem títulos de uma linha só, mas também aqueles de duas, três e até quatro linhas.  Observando a Primeira Página de qualquer edição, é possível ver títulos de vários tamanhos, dispostos em uma ou mais linhas. Esse problema  não existe só nas publicações impressas, como se pode imaginar à primeira vista. Na plataforma on-line, também há regras e limites.

Além disso tudo, o título é geralmente a última coisa que se escreve, quando o texto já está no momento de ser publicado.

MORTOS VIVOS ESTEDito isso, mãos à obra. Vamos entender por que certas construções permitem uma segunda leitura, que, mesmo sendo absurda, interfere na compreensão do texto ou, no mínimo, desvia a atenção do leitor para um efeito cômico secundário, naturalmente involuntário.

Na edição reproduzida acima (29.1.14), o problema ocorreu na lupa:

Dois mortos andavam pelo elevado de 120 t, que desabou sobre dois carros, onde estavam as outras duas vítimas

Antes de analisar essa frase, vamos lembrar mais um dado importante: na lupa, não se pode repetir palavra que tenha aparecido no título principal (Caminhão derruba passarela e mata quatro pessoas no Rio) e na linha fina (Caçamba do veículo, que trafegava em horário irregular, estava levantada).

O título informou que um caminhão derrubou uma passarela e que quatro pessoas morreram no acidente; a linha fina informou que o caminhão trafegava em horário irregular e com a caçamba levantada; a lupa, finalmente, deveria informar que duas das quatro pessoas que morreram estavam a pé sobre o elevado no instante do desabamento e as outras duas estavam em um carro que foi esmagado pelas 120 toneladas de concreto.

O redator poderia ter empregado “vítimas” no lugar de “mortos”: Duas das quatro vítimas andavam pelo elevado de 120 t, que desabou sobre dois carros, nos quais estavam as outras. É provável, porém, que o espaço não permitisse essa solução. De qualquer forma, a Redação reconheceu o defeito da construção e, no dia 31.1.2014, foi publicada correção na seção Erramos:

COTIDIANO (29.JAN, PÁG. C1) Por erro de edição, a frase em destaque na reportagem “Caminhão derruba passarela e mata quatro pessoas no Rio” foi mal redigida. A redação correta é “duas vítimas do acidente andavam pelo elevado de 120 toneladas”.

A notícia de que a maioria das pessoas que morreram em decorrência da gripe H1N1 pertencia a uma faixa etária que não tinha sido alvo da campanha de vacinação foi sintetizada assim: Maioria dos mortos por vírus no país não é foco de campanha de vacinação. Esse caso é interessante por vários motivos. Diferentemente do habitual, esse título é uma oração negativa, que, por isso mesmo, carrega em si um pressuposto. Quando dizemos que tais pessoas (os mortos!) não são foco de campanha de vacinação, estamos querendo dizer que deveriam tê-lo sido.

Note que o tempo verbal dos títulos é sempre  (ou quase sempre) o presente, o que parece agravar a situação. Estaríamos querendo dizer que os mortos devem ser foco da campanha de vacinação? É claro que não, mas como fazer? Tirar a palavra “mortos” e pôr o verbo no passado ajudaria: Maioria dos que morreram de gripe no país não era alvo da campanha de vacinação.

Vejamos mais um desses títulos que tratam os mortos como se estivessem vivos: Família ia dar carro blindado a médica morta por temer violência no Rio.  Agora, o caso é mais complicado. Não só se diz que a família daria um carro blindado a uma médica morta, o que em si é um problema, como se dá a entender que a médica foi morta por temer a violência no Rio, quando o fato de temer a violência era o motivo de a família ter a intenção de dar a ela o carro blindado. Este último problema se resolveria com um rearranjo dos elementos do período (Por temer violência, família ia dar carro blindado a médica).

Outros casos são mais simples de resolver. Vejamos este trecho:

O menino se desequilibrou e caiu em um pequeno canal que margeava a trilha. Sua irmã viu quando o enorme jacaré atacou o menino e começou a gritar.

A oração “e começou a gritar” pode estar coordenada tanto à oração principal “Sua irmã viu” quanto à subordinada “quando o enorme jacaré atacou o menino”. É claro que a intenção era coordenar “viu” e “começou a gritar”, como o contexto nos indica. Para evitar o segundo sentido, seria possível, por exemplo, eliminar o conectivo de coordenação (A menina, ao ver o enorme jacaré atacar seu irmão, começou a gritar/ A menina viu o enorme jacaré atacar seu irmão. Imediatamente começou a gritar por socorro).

ORDEM DOS TERMOS

Veja alguns exemplos de ambiguidade que se resolvem com o rearranjo dos elementos do período:

a. Dois anos mais tarde, o cientista deixaria definitivamente a Alemanha – ante o iminente acesso ao poder do nazismo – emigrando para os Estados Unidos, onde morreu em 1955.

A intenção era tratar do acesso do nazismo ao poder, portanto “do nazismo” é complemento de “acesso”, não de “poder”. Para evitar a sequência “poder do nazismo”, bastaria fazer uma inversão. Assim:

Dois anos mais tarde, o cientista deixaria definitivamente a Alemanha – ante o iminente acesso do nazismo ao poder – emigrando para os Estados Unidos, onde morreu em 1955.

b. Faltaram algumas linhas nos perfis publicados nos últimos dias de Carlos Alberto Direito, o novo ministro do STF.

A sequência “nos últimos dias de Carlos Alberto Direito” sugere estarmos falando de seus últimos dias de vida. Não era essa, porém, a intenção do texto, pois, na ocasião, Carlos Alberto Direito acabava de tornar-se ministro do STF. A expressão “de Carlos Alberto Direito” está ligada a “perfis”, não a “dias”, portanto deve aproximar-se de “perfis” e distanciar-se de outro substantivo que permita dupla leitura. Assim:

Faltaram algumas linhas nos perfis de Carlos Alberto Direito, o novo ministro do STF, publicados nos últimos dias.

c.  Músico apanha até a morte de PMs em São Luís

Esse foi um daqueles títulos de três linhas, sempre difíceis de fazer. A ambiguidade surge porque “de PMs” é um complemento do verbo “apanhar”, mas, na posição em que está, pode parecer um complemento de “morte”. Para resolver o problema, seria necessário alterar a ordem dos termos. Assim:

Em São Luís, músico apanha de PMs até a morte

POSIÇÃO DO PRONOME RELATIVO

A posição do pronome relativo é outro fator que pode desencadear um texto ambíguo. Veja o período abaixo:

Uma substância química similar a compostos presentes na maconha que é produzida naturalmente no cérebro ajuda a aliviar a dor, de acordo com cientistas americanos.

Temos a impressão de que se afirma que o cérebro naturalmente produz maconha.  O que se pretende dizer, no entanto, é que o cérebro produz uma substância similar a compostos presentes na maconha. O problema decorre da posição do pronome relativo (“que”), pois este retoma seu antecedente. E agora? Que fazer? Vejamos uma sugestão:

De acordo com cientistas americanos, o cérebro humano produz uma substância química que, similar a compostos presentes na maconha, ajuda a aliviar a dor

PRONOME POSSESSIVO

Os pronomes possessivos também podem ocasionar situações de duplicidade de sentido. Vejamos um caso:

Com apenas 7% da população, a Igreja Católica é uma das maiores e mais organizadas da África do Sul, dada sua fragmentação religiosa.

O pronome “sua”, embora se refira à África do Sul, pode ser associado à Igreja Católica. É claro que o leitor tende a rechaçar a interpretação inadequada, mas a organização sintática do período a autoriza. Para solucionar o problema, um caminho é a supressão do possessivo. Assim:

Com apenas 7% da população, a Igreja Católica é uma das maiores e mais organizadas da África do Sul, dada a fragmentação religiosa do país.

Esse tipo de problema é bastante comum e, vez ou outra, aparece em questões de exames vestibulares. Fique atento!

 

 

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Mudança na ordem dos termos evita duplo sentido https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/05/22/mudanca-na-ordem-dos-termos-evita-duplo-sentido/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2014/05/22/mudanca-na-ordem-dos-termos-evita-duplo-sentido/#comments Thu, 22 May 2014 18:32:34 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=623 “Pê-efe ‘secreto’ do McDonald’s não vale o preço, como os lanches”final portugues na folha

A frase foi título de uma crítica de gastronomia, publicada no caderno “Comida”, da Folha. À primeira vista, nenhum problema. Parece mesmo que o crítico, literalmente, “comeu e não gostou”.

O problema, percebido por algumas pessoas, está na segunda parte do enunciado, aquela iniciada pelo conectivo de comparação (“como”). Teria sido a intenção do autor estender a crítica aos lanches (nem o pê-efe nem os lanches valem o preço cobrado por eles) ou teria pretendido dizer que o pê-efe não vale o preço, como valem os lanches (os lanches valem, o pê-efe não)?

O texto que se segue a esse título, porém, não deixa dúvida de que, para o crítico, nem o pê-efe nem os lanches valem o preço que custam. Como, então, deixar isso claro já na chamada? A solução mais rápida (sempre haverá outras) seria fazer uma inversão da ordem dos termos. Note que, ao iniciarmos o período com o elemento comparativo, afastamos a ambiguidade. Veja:

Como os lanches, pê-efe “secreto” do McDonald’s não vale o preço

Por que será que isso acontece? O problema está na oração de verbo elíptico (subentendido) “como os lanches”. Posta no final do período, pode dar a entender tanto que o tal verbo elíptico está modificado pelo advérbio de negação quanto o contrário disso (vale/não vale); por outro lado, posta antes, seu significado será naturalmente idêntico ao da oração principal, portanto negativo, como queria o autor.

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