Thaís Nicoleti https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br Sun, 25 Jul 2021 11:00:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Dize-me (ou diz-me) com quem andas e te direi quem és https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2018/09/27/dize-me-ou-diz-me-com-quem-andas-e-te-direi-quem-es/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2018/09/27/dize-me-ou-diz-me-com-quem-andas-e-te-direi-quem-es/#respond Thu, 27 Sep 2018 14:03:15 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=1311 Os provérbios ou ditados populares, essas frases anônimas que exprimem uma espécie de verdade universal aplicável a grande variedade de situações, nunca saem de moda.

Um dos mais populares é o célebre “Dize-me com quem andas e te direi quem és”, que, no entanto, aparece frequentemente adulterado para “Diga-me com quem andas e te direi quem és”. A mistura de pessoas gramaticais (sobretudo a oscilação tu/você) é muito característica da fala brasileira, principalmente na região Sudeste e já no Sul do Brasil também.

O que chama a atenção nesse caso específico é que se use o imperativo da terceira pessoa na primeira forma verbal (“diga”) e que as demais formas, bem como o pronome átono (“te”), sejam mantidas na segunda do singular (”andas”, “és”).

Em São Paulo, diferentemente disso, a tendência é que os verbos no modo imperativo apareçam na segunda do singular (“Vem cá!”, “Olha isso!”, “Sai daí!”, “Pega um copo de água para mim, por favor!”, “Abre uma conta no banco”, “Compra uma capa para o seu celular”, “Mostra para ele que você tem ideias novas”, “Fica quieto!”, “Volta pra mim!”). Pode não parecer à primeira vista, mas, nessas frases tão corriqueiras e familiares, “vem”, “olha”, “sai”, “pega”, “abre”, “compra”, “mostra”, “fica” e “volta” são formas de segunda pessoa do singular, compatíveis com o tratamento pela forma “tu”, não pela forma “você”, sendo esta a que é majoritariamente usada pelos falantes.

Nos estados do Nordeste, muito provavelmente essas frases seriam ditas de outra forma: “Venha cá!”, “Olhe isso!, Saia daí!”, “Pegue um copo de água para mim, por favor!”, “Abra uma conta no banco”, “Compre uma capa para o seu celular”, “Mostre para ele que você tem ideias novas”, “Fique quieto!”, “Volte pra mim!”. Nessa região, tradicionalmente, o imperativo é usado também na terceira pessoa, sem mistura de pessoas gramaticais, de acordo com a norma-padrão da língua.

(Digo “tradicionalmente” porque, com a influência da internet, hoje é muito difícil caracterizar uma fala regional. A língua tende a manter-se livre de alterações nas comunidades mais isoladas. A intensa comunicação entre falares diferentes gera todo tipo de influência e somente as pesquisas científicas podem elucidar as características dessa diversidade, de modo que não há garantia de que essa oscilação já não esteja influenciando o falar nordestino.)

Hipóteses

O que talvez explique a adulteração do ditado popular é a falta de familiaridade com a forma verbal “dize”, imperativo da segunda do singular. Vale lembrar que “diz” seria uma variante possível de “dize” (“Diz-me com quem andas e te direi quem es”), também correta à luz da norma-padrão gramatical.

Quem é bom observador já percebeu que as formas do imperativo da segunda pessoa (“Vem, cá”, “Fica quieto” etc.) são idênticas às formas de presente do indicativo da terceira pessoa do singular (“ele vem”, “ele fica” etc.). Talvez esteja aí uma hipótese de explicação do uso delas também no imperativo de terceira pessoa (você).

Conjugação na segunda pessoa do singular

Nos primeiros anos escolares, quando se aprendem as conjugações verbais, os estudantes têm de memorizar o imperativo das segundas pessoas (tu e vós) conjugando o verbo no presente do indicativo e retirando das formas de segunda pessoa o “-s” final.

Se, no presente do indicativo, temos eu digo, tu dizes, ele diz, nós dizemos, vós dizeis, eles dizem, no imperativo teremos “dize (tu)” e “dizei (vós)”.

“Tu vai” vs. “Amai-vos”

Como essas formas são pouco usadas no dia a dia, a maioria das pessoas as esquece. O que se vê com frequência hoje é o uso do pronome “tu” com as formas de terceira pessoa (“tu vai”, “tu fica”), que, no entanto, não é aceito no padrão formal da língua.

Em frases feitas (frequentemente trechos memorizados da Bíblia ou orações cristãs), ainda aparece a forma “vós”: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”; “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei”; “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” etc.

Embora cada um possa se expressar como quiser, é bom ficar atento às situações em que se espera o uso formal da língua. Nesses casos, não se devem misturar as pessoas gramaticais.

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Acentuação e concordância intrigam leitor https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/02/23/acentuacao-e-concordancia-intrigam-leitor/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2016/02/23/acentuacao-e-concordancia-intrigam-leitor/#comments Tue, 23 Feb 2016 22:56:12 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=931 Nosso leitor Elisio Neves, com toda a razão, ficou intrigado com os textos de duas fotos, que gentilmente enviou ao blog. Na primeira delas, o que está em jogo é a acentuação gráfica; na segunda, um interessante caso de concordância verbal.  final o leitor quer saber

O olho atento a todas as manifestações da língua é uma ótima maneira de estudar. Na internet, não faltam pessoas que publicam fotos de erros gramaticais em tabuletas e cartazes com a intenção de fazer piada. Aqui vamos usar o material enviado pelo leitor para discutir a língua.

 

 

 

Vejamos a primeira delas:

LAMA SÊCA OU LAMA SECA?
LAMA SÊCA OU LAMA SECA?

 

A esta altura ainda há quem grafe “sêca”, assim, com acento?

Elísio nos lembra que a palavra “seca”, sendo uma paroxítona terminada em “a”, não poderia ter acento. De fato, é isso mesmo. Se as oxítonas terminadas em “a”, “e”, “o”, “em” e “ens” recebem acento, as paroxítonas que têm essa mesma terminação não o recebem.  É por isso que sofá, balé, quiproquó, vintém e parabéns têm acento, mas seca, balde, carro, homem e itens não o têm.

Nesse caso específico, porém, é possível que a pessoa que assim grafou a palavra ainda guarde na memória a época em que o termo tinha acento diferencial (distinguia-se “sêca”, substantivo, de “seca”, forma do verbo “secar”), antes da reforma ortográfica de 1971.

Nessa época, também se distinguia “côco” (a fruta) de “coco” /ó/ (bactéria). O acento desapareceu há 45 anos, mas ainda dá o ar da graça nas barraquinhas e carrinhos de vendedores de água de coco.

CARRINHO DE COCO

Há quem tente justificar essa tendência pelo fato de a palavra ser formada de duas sílabas iguais, mas há outros casos que se enquadrariam nesse tipo de percepção e que nem por isso fizeram aparecer acentos inúteis. Ninguém acentua “baba”, que aparece no doce “baba de moça”, “meme”, o neologismo do mundo das redes sociais, ou “Momo”, o rei do Carnaval, não é mesmo?

Outros dizem que o acento evita confusão com “cocô” (!). Essa palavrinha, sim, recebe o acento, já que é uma oxítona, certo?

No nosso país, existe certo apego pela grafia das palavras, como se elas fossem indissociáveis do nome em si. No caso dos nomes próprios, isso é muito visível, pois as pessoas podem decidir se querem escrever Carlos ou Karlos, Luiz ou Luís, sem considerar as normas de ortografia. Até os topônimos ficam imunes às regras da ortografia. Basta observar os sites das prefeituras Brasil afora ou adentro.

A segunda questão apresentada por Elisio Neves diz respeito à concordância verbal da frase que se lê no cartaz abaixo:

CONCORDÂNCIA CORRETA

CONCORDÂNCIA CORRETA

Ele pergunta se estaria incorreta a concordância verbal nesse cartaz, uma vez que o verbo está no singular (“causa”) e o sujeito é composto.

Se o sujeito fosse mesmo composto, a frase estaria incorreta. O que temos, entretanto, é um sujeito oracional, que equivale a um sujeito simples. O que causa inundação nos dias de chuva é “jogar lixo e entulho”. O núcleo desse sujeito é a ação de “jogar”, um verbo. É por isso que dizemos que o sujeito é oracional. A oração “jogar lixo e entulho” funciona como sujeito de “causar”. “Lixo” e “entulho” são núcleos do objeto direto de “jogar” e fazem parte do sujeito oracional. Por esse motivo, não há erro no cartaz acima.

Se você quiser enviar uma questão ou material para ser comentado no blog, entre em contato pelo e-mail thaisncamargo@uol.com.br.

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Concordância do verbo “ser” tem regras especiais https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/09/09/concordancia-do-verbo-ser-tem-regras-especiais/ https://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/2015/09/09/concordancia-do-verbo-ser-tem-regras-especiais/#comments Wed, 09 Sep 2015 23:46:12 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/?p=830 O verbo concorda em número e pessoa com o sujeito da oração. Certo? Sim, mas nem sempre. final portugues na folha

O comportamento do verbo “ser”, em algumas circunstâncias, desafia esse princípio de concordância. É o que ocorre, por exemplo, na seguinte passagem, extraída de um texto da Folha que noticiava o capotamento de um ônibus:

A maioria dos passageiros eram turistas. Fotos e vídeos publicados na internet mostram que grande parte dos passageiros eram jovens.

O sujeito da primeira oração do período é a expressão “a maioria dos passageiros”. Vale lembrar que o sujeito representado por um partitivo (no caso, “maioria”) seguido de plural admite duas formas de concordância: com o núcleo (“maioria”) ou com o especificador (“passageiros”), sendo esta última chamada de concordância atrativa.

Poderíamos, portanto, dizer que a maioria dos passageiros sofreu graves ferimentos ou que a maioria dos passageiros sofreram graves ferimentos. Isso é reconhecido pela tradição, como se pode aferir em qualquer gramática, mesmo que a muita gente pareça estranho dizer que a maioria das pessoas “fizeram” alguma coisa.

Em alguns casos, no entanto, nada haverá de estranho nesse tipo de concordância. Uma frase como “a maioria dos homens eram idosos” parece bem mais natural que “a maioria dos homens era idosa”. O mesmo vale para “um terço das mulheres estavam grávidas”, mais natural que “um terço das mulheres estava grávido”. O falante poderá optar pela construção que achar melhor, mas aquela que segue estritamente a regra de concordância com o núcleo do sujeito é artificial.

Nessas construções, temos verbos de ligação (“ser”, “estar”) seguidos de predicativos (“idoso/s”, “grávido/as”). Essa circunstância geralmente leva à opção pela concordância atrativa.

No trecho da reportagem mencionado acima, há convergência de duas situações: o sujeito representado por partitivo (“maioria”, “grande parte”) e o emprego do verbo “ser”.

Até aqui falamos sobre a primeira delas. Vamos, agora, tratar da segunda, isto é, das particularidades do verbo “ser” quanto à concordância.

Na “Moderna Gramática Portuguesa”, de Evanildo Bechara, por exemplo, lemos o seguinte:

Nas orações ditas equativas em que com “ser” se exprime a definição ou a identidade, o verbo, posto entre dois substantivos de números diferentes, concorda em geral com aquele que estiver no plural.

Isso é o que enunciam, de modo geral, as gramáticas tradicionais. Nenhuma novidade, portanto.

Nas frases “a maioria dos passageiros eram turistas” e “grande parte dos passageiros eram jovens”, o predicativo é representado por um substantivo (“turistas” e “jovens”, este usado no sentido de “pessoas jovens”).

Ignorando o especificador dos partitivos (“dos passageiros”) e considerando apenas o núcleo dos sujeitos, teremos o verbo “ser” entre substantivos de números diferentes (maioria/ turistas; grande parte/jovens). Que diz a gramática tradicional? O verbo “ser” concorda, em geral, com o plural. Assim: “a maioria eram turistas”; “grande parte eram jovens”.

O que se poderia criticar na passagem que nos serviu para exemplificar esse interessante caso de concordância é a repetição da expressão “dos passageiros”, facilmente substituível por “deles”.  A concordância, porém, está em consonância com a norma culta.

 

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