Hífen: casos especiais e grafias duplas
Agora que você já compreendeu o bê-á-bá da hifenização no novo sistema ortográfico, vamos tratar de alguns casos especiais.
As regras que estudamos não se aplicam aos prefixos co-, re-, pre- (átono) e pro- (átono). Como esses são prefixos terminados em vogal, poderíamos imaginar que obedecessem ao mesmo princípio dos demais (anti-inflamatório, anti-higiênico, antirracista, antissocial), mas não é o que, de fato, ocorre.
Num primeiro momento, houve quem pensasse que fôssemos passar a escrever palavras como “co-operar”, “co-optar”, “re-escrever”, “re-erguer” e outras tantas estranhezas. Nada disso. Esses prefixos monossilábicos juntam-se aos termos subsequentes sem hífen, mesmo havendo a duplicação da vogal: cooperar, cooperativa, coordenar, cooptar, reescrever, reerguer, reestruturar, preexistente etc.
Os prefixos pre- e pro-, átonos, prendem-se normalmente aos termos subsequentes, sem hífen (preaquecer, predeterminar, proatividade), mas existem as formas tônicas pré- e pró-, que, acentuadas, requerem hífen antes de qualquer termo a que se unam (pré-escola, pré-datado, pró-reitor). A dificuldade está em saber se é a forma átona ou a tônica que entra em determinada palavra. Isso não foi regulado pelo Acordo Ortográfico, portanto não houve nesse passo nenhuma mudança.
O que se observa é que as formações mais recentes vêm prefixadas com as formas tônicas (pré-datado, pré-escola, pré-fabricado, pré-operatório, pré-candidatura etc.). Com o tempo, porém, a forma tônica tende a se tornar átona — e esse é o motivo de encontramos pre- (sem acento) nas formações mais antigas (prefixo, preconceito, prejulgar etc.). Na dúvida, o melhor mesmo será recorrer aos dicionários ou ao site da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Em tempo: a ABL registra “pré-requisito” e “prerrequisito”, com o prefixo tônico (acento e hífen) e com o prefixo átono (sem acento e sem hífen, com “rr”). A dupla grafia reflete a hesitação de pronúncia — o tônico caminhando para o átono.
Um parêntese: há quem condene o termo “pré-requisito” (ou “prerrequisito”) não pela sua grafia, mas pelo seu significado. Argumenta-se que o requisito só pode ser prévio, já que é uma condição necessariamente anterior exigida para que se alcance determinado fim. “Pré-requisito” seria, então, uma redundância ou mesmo uma excrescência. Não podemos, porém, encerrar a questão sem considerar as variáveis que levam ao surgimento e à fixação de um termo na língua. Uma delas, que cabe lembrar aqui, é o poder enfático que o prefixo carrega nesse termo. Essa é uma discussão a que vamos voltar oportunamente.
Ainda falta tratar do comportamento dos prefixos monossilábicos e átonos (co-, re-, pre-, pro-) diante de termos iniciados por “h”. É bom que se diga que também nesse ponto houve muita confusão no início da implantação das mudanças, pois o texto do Acordo indicava a grafia “co-herdeiro”, mas a ABL a rejeitou, optando por “coerdeiro”, forma aglutinada sem “h”.
A escolha naturalmente não foi gratuita. Incorporar o hífen nesse caso implicaria, por coerência, passar a escrever “co-habitar”, “co-habitação” e, quem sabe, por analogia, “re-hidratar”, “re-hidratação” etc. Como já vimos, é sempre mais traumático fazer voltar uma letra ou sinal que já se perdera no tempo. A academia decidiu-se pelas formas aglutinadas, mais simples.
Note que, no caso específico do prefixo “co-“, o que imperava no sistema antigo era uma grande confusão. Valia o princípio de formações modernas com hífen e antigas sem hífen. Tínhamos “co-herdeiro” e “coabitar”, “cofuncional” e “co-fundação”, “cosseno” e “co-seno” (as duas formas coexistiam). Assim, louve-se a decisão de uniformizar a grafia dos termos iniciados pelo prefixo “co-“, agora todos sem hífen (copiloto, cogestor, corréu, coligar, coabitar, coerdeiro, coerdar, cosseno etc.).
Em tempo: o dicionário Houaiss decidiu manter as grafias “coerdeiro” e “co-herdeiro”.
A ABL, por sua vez, hesitou na hora de escolher entre “proativo” e “pró-ativo”. Resultado: valem as duas formas. No termo “proatividade”, porém, prevaleceu a forma aglutinada. Também nesse caso podemos observar o caminho da forma tônica (pró-ativo) rumo à atonicidade (“proativo”, “proatividade”).
Embora o tema possa parecer complicado quando visto nas suas minúcias, vale a pena observar a regularidade do processo de prefixação, sobretudo quando concorrem formas similares átonas e tônicas. No início, as formas tônicas prevalecem; com o desgaste imposto pelo uso e pelo tempo, cedem espaço às formas átonas.
Vale ainda notar que as formas prefixadas que têm verbos correlatos tendem à atonicidade. Mesmo quem ainda diz “pré-julgamento” já diz “prejulgar”. Quem ainda teima em dizer “pré-concebido” já diz “preconceber”. Nesses casos, entretanto, as formas corretas já são há bastante tempo prejulgamento e preconcebido.
Hoje o verbo “pré-datar” é escrito com prefixo tônico e hífen, mas quem conjuga esse verbo já percebe a forte tendência à atonicidade (“pré-datei” é a forma correta hoje, mas será que já não dizemos “predatei”?). Isso vai ficar para uma próxima reforma, daqui a algum tempo, quando as formas hesitantes puderem receber um aspecto definitivo.
Excelentes os comentários sobre asssunto tão controvertido e difícil para nós, os ignaros. Obrigado.
Boa noite, Thaís. Dada a dificuldade de se usar corretamente ou não o hífen, que dica vc daria para quem deseja escrever certo? Ler muito ou carregar consigo uma colinha com prefixos e suas regras, ou então ambas as coisas? Obrigado pela atenção. Confidência: és dona de um olhar arrebatador.
Boa noite, Thaís. Dada a dificuldade em se usar corretamente ou não o hífen, que dica você daria a quem deseja escrever certo: ler muito ou carregar consigo uma colinha com prefixos e suas regras, ou ambas as coisas? Obrigado pela atenção.
André, só a prática mesmo diminui a dificuldade de empregar o hífen corretamente. Primeiro, você deve tentar entender o princípio que está por trás da convenção; depois, o uso vai tornando mais fácil a tarefa. Fazer a “colinha” funciona para muita gente. 🙂
Consulta um dicionário e pronto. Isso não afeta a competência, o modo como alguém fala, pensa e defende ideias, por exemplo. Portanto, é quase um preciosismo, simples convenção à qual se tenta forçar alguma explicação supostamente “lógica”. A sintaxe também é convenção, mas ao menos é mais inteligente, segue princípios lógicos, tem relação com natureza íntima da linguagem etc. etc. Hífen, por sua vez, nem cai mais em nenhum concurso ou vestibular que se preze.
Mas respeito, é bom frisar, o plano pedagógico da Thaís.
Sintaxe não é uma convenção. Às vezes, é “lógica”, mas nem sempre. Não defendo a ideia de que se aprenda qualquer coisa com a finalidade única de provar que a conhece em algum exame ou prova de concurso, pois, no limite, isso parece um tanto sem sentido. É uma realidade, porém, que esses exames cobram certos conhecimentos e que, dessa forma, motivam pessoas a estudar, o que é positivo. Ao estudarmos as regras de ortografia (e todos os outros temas que vamos abordar), vamos conhecendo mecanismos, observando comportamentos da língua, percebendo semelhanças e diferenças. É claro que sempre se deve e se pode consultar um bom dicionário, mas por que não entender os mecanismos da ortografia e se enfronhar nos meandros da nossa bela língua? 🙂
O que a Sra. acha do uso do termo pré-agendado? Não estaria errado uma vez que quando agendamos algo/alguma coisa já é anterior e daí não precisamos do pré. Essa palavra está sendo muito usada no meio econômico. Será, novamente, uma cópia de alguma palavra de origem inglesa ou francesa? Abraços.
Alberto, é pertinente a sua observação. “Pré-agendar” faz parecer que se trata de algo anterior ao ato de agendar, o que não faz sentido. Do meu ponto de vista, é inútil. Basta “agendar”, que já é “pôr na agenda”, ou seja, marcar com antecedência.
Parabéns pelos comentários. Especialmente,
pelo que se refere aos prefixos pre- e pro.
Já fiz um estudo com base no Volp e duvido
que, sem alguém consiga identificar – em vários
desses casos – se a forma é átona ou tônica,
com hífen ou sem hífen.