Você conhece mesmo a nova ortografia?
Conforme o planejado, pretendo abordar as mudanças decorrentes do tão criticado Acordo Ortográfico. É mesmo difícil compreender a utilidade de fazer uma reforma ortográfica que não parece voltada à solução de problemas.
É bem verdade que seus idealizadores não usam o termo “reforma”. Dizem eles que foi feito um acordo de unificação, o que explica o fato de termos adaptado a nossa acentuação gráfica à do português europeu. Suprimir o trema e o acento de “ideia”, por exemplo, é fazer o que os portugueses já vêm fazendo há tempos. Isso não atendeu à solução de um problema nosso, mas foi ao encontro do projeto de unificação.
Muita gente tem reclamado da mudança pelo simples fato de … ser uma mudança! Para que mudar se podemos continuar como estamos? Essa resistência é normal e esperada. As pessoas mais velhas tendem a não ter paciência para reaprender as regras, o que também é normal.
Fazer essas pequenas adaptações, entretanto, não é nenhum bicho de sete cabeças (sem hífen agora). Ao se familiarizarem com as novas regras, as pessoas poderão julgar melhor a conveniência não do acordo em si, mas do seu resultado prático. Será que houve mesmo simplificação? Isso é bom? Do ponto de vista prático, ficou mais fácil ou não? Cada um poderá julgar depois de conhecer bem as novas regras.
A REGRA DO HIATO
Antes das mudanças, usávamos acento no “i” e no “u” tônicos (de pronúncia forte) que faziam hiato com a sílaba anterior. Você sabe o que é “hiato”?
Na fonética, é o grupo de duas vogais contíguas (seguidas) que pertencem a sílabas diferentes (sa-í-da, sa-ú-de, ego-ís-ta). Na linguagem figurada, o hiato é um intervalo ou uma lacuna. Usa-se expressivamente essa palavra (“Há um hiato entre as promessas de campanha e as realizações dos políticos”, por exemplo). Em anatomia, “hiato” é uma fenda no corpo humano. Um gastroenterologista pode explicar bem o que é uma “hérnia de hiato”.
Muito bem. Continuaremos acentuando “saída” e “saúde”, como sempre fizemos. A diferença agora é extrair o acento de palavras como “feiura” e “Bocaiuva”. O grupo de palavras afetadas por essa alteração é muito pequeno, mas devemos reconhecer que essa é uma regra inteligente. Vamos entender por quê.
Se não usássemos acento em “saída”, o hiato se transformaria em ditongo (como se lê em “laico”), logo compreendemos que o acento opera a distinção de pronúncia, motivo pelo qual é muito importante. Veja a distinção entre “saia” e “saía”.
Agora experimente ler “feiúra” – com acento – e “feiura” – sem acento. Pois é: nenhuma diferença. Isso tem uma explicação: embora haja um hiato, é um ditongo que antecede a sílaba tônica (“i” ou “u”). Assim: FEI-U-RA (antes do “u”, aparece o ditongo “ei”), BOCAI-U-VA (antes do “u”, aparece o ditongo “ai”). Essa sequência de vogais conduz a uma pronúncia única, de modo que o acento é inútil nesse caso. Essa regra altera a grafia do nome de um ponto turístico belíssimo do litoral baiano:
Os nomes próprios de lugares devem ser adaptados sempre que há uma reforma ortográfica. Não se trata de mudar o nome do local, mas de mudar a grafia do nome. Nomes de estabelecimentos comerciais e de pessoas podem ignorar as reformas e acordos ortográficos.
DICA
Não vale imaginar que, em Sauipe, feiura, boiuna, boiuno, Bocaiuva etc., ocorre tritongo. Nada disso. Tritongo é uma sequência de semivogal+vogal+semivogal lida de uma só vez, na mesma sílaba (PA-RA-GUAI, SA-GUÃO). Nas palavras que sofreram alteração, ocorre ditongo (vogal + semivogal) + vogal. Havendo duas vogais (inteiras), há duas sílabas – daí o hiato.
TODA REGRA TEM EXCEÇÃO?
Bem, vamos lá. Diga rápido qual é a palavra da língua que tem uma só consoante e quatro vogais? Pode ser que haja mais alguma, mas foi essa sonoridade do nome do Estado do Piauí que inspirou os criadores da (ótima) revista homônima.
Muito bem: PI-AU-Í. Temos aqui um caso muito parecido, pois o ditongo antecede o hiato. A diferença é que a palavra é oxítona. As oxítonas mantiveram o acento. Assim:
Para quem se encanta com as descobertas arqueológicas, o Piauí é um prato cheio, mas o Estado, embora não tenha muitas praias, conta com o belíssimo delta do rio Parnaíba (vale o passeio!).
Só para finalizar, veja como ficaram algumas palavras:
Olá, João, agradeço a sua observação. De fato, certos erros não deveriam ocorrer. Vou reforçar, no blog interno da Redação, o tema que você apontou. Abraços
Thaís, você mesma entregou o ouro! Tuiuiú é palavra de uma consoante só e não só quatro, mas cinco vogais. Paiaiá é outra.
Aiaçá (aiuçá) e aiuba têm só quatro vogais, como Piauí. Deve haver outras. Essa ocorrência é mais comum entre palavras autóctones.
Thaís, gostei da matéria, mas preciso apontar uma falha: PIAUÍ tem acento sim, mas a regra das oxítonas acentua A, E, O, EM, ENS e ditongos (ex.: constrói), e não acentua palavras terminadas em I ou U. PIAUÍ e TUIUIÚ têm acentos diferenciais, e não por serem oxítonas!
Sílvia, não são acentos diferenciais, pois essas palavras não têm homógrafos. Dê uma olhada na Base X do Acordo, que trata especificamente da acentuação das vogais tônicas grafadas i e u das palavras oxítonas e paroxítonas. Resumindo, a regra do hiato só mudou entre as paroxítonas. O mesmo, aliás, pode ser dito da regra do ditongo aberto. A acentuação de “destrói” tecnicamente não pertence às regras das oxítonas, mas o que importa é saber acentuar corretamente, certo?
Sugiro uma dica valiosíssima e simples, que eu mesmo sempre reforçava como diretor editorial e hoje aponto a pessoas próximas: RELEIA SEMPRE AO MENOS UMA VEZ TUDO O QUE ESCREVE! NUNCA PUBLIQUE NADA ANTES DE RELER COM ATENÇÃO!
O que se nota é que os repórteres e redatores não releem o que escrevem, visto que se observam muitos erros de simples digitação.
Abraços
João Guizzo