“Tipo assim”

Thaís Nicoleti

Você já ouviu (já falou também?) a expressão “tipo assim”? Será?

Pois bem. Já há algum tempo, quando faltam as palavras (quiçá as ideias), logo o falante que vai descrever ou contar algo a um interlocutor solta o célebre “tipo assim”. A expressão parece anteceder uma explicação, uma descrição ou uma narração cuja característica é a imprecisão. É como se o falante se desculpasse de antemão pela inexatidão do que está prestes a dizer.

Há quem use “tipo” ou “tipo assim” em todas as suas frases, angariando uma curiosa cumplicidade do seu interlocutor.

O nosso querido Adão Iturrusgarai tem feito ma série de tiras na Folha baseadas numa espécie de cacoete que se tornou muito comum na linguagem oral – pelo menos em São Paulo, onde o fenômeno é observável a olho nu (mesmo sem o apoio da investigação científica).

Nos quadrinhos, Adão parece ter feito uma caricatura dessa “mania”, exagerando um pouco o seu uso num diálogo – se bem que há pessoas que usam a palavra “tipo” tanto quanto o personagem das tiras.

Há até aqueles que a usem por escrito. Veja estes fragmentos, extraídos de textos de jornal:

“O Ministério Público Federal está contratando a locação de dez contêineres — tipo marítimo — para armazenar documentos do chamado “arquivo morto” da Procuradoria-Geral da República, em Brasília”;

“Já o valor total a ser pago pelos donos de máquinas de terraplanagem e equipamentos móveis em geral, quando licenciados, camionetas tipo picape de até 1.500 quilos de carga, caminhões e outros veículos deverá ficar em R$ 110,38″;

“Quem está só parece – parece – ser a mais infeliz das criaturas, sem ter um amigo para jantar e, em datas tipo Natal ou Ano Novo, dá até vontade de chorar de pena”;

“A obra no Parque Vila Nova consiste na construção de 26 casas geminadas, tipo duplex, com 40 metros quadrados, sala, dois quartos, cozinha, banheiro e área para ampliação de mais um cômodo”.

É BOM SABER que esse tipo de uso da palavra “tipo” é (muito) coloquial e pouco adequado a textos em língua-padrão, ou seja, textos informativos, científicos, jurídicos etc.

Um “tipo”, na verdade, é um modelo que se usa para a produção de algo (quando é o primeiro, o original, dizemos que é o “protótipo”, ou seja, “proto-“ + “-tipo”).

Em tipografia – palavra, aliás, formada de “tipo-“ + “-grafia” – “tipo” é um bloco, geralmente feito de metal, no qual é gravado um caractere (letra, sinal de pontuação, algarismo etc.) a ser reproduzido por impressão.

Em várias áreas do conhecimento hoje se usa o termo “estereótipo”, que originalmente também está ligado à tipografia (impressão por estereotipia). O estereótipo, nesse sentido figurado que nos é muito familiar, é uma espécie de padrão fixo, geralmente formado por ideias preconcebidas: o estereótipo da “mulher bonita e burra”, o estereótipo do “macho grosseirão” e afins.

Em literatura, cinema ou teatro, usa-se a expressão “personagem-tipo” para aludir àquele que representa um padrão de comportamento conhecido (o avarento, a mulher sedutora, o dom-juan etc.).

Entre seus muitos significados, a palavra “tipo” é um sinônimo (aproximado) de “espécie” ou “gênero” (coisas do mesmo tipo; este ou aquele tipo de carro, de comida, de roupa etc.). Esse parece ser o seu uso mais frequente.

Na linguagem informal, “tipo” aparece na mesma chave de “sujeito” na referência um tanto pejorativa a pessoas: “Era um tipo/sujeito esquisito”, “Era um tipo/sujeito atrevido” etc.

É possível que a “tiponite aguda”, identificada e tão bem representada pelo quadrinista, advenha de um uso comercial da palavra “tipo”, que se vê há muito tempo em “leite tipo A” ou “tipo B” e ainda no popular “tipo exportação”. O fato, porém, é que, em vez de sugerir algo específico, dá a ideia contrária, de coisa vaga, imprecisa. É desaconselhável, portanto, esse uso do “tipo” (a “tiponite aguda”) numa entrevista de emprego, num tribunal e em muitas outras situações da vida. É usar o bom-senso e deixar de lado (se conseguir) esse cacoete.

 

Comentários

  1. A professora Maria Célia Hernandez tem uma publicação interessante sobre o fenômeno. O livro tem como título “Indivíduo, Sociedade e Língua: Cara, tipo assim, fala sério!”, editada pela EDUSP.

  2. O uso coloquial de “tipo” tem aumentado muito e geralmente revela pobreza vocabular, limitação de ideias e de conhecimentos.

  3. Fiquei feliz de ler novamente, Thaís Nicoleti. Já admirava-a, desde os anos noventa. Todavia, ausentei-me dela já a algum tempo. Hoje a li e voltei a sentir as mesmas sensações de quem se é agraciado com os devidos esclarecimentos, de nossa língua pátria.
    Obrigado. Erivan.

  4. Fiquei feliz de ler novamente, Thaís Nicoleti. Já admirava-a, desde os anos noventa. Todavia, ausentei-me dela já a algum tempo. Hoje a li e voltei a sentir as mesmas sensações de quem se é agraciado com os devidos esclarecimentos, de nossa língua pátria.
    Obrigado. Erivan.

    1. Erivan, continue acompanhando a coluna, está bem? Vou dar uma dica para você, que vai servir para muita gente: naquela passagem do seu comentário em que menciona o tempo passado (“já a algum tempo”), você deveria ter usado a forma do verbo “haver” (já há algum tempo), não a preposição “a”. Quanto se trata do tempo decorrido, usamos “há”. É uma confusão muito frequente essa! Grande abraço

  5. É grande a tentação de escrever apenas: “tipo assim, gostei!”
    Piadinhas fáceis à parte, gostei de aprender mais sobre as origens de “protótipo” e “estereótipo”. É muito interessante perceber a lógica por trás da construção das palavras.
    Quanto à “tiponite aguda”, imagino que a preguiça mental e a falta de um maior repertório vocabular contribuam para a disseminação dessa peste. Mas como eu não sou médico, fico torcendo para que descubram uma vacina…

  6. Por que não mais recebi em meu e-mail as aulas de teus ensinamentos de que tanto eu adorava e enriquecia meus conhecimentos. Podendo, eu gostaria de voltar a recebê-las…

    1. Matos, você recebia a coluna do UOL, não é? O UOL deixou de oferecer esse serviço, mas, aos poucos, vou trazer as colunas para este blog, remodelar algumas delas etc. Continue acompanhando, está bem? Grande abraço

  7. A Thaís é o máximo. Além de bela é uma inteligência máxima. Uma professora de Português das melhores do Brasil. Conheci_a através do vídeos da cultura onde ela fazia parte como professora. Nunca mais deixei de admirá-la e cultuá-la como uma das melhores professoras de portuguuês que já tive.

  8. Boa Noite, Thaís!

    Realmente esse cacoete aranham os ouvidos (vergonha alheia). E quando falo de algo procuro sempre usar a palavra exemplo, em vez de “tipo”.
    Aliás, faz um bom tempo que deletei essa palavra do meu dia a dia.

    Vejo sempre seu blog!

    Thaís, tô treinando minha escrita com o seu livro que comprei.
    Você pode deixar alguns comentários sobre minha escrita, pontuação e concordância?

    Desde já lhe agradeço,

    Robson

  9. Vejo duas situações: uma quando a palavra “tipo” é usada em lugar de “modelo”, “padrão”, “com a forma ou características”. Parece-me um tipo legítimo da palavra, como o usado nos exemplos da coluna; tipo exportação, tipo camioneta. A outra, quando assumiu a forma de cacoete de linguagem, “adornando” expressões de fala coloquial, em lugar de “imagine isso ou aquilo”, “considere”, “pense no seguinte”. Expressões novas enriquecem ou empobrecem o idioma e a comunicação. E são vistas com natural desconfiança pelos não iniciados. Tipo assim…

  10. Passei a gostar da lingua Portuguesa mais depoiis de comecar a aprender ingles. Isso acontece com frequencia?
    Ah, quando teremos uma reforma de verdade?
    Todos ja sabem a resposta! Enquanto 40toes, 50toes, 60toes ee 70toes nao descerem, nao muda nada!
    nao se consegue entender: Ate S****i esta na ABL…

    1. Sim, Paulo. Quando estudamos uma língua estrangeira, passamos a pensar sobre mecanismos linguísticos e, consequentemente, a observar com outros olhos a nossa própria língua. 🙂

  11. Voce viu como e simples ter um Brasiles Internacional?
    tudo que escrevi nao tem acentos, cedilha e outros. Mas acredito que todos entenderam o que foi escrito.

    1. sim, claro, uma mensagem tão simples como essa é fácil de entender; vá fazer isso quando estiver tratando de assuntos mais complexos, num texto denso… 🙂

  12. Professora acompanho seu blog ,gosto muito e me atualizo na nossa língua. Devemos evitar estes cacoetes que entra na língua.

  13. Olá!!

    Eu falo muito o famoso cacoete (tipo assim….), que incomoda muita gente, principalmente as pessoas que nasceram antes da década de 90 e não compreendem ou/conheceram tal gíria nos tempos da escola,cursinho, faculdade como eu.
    Eu utilizo muito essa gíria e, por incrível que pareça duas pessoas,bem mais velhas que eu, já me disseram q se incomodavam com o meu tipo assim…..
    O q eu tenho a dizer é que não é só as pessoas que não tem vocabulário que falam esta gíria, pelo contrário tenho amigos que leem bastante e possuem uma escrita excelente, no entanto, em conversas informais com os amigos/colegas utilizam muito o “tipo assim…”. É claro q com o seu chefe, em uma entrevista,em um texto jurídico, científico você não deve ecrever tal gíria.
    Eu leio bastante jornais, revistas, livros e uso o “tipo assim” em conversas descontraídas, assim como “susse”, “beleza” e quem está na mesma faixa etária que eu tem familiariedade com o “tipo assim” e não o vê com maus olhos/ouvidos.
    Então espero que as pessoas compreendam que o nosso “tipo assim…”, não significa pouco vocabulário, mas sim que em conversas descontraídas não precisamos ser formais demais, pois a vida já é tão cheia de regras que ficaria chato até na hora de falar com os amigos seguir um vocabulário correto/formal demais, deixamos isto para um texto ou para conversas formais.
    Bjos!
    Joice.

  14. No mais, percebi – e tento me “policiar”- que quando eu estiver em uma conversa informal com uma pessoa mais madura em idade tenho que diminuir a quantidade do “tipo assim…” e com uma galera mais jovem posso utilizá-lo sem medo.

    Quando eu estiver mais velha vai existir uma gíria, no meio dos jovens,que também será gritante em meus ouvidos, no entanto, vou tentar suavizá-la compreendendo que somos jovens em epócas diferentes com gírias também distintas, sempre alertando que gírias não podem ser utilizadas na escrita formal.

  15. Oi! Percebi que os americanos andam tendo o mesmo cacoete. Eles viram e mexem dizem “kind of” alguma coisa, que é exatamente o “tipo assim”. Será que foram eles que começaram e a mania pegou por aqui?

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