“Tipo assim”
Você já ouviu (já falou também?) a expressão “tipo assim”? Será?
Pois bem. Já há algum tempo, quando faltam as palavras (quiçá as ideias), logo o falante que vai descrever ou contar algo a um interlocutor solta o célebre “tipo assim”. A expressão parece anteceder uma explicação, uma descrição ou uma narração cuja característica é a imprecisão. É como se o falante se desculpasse de antemão pela inexatidão do que está prestes a dizer.
Há quem use “tipo” ou “tipo assim” em todas as suas frases, angariando uma curiosa cumplicidade do seu interlocutor.
O nosso querido Adão Iturrusgarai tem feito ma série de tiras na Folha baseadas numa espécie de cacoete que se tornou muito comum na linguagem oral – pelo menos em São Paulo, onde o fenômeno é observável a olho nu (mesmo sem o apoio da investigação científica).
Nos quadrinhos, Adão parece ter feito uma caricatura dessa “mania”, exagerando um pouco o seu uso num diálogo – se bem que há pessoas que usam a palavra “tipo” tanto quanto o personagem das tiras.
Há até aqueles que a usem por escrito. Veja estes fragmentos, extraídos de textos de jornal:
“O Ministério Público Federal está contratando a locação de dez contêineres — tipo marítimo — para armazenar documentos do chamado “arquivo morto” da Procuradoria-Geral da República, em Brasília”;
“Já o valor total a ser pago pelos donos de máquinas de terraplanagem e equipamentos móveis em geral, quando licenciados, camionetas tipo picape de até 1.500 quilos de carga, caminhões e outros veículos deverá ficar em R$ 110,38″;
“Quem está só parece – parece – ser a mais infeliz das criaturas, sem ter um amigo para jantar e, em datas tipo Natal ou Ano Novo, dá até vontade de chorar de pena”;
“A obra no Parque Vila Nova consiste na construção de 26 casas geminadas, tipo duplex, com 40 metros quadrados, sala, dois quartos, cozinha, banheiro e área para ampliação de mais um cômodo”.
É BOM SABER que esse tipo de uso da palavra “tipo” é (muito) coloquial e pouco adequado a textos em língua-padrão, ou seja, textos informativos, científicos, jurídicos etc.
Um “tipo”, na verdade, é um modelo que se usa para a produção de algo (quando é o primeiro, o original, dizemos que é o “protótipo”, ou seja, “proto-“ + “-tipo”).
Em tipografia – palavra, aliás, formada de “tipo-“ + “-grafia” – “tipo” é um bloco, geralmente feito de metal, no qual é gravado um caractere (letra, sinal de pontuação, algarismo etc.) a ser reproduzido por impressão.
Em várias áreas do conhecimento hoje se usa o termo “estereótipo”, que originalmente também está ligado à tipografia (impressão por estereotipia). O estereótipo, nesse sentido figurado que nos é muito familiar, é uma espécie de padrão fixo, geralmente formado por ideias preconcebidas: o estereótipo da “mulher bonita e burra”, o estereótipo do “macho grosseirão” e afins.
Em literatura, cinema ou teatro, usa-se a expressão “personagem-tipo” para aludir àquele que representa um padrão de comportamento conhecido (o avarento, a mulher sedutora, o dom-juan etc.).
Entre seus muitos significados, a palavra “tipo” é um sinônimo (aproximado) de “espécie” ou “gênero” (coisas do mesmo tipo; este ou aquele tipo de carro, de comida, de roupa etc.). Esse parece ser o seu uso mais frequente.
Na linguagem informal, “tipo” aparece na mesma chave de “sujeito” na referência um tanto pejorativa a pessoas: “Era um tipo/sujeito esquisito”, “Era um tipo/sujeito atrevido” etc.
É possível que a “tiponite aguda”, identificada e tão bem representada pelo quadrinista, advenha de um uso comercial da palavra “tipo”, que se vê há muito tempo em “leite tipo A” ou “tipo B” e ainda no popular “tipo exportação”. O fato, porém, é que, em vez de sugerir algo específico, dá a ideia contrária, de coisa vaga, imprecisa. É desaconselhável, portanto, esse uso do “tipo” (a “tiponite aguda”) numa entrevista de emprego, num tribunal e em muitas outras situações da vida. É usar o bom-senso e deixar de lado (se conseguir) esse cacoete.
A professora Maria Célia Hernandez tem uma publicação interessante sobre o fenômeno. O livro tem como título “Indivíduo, Sociedade e Língua: Cara, tipo assim, fala sério!”, editada pela EDUSP.
Obrigada, Muirilo, pela indicação. Abraços
O uso coloquial de “tipo” tem aumentado muito e geralmente revela pobreza vocabular, limitação de ideias e de conhecimentos.
Fiquei feliz de ler novamente, Thaís Nicoleti. Já admirava-a, desde os anos noventa. Todavia, ausentei-me dela já a algum tempo. Hoje a li e voltei a sentir as mesmas sensações de quem se é agraciado com os devidos esclarecimentos, de nossa língua pátria.
Obrigado. Erivan.
Fiquei feliz de ler novamente, Thaís Nicoleti. Já admirava-a, desde os anos noventa. Todavia, ausentei-me dela já a algum tempo. Hoje a li e voltei a sentir as mesmas sensações de quem se é agraciado com os devidos esclarecimentos, de nossa língua pátria.
Obrigado. Erivan.
Erivan, continue acompanhando a coluna, está bem? Vou dar uma dica para você, que vai servir para muita gente: naquela passagem do seu comentário em que menciona o tempo passado (“já a algum tempo”), você deveria ter usado a forma do verbo “haver” (já há algum tempo), não a preposição “a”. Quanto se trata do tempo decorrido, usamos “há”. É uma confusão muito frequente essa! Grande abraço
É grande a tentação de escrever apenas: “tipo assim, gostei!”
Piadinhas fáceis à parte, gostei de aprender mais sobre as origens de “protótipo” e “estereótipo”. É muito interessante perceber a lógica por trás da construção das palavras.
Quanto à “tiponite aguda”, imagino que a preguiça mental e a falta de um maior repertório vocabular contribuam para a disseminação dessa peste. Mas como eu não sou médico, fico torcendo para que descubram uma vacina…
É verdade! Vamos ver se o Adão apresenta um médico com a vacina! Abraços
Por que não mais recebi em meu e-mail as aulas de teus ensinamentos de que tanto eu adorava e enriquecia meus conhecimentos. Podendo, eu gostaria de voltar a recebê-las…
Matos, você recebia a coluna do UOL, não é? O UOL deixou de oferecer esse serviço, mas, aos poucos, vou trazer as colunas para este blog, remodelar algumas delas etc. Continue acompanhando, está bem? Grande abraço
Saudades, Preofessoara, teus ensinamentos são enriquecedores….
A Thaís é o máximo. Além de bela é uma inteligência máxima. Uma professora de Português das melhores do Brasil. Conheci_a através do vídeos da cultura onde ela fazia parte como professora. Nunca mais deixei de admirá-la e cultuá-la como uma das melhores professoras de portuguuês que já tive.
Boa Noite, Thaís!
Realmente esse cacoete aranham os ouvidos (vergonha alheia). E quando falo de algo procuro sempre usar a palavra exemplo, em vez de “tipo”.
Aliás, faz um bom tempo que deletei essa palavra do meu dia a dia.
Vejo sempre seu blog!
Thaís, tô treinando minha escrita com o seu livro que comprei.
Você pode deixar alguns comentários sobre minha escrita, pontuação e concordância?
Desde já lhe agradeço,
Robson
Oi, Robson, espero que esteja gostando do livro! Abraços, Thaís.
Vejo duas situações: uma quando a palavra “tipo” é usada em lugar de “modelo”, “padrão”, “com a forma ou características”. Parece-me um tipo legítimo da palavra, como o usado nos exemplos da coluna; tipo exportação, tipo camioneta. A outra, quando assumiu a forma de cacoete de linguagem, “adornando” expressões de fala coloquial, em lugar de “imagine isso ou aquilo”, “considere”, “pense no seguinte”. Expressões novas enriquecem ou empobrecem o idioma e a comunicação. E são vistas com natural desconfiança pelos não iniciados. Tipo assim…
Passei a gostar da lingua Portuguesa mais depoiis de comecar a aprender ingles. Isso acontece com frequencia?
Ah, quando teremos uma reforma de verdade?
Todos ja sabem a resposta! Enquanto 40toes, 50toes, 60toes ee 70toes nao descerem, nao muda nada!
nao se consegue entender: Ate S****i esta na ABL…
Sim, Paulo. Quando estudamos uma língua estrangeira, passamos a pensar sobre mecanismos linguísticos e, consequentemente, a observar com outros olhos a nossa própria língua. 🙂
Voce viu como e simples ter um Brasiles Internacional?
tudo que escrevi nao tem acentos, cedilha e outros. Mas acredito que todos entenderam o que foi escrito.
sim, claro, uma mensagem tão simples como essa é fácil de entender; vá fazer isso quando estiver tratando de assuntos mais complexos, num texto denso… 🙂
Professora acompanho seu blog ,gosto muito e me atualizo na nossa língua. Devemos evitar estes cacoetes que entra na língua.
Olá!!
Eu falo muito o famoso cacoete (tipo assim….), que incomoda muita gente, principalmente as pessoas que nasceram antes da década de 90 e não compreendem ou/conheceram tal gíria nos tempos da escola,cursinho, faculdade como eu.
Eu utilizo muito essa gíria e, por incrível que pareça duas pessoas,bem mais velhas que eu, já me disseram q se incomodavam com o meu tipo assim…..
O q eu tenho a dizer é que não é só as pessoas que não tem vocabulário que falam esta gíria, pelo contrário tenho amigos que leem bastante e possuem uma escrita excelente, no entanto, em conversas informais com os amigos/colegas utilizam muito o “tipo assim…”. É claro q com o seu chefe, em uma entrevista,em um texto jurídico, científico você não deve ecrever tal gíria.
Eu leio bastante jornais, revistas, livros e uso o “tipo assim” em conversas descontraídas, assim como “susse”, “beleza” e quem está na mesma faixa etária que eu tem familiariedade com o “tipo assim” e não o vê com maus olhos/ouvidos.
Então espero que as pessoas compreendam que o nosso “tipo assim…”, não significa pouco vocabulário, mas sim que em conversas descontraídas não precisamos ser formais demais, pois a vida já é tão cheia de regras que ficaria chato até na hora de falar com os amigos seguir um vocabulário correto/formal demais, deixamos isto para um texto ou para conversas formais.
Bjos!
Joice.
No mais, percebi – e tento me “policiar”- que quando eu estiver em uma conversa informal com uma pessoa mais madura em idade tenho que diminuir a quantidade do “tipo assim…” e com uma galera mais jovem posso utilizá-lo sem medo.
Quando eu estiver mais velha vai existir uma gíria, no meio dos jovens,que também será gritante em meus ouvidos, no entanto, vou tentar suavizá-la compreendendo que somos jovens em epócas diferentes com gírias também distintas, sempre alertando que gírias não podem ser utilizadas na escrita formal.
Oi! Percebi que os americanos andam tendo o mesmo cacoete. Eles viram e mexem dizem “kind of” alguma coisa, que é exatamente o “tipo assim”. Será que foram eles que começaram e a mania pegou por aqui?
Eis uma boa pergunta, Mario. Um bom tema para pesquisas! Abraço