Os nossos porquês

Thaís Nicoleti

Muita gente faz confusão na hora de escolher entre “porque” e “por que”. Na verdade, existem quatro grafias que se exprimem pela mesma pronúncia, o que realmente pode levar à hesitação em algumas situações. São elas: porque, por que, porquê e por quê.

PORQUE

Vale lembrar que a palavra “porque” é uma conjunção, ou seja, serve para ligar duas orações. Além de unir as duas ideias, o conectivo “porque” indica que a oração introduzida por ele exprime a causa ou a explicação do que foi dito antes. Fazemos uso dessa estrutura sintática o tempo todo. Basta precisarmos dar alguma explicação a alguém ou apontar a causa de um fato.

O jogo foi adiado porque a chuva inundou o campo.

Cheguei atrasado porque o ônibus não parou no ponto!

Ele foi promovido porque trabalhou muito bem na última campanha.

São inúmeras as vezes em que usamos essa estrutura na nossa comunicação diária.

POR QUE

Também empregamos muito a pergunta de causa, expressa por um tipo de palavra que chamamos de advérbio interrogativo de causa. Esse é o popular “por que da pergunta”, que se escreve em duas palavras (“por que”).

Por que o jogo foi adiado?

Por que você chegou atrasado?

Por que ele foi promovido?

POR QUÊ?

 

A forma acentuada ocorre na chamada posição tônica, ou seja, no final da frase. Assim, se invertermos a ordem usual da sentença, teremos o seguinte: “O jogo foi adiado por quê?”. Há autores que admitem a forma “por quê” antes de orações de caráter adversativo (ideia de oposição). Assim: “Não sei por quê, mas isso não me agrada”.

INTERROGAÇÃO INDIRETA: POR QUE

O advérbio interrogativo (“por que”) não aparece somente nas interrogações diretas, nessas que terminam com o ponto de interrogação. Essa forma também aparece encabeçando orações interrogativas indiretas. Veja os seguintes casos:

Ele gostaria de saber por que o jogo foi adiado.

A diretora perguntou-lhe por que chegou atrasado.

Os colegas queriam saber por que ele tinha sido promovido.

Note que, nessas construções, a pergunta está implícita. Embora não seja feita diretamente, a pergunta existe (é uma interrogação indireta). Continuamos usando a grafia “por que”.

Agora observe as seguintes sentenças:

Ninguém percebeu como ele entrou no edifício. (o modo como)

Ninguém percebeu quando ele entrou no edifício. (o momento em que)

Ninguém percebeu onde ele se escondeu. (o lugar em que)

Ninguém percebeu por que ele estava triste. (o motivo pelo qual)

As orações que completam o verbo “perceber” nas sentenças acima são introduzidas por advérbios interrogativos (como, quando, onde, por que). Vale lembrar que o verbo “perceber” requer um complemento (objeto direto), afinal percebemos alguma coisa.

Essa coisa percebida pode ser expressa na forma de uma oração interrogativa indireta, como acabamos de observar nos exemplos anteriores.

Note que o advérbio interrogativo de causa é sempre a forma “por que”. É importante perceber que “por que”, nesse tipo de construção, permuta com outros advérbios (como, quando, como), não com conjunções. Ao perceber isso, você compreende por que (por que motivo) se usa a grafia “por que” nessas frases.

A RAZÃO PELA QUAL

Caso ache difícil compreender a análise sintática, você poderá substituir “por que” por expressões como “a razão pela qual” ou “por que motivo”. Essas locuções se equivalem, portanto uma forma rápida de verificar se a frase está correta é fazer a substituição do “por que” por uma delas. Vamos comparar duas outras sentenças:

(1)   Ninguém percebeu o furto ______________ todos estavam comemorando os resultados da campanha.

(2)   Ninguém percebeu ______________ ele saiu antes dos colegas.

Você já sabe como completar cada uma delas? Em (1), devemos usar a conjunção “porque”, pois a segunda oração explica a primeira. Em (2), devemos usar o advérbio “por que”, pois a segunda oração completa a primeira.

Em (1), ninguém percebeu o furto porque todos estavam comemorando os resultados da campanha. Em (2), ninguém percebeu por que ele saiu antes do colegas (ou seja, ninguém percebeu a razão pela qual ele saiu antes dos colegas). “Por que ele saiu antes dos colegas” é a coisa percebida, ou seja, o complemento do verbo “perceber” (seu objeto direto).

 E a forma PORQUÊ?

Essa forma é um substantivo, cuja grafia se diferencia da grafia da conjunção apenas pelo acento circunflexo. Essa palavra aparece normalmente depois de um artigo (o porquê de alguma coisa), exatamente como os substantivos “motivo” ou “causa” (o motivo de, a causa de).

O processo de substantivação é muito comum na nossa língua. Palavras de quaisquer classes gramaticais podem tornar-se substantivos. Basta que o contexto o permita. Veja-se o caso da conjunção “porém”, que indica oposição entre ideias. Um artigo antes dela a transforma em um substantivo: “Sempre há um porém” (uma ressalva, um obstáculo).

É exatamente isso o que ocorre com a forma “porquê” (a diferença é que ela recebe um acento). Assim: “Ninguém sabia o porquê da revolta dos estudantes” (o motivo da revolta). Na condição de substantivo, a forma admite o plural: “Cada um tem seus porquês”.

 POR QUE = PELO QUAL

A forma por que nem sempre será o advérbio interrogativo de causa. Ela poderá aparecer quando a preposição “por” anteceder um pronome relativo, um pronome interrogativo ou mesmo uma conjunção integrante. Vejamos alguns casos:

A resposta por que esperamos durante muito tempo chegou repentinamente. [pela qual = preposição + pronome relativo]

Por que caminho você chegou lá? [por qual = preposição + pronome interrogativo]

Ansiávamos por que chegassem. [preposição + oração substantiva/ ansiávamos por algo

Normalmente, a maior parte das dúvidas sobre o tema está ligada ao emprego do advérbio interrogativo de causa na segunda oração de um período. São as frases do tipo “Verifique por que a encomenda não chegou”, “Explique por que chegou tarde ontem”, “Saiba por que o café faz bem à saúde”, “Entenda por que o investimento em poupança ainda é o mais seguro” que suscitam dúvidas. Em todas, o advérbio introduz o objeto direto de um verbo da oração anterior.

Pode ocorrer ainda que esse tipo de oração (interrogativa indireta) apareça como sujeito de outra oração. Veja:

Não ficou claro por que ele não veio.

Nessa frase, estamos dizendo que não ficou claro o motivo pelo qual ele não veio. “Por que ele não veio” é o sujeito de “não ficou claro”. Análise sintática, ela mesma. Se quiser, use “a razão pela qual”, “o motivo pelo qual”. A ideia é a mesma, mas pode parecer mais fácil.

 

 

Comentários

  1. Quanto tempo! Lembro-me de você da época do vestibulando – TV cultura -, parabéns pela explicação.

  2. Podiam ter aproveitado o Acordo Ortográfico para uniformizar o uso dos porquês no Brasil e em Portugal. Parece-me que os portugueses ainda usam regras diferentes.

  3. Thaís, boa tarde.

    Talvez fora do tema do tópico, mas não do tema do blog.

    Pensando nas simplificações trazidas pela reforma ortográfica, você acredita que a multiplicidade de sons representados pelas mesmas letras (como ocorre com o S, o X, o C, o G etc.) e o uso do cedilha podem ser, algum dia, simplificados? Ou, na sua opinião, essas nuances da língua são importantes para a própria riqueza linguística?

    Aliás, eu li em algum lugar que o cedilha é uma espécie de herança mantida no português dos tempos do latim. É isso mesmo?

    Obrigado.
    – Alexandre

  4. Interessantemente, o inglês possui formas diferentes para essas mudanças de sentido da palavra, criando Why para o advérbio e Because para a conjunção. =]

  5. THAIS, OBRIGADA POR SEUS ARTIGOS
    E SEUS ESCLARECIMENTOS TÃO OPORTUNOS.
    LEMBRO DE UMA THAIS, QUE DAVA AULA NO CURSO (CIENTÍFICO) SANTA INÊS – SP ,QUE ALÉM DE ENSINAR, INCENTIVAVA NAS LEITURAS E EXPOSIÇÃO DE OPINIÕES.SOU GRATA ÀS DUAS ( OU SERÁ A MESMA?)

    1. Olá, Marina, a do SAnta Inês não sou eu, mas certamente a colega fez um bom trabalho. Continue estudando a nossa língua! Abraços

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