A novela e a crase
Segundo o querido José Simão, colunista da Folha, a nova novela da Globo, intitulada “Amor à Vida”, “promete ser polêmica, tem até crase”.
Piada à parte, conhecendo a influência que as novelas exercem na população, é bem provável mesmo que as pessoas passem a prestar mais atenção aos mistérios da crase. Na verdade, não há mistério propriamente dito, mas muita gente bem escolarizada se atrapalha na hora de decidir-se por usar ou não o acento grave sobre o “a”.
Crase, para começar, não é o acento em si, mas o fenômeno (fonético) da fusão de dois “aa”, sendo um deles a preposição e o outro o artigo definido feminino (pelo menos, na maior parte das vezes). Essa fusão é que é representada pelo “a” craseado: “à”.
POR QUE OCORRE CRASE NO TÍTULO DA NOVELA?
É um dos casos mais simples de crase. A palavra “amor” é completada por um substantivo feminino (“vida”) e a preposição responsável pela ligação dos dois termos é o “a”. Temos amor a alguma coisa, amor a alguém, portanto “amor a… a vida” – em vez de escrevermos dois “aa”, usamos “à”: amor à vida. Se o alvo do amor fosse o trabalho, teríamos “amor ao trabalho”. É fácil, não?
Em tempo: o substantivo “amor” rege complementos com outras preposições também: amor pela vida, amor para com a vida etc.
Dúvidas sobre o uso correto das preposições podem ser resolvidas com a consulta a dicionários de regência verbal e nominal. Os dois volumes de Celso Luft, publicados pela editora Ática, são uma ótima pedida para quem se interessa pelo assunto:
LUFT, Celso – Dicionário Prático de Regência Nominal
LUFT, Celso – Dicionário Prático de Regência Verbal
Nos próximos textos, vamos tratar de mais alguns casos de crase.
Oi, Thaís.
Belo texto.
Por favor, você poderia postar sobre o verbo caber. A predicação dele me parece complicada e , em algumas abordagens, soam incoerentes os complementos exigidos.
Obrigada.
Um abraço
Célia
Oi, Célia, obrigada pela sugestão. Vou escrever sobre o tema. Abraços, Thaís 🙂
Ótimo. Agora falta ensinar essa regra (absurdamente simples, como sempre foi) ao próprio pessoal da Folha, que não sabe usá-la nem se a vida deles depender disso.
Bom dia!
Me ajudou bastante referente á esta misteriosa “coisinha” que chamamos de crase. Ela sempre me confundiu (ou ainda confunde).
Beijos e Abraços,
Gabriela
Parabéns pelo excelente trabalho; parabéns por semear o saber!
O livro “Manual de Indicação da Crase”, de nossa autoria, apresenta regras e respectivas exceções, bem como exercícios e gabaritos. Trata-se de uma humilde obra colocada à disposição da nossa sociedade.
Ficarei honrado com a vossa avaliação.
Respeitoso abraço,
Fernando Marques
Correto.
Dizem que a força do povo nos faz dobrar a língua. Um dos fatos da língua a que o povo resiste com enorme força é a crase. Eles querem que a preposição, e não a soma do artigo com a preposição, receba o acento grave. SEMPRE acentuam a preposição, esse é o erro cometido por 90% dos usuários da língua. Ninguém erra acentuando o artigo. Quem irá vencer? A norma culta ou a força do povo?
Acho que a explicação foi muito simplificada, já que o substantivo “vida” poderia ser interpretado de forma genérica, com valor indeterminado. Nesse caso, não haveria o emprego do acento grave. Trata-se, em meu entender, de caso facultativo de emprego do artigo feminino e, portanto, de emprego facultativo do acento que indica a existência da crase.
Josué, entendo o seu ponto de vista, mas não concordo com a ideia que você defende nesse caso específico. Não consigo imaginar a vida como algo genérico numa expressão como “amor à vida”, embora haja situações em que o termo prescinda do artigo. Um bom exemplo seria o poema/ auto de João Cabral de Melo Neto, intitulado “Morte de Vida Severina”, em que o autor qualifica a vida (e a morte) com o adjetivo “severina” mostrando tratar-se de um tipo de vida e um tipo de morte. As coisas não são tão simples como parecem, mas o título da novela da Globo, esse é simples. Foi só um pretexto para lembrar a regra geral da ocorrência de crase. Voltaremos ao tema. Agradeço muito a observação. Abraços 🙂