Do lado de fora da sala VIP
Vivemos cercados de siglas que, hoje, ganham rapidamente o status de substantivos. Isso quer dizer que as entendemos como palavras, mesmo que não saibamos ao certo o que significa cada uma de suas letras. Qualquer pessoa sabe o que é, por exemplo, uma garrafa PET, mas poucos de fato saberão o significado dessa sigla (aos curiosos segue a informação: PET quer dizer politereftalato de etileno; trata-se de um polímero termoplástico que permite a reciclagem).
Ao serem tomadas como palavras, as siglas estão sujeitas aos processos de conotação. Veja-se o caso de UTI (unidade de tratamento intensivo). É muito comum as pessoas terem a impressão de que estar numa UTI significa estar entre a vida e a morte, nas últimas, o que, diga-se de passagem, não corresponde à verdade.
Não pretendo aqui tratar exaustivamente do tema, já que são inúmeros os exemplos. Quero apenas falar um pouco sobre uma sigla que, por assim dizer, está em todas. Quem não gosta de ser tratado como VIP (very important person)? Pois é. Hoje, tudo o que é superior, acima do comum, é VIP. A sigla ora denomina as pessoas de prestígio (geralmente endinheiradas ou famosas — ou ambas as coisas), ora é usada como adjetivo para qualificar aquilo que satisfaz as exigências dessa classe especial de indivíduos.
No aeroporto, existe a sala VIP, acessível a quem tem certos cartões de crédito, que, aliás, também se subdividem em diferentes tipos, pois nem todos os usuários de cartão estão na categoria VIP. Nos bancos, há contas VIP e, para todo lado, atendimento VIP, poltrona VIP, setor VIP…
O VIP indica exclusividade, ou seja, o poder de excluir. Mesmo em tempos de inclusão, todo o mundo gosta de ser exclusivo, ou seja, de se sentir especial, melhor que os outros. Muito bem, peço aos leitores a permissão para contar algo que me fez refletir sobre essa sigla.
Num dia desses, num shopping, prestes a assistir a um filme, tomei conhecimento de que ele só estava sendo exibido na sala VIP do cinema. O ingresso, diga-se, também era VIP: R$ 49. Então decidi saber que experiência realmente me ofereceria aquele ambiente.
A jovem que trabalhava no caixa, muito gentil, explicou-me que, naquele tipo de sala, além do conforto das cadeiras reclináveis (devem ser ideais para quem costuma cochilar durante o filme), o espectador podia contar com “atendimento”, ou seja, eu não precisaria ter a preocupação de comprar a pipoca e o refrigerante antes de entrar na sala de exibição, pois a comilança seria oferecida lá dentro mesmo.
Foi quando eu senti que aquilo não seria para mim. Na sala VIP dos meus sonhos, ninguém entraria com pipoca, muito menos com doces e salgadinhos embrulhados em papel celofane ou similar. O cheiro desses alimentos na sala fechada com sistema de ar condicionado e, sobretudo, aquele barulhinho impertinente de quem fica coçando as embalagens na sala escura interferem na concentração que um bom filme requer (para dizer o mínimo). É claro que falo do ponto de vista de quem vai ao cinema para ver o filme, o que, para alguns talvez seja um mero detalhe ou, quem sabe, apenas o pano de fundo de uma incrível “experiência de lazer”.
É bem provável que, no conforto da sala VIP, haja pontos de recarga de telefone celular a fim de assegurar aos espectadores a possibilidade de compartilhar aqueles momentos nas redes sociais em tempo real, atitude que, aliás, já está muito comum em qualquer sala de cinema. A luz dos aparelhos concorre com a da tela, bem como a cada vez mais frequente conversa de animados grupos que se encontram para ver o filme e comentar, explicar e fazer a crítica durante a exibição — afinal, opinar é preciso e, pelo jeito, urgente.
Que saudade do tempo em que, na entrada do cinema, comprávamos um saquinho de pipoca, que, quando não era consumido ali mesmo, do lado de fora, durava apenas o tempo do trailer! Com os baldes e garrafões de hoje, a experiência gastronômica dura a sessão inteira e haja paciência! Na sala VIP, aparentemente se reproduz a intimidade da sala da casa das pessoas (pessoas VIP, é claro), ou seja, privilegia-se o conforto (entendido de uma perspectiva individualista). Talvez, porém, o melhor do cinema esteja na tela, democraticamente para todos.
Real! Que chatice aturar esses chatos que bem poderiam alugar os filmes e ficar em suas casas…Aquele prazer em entrar numa sala e ver um filme, só e possível em matinês. Fora em férias, fim de semana e feriados. Ou seja, para poucos….abs
que legal
Olá, Thais. Tenho notado uma coisa curiosa e frequente no uso de siglas. Pelo que sei, ou se usa, ou não se usa pontos ao final das letras (opcional). Mas, ultimamente, como uma praga, tenho visto diversas siglas que não usam apenas o último ponto (quando os usam), como “S.O.S” (num texto do UOL, no nome de um filme recente), “C.A.V” (Colégio Alpis Veredas) — na camiseta da escola! — , S. C Corinthians Paulista etc. Curioso, não? O que será que acontece? A não ser que eu esteja errado — agora fiquei até na dúvida sobre a questão. Abraço.
Paulo, não vejo motivo para isso. Deveria ser posto o ponto depois de cada uma das letras. Envie mais exemplos, se os encontrar. Vou observar isso. Obrigada 🙂
Gostaria de ler um texto seu, Thaís, sobre a diferença entre sigla e acrônimo, para explicar, por exemplo, os seguintes usos: UFRJ, Ufes, ITA, UnB. Grande abraço.