Só ou sós?
Quem é leitor de jornal certamente já deparou com os desagradáveis erros de digitação ou outros problemas de redação, muitos dos quais fruto do ritmo de produção dos textos.
Na Folha, realizamos um trabalho interno com os jornalistas a fim de ajudá-los a aprimorar o texto final e de minimizar os erros gramaticais. Na lida diária com as questões propostas por eles ou mesmo em posterior trabalho de análise do material publicado, tratamos dos mais diversos temas. Nesta seção, traremos ao leitor um pouco da rotina da Consultoria de Língua Portuguesa da Folha de S.Paulo.
Quem tiver lido o jornal nesta data natalina, terá visto a manchete “Triplica o número de idosos que vivem sós”. Muito bem. O emprego da forma “sós”, no plural, chegou a provocar dúvida entre os redatores. Afinal, só ou sós? “Sós”, exatamente como foi publicado.
Essa questão é frequente, uma vez que a palavra “só” pode ser um advérbio, caso em que não admitirá a flexão de número (plural), ou um adjetivo (sinônimo de “sozinho”), quando obececerá ao princípio da concordância, harmonizando-se com o substantivo a que se referir. Vejamos dois casos:
(1) Idosos só viajam acompanhados [com valor de advérbio, “só” equivale a “somente”; não admite plural]
(2) Idosos sós viajam pouco [com valor de adjetivo, “sós” equivale a “sozinhos”; concorda com “idosos”]
(3) Muitos idosos viajam sós [com valor de adjetivo, “sós” equivale a “sozinhos”; concorda com “idosos”]
O leitor atento terá notado que, em (2) e (3), embora tenha o mesmo valor semântico (sinônimo de “sozinhos”), o adjetivo “sós” produz sentidos diversos nas duas construções. Em (2), “sós” é uma característica permanente dos idosos (eles são efetivamente sós), mas, em (3), “sós” é uma característica circunstancial (sabemos que viajam sós, portanto são “sós” quando viajam). Entender essa distinção equivale a compreender a diferença entre adjunto adnominal (2) e predicativo do sujeito (3), dois nomes familiares a quem estuda a gramática do português. Essas são funções sintáticas que o adjetivo pode assumir na frase.
POR SI SÓ
Vez ou outra alguém quer saber se essa expressão é “invariável”. Não, não é. Vejamos um exemplo, publicado na coluna de Janio de Freitas (4.4.13):
“As exigências burocráticas de difícil acesso pelos empregadores domésticos tendem, por si sós, a multiplicar descumprimentos até que haja a prometida simplificação.”
O adjetivo “sós” está concordando com “exigências burocráticas”, a expressão a que se refere. Caso se tratasse de uma só exigência, teríamos “por si só”. Veja:
A exigência burocrática tende, por si só, a multiplicar…
A SÓS
Agora sim temos uma expressão invariável, que pode ser aplicada a um ou mais seres. Veja dois exemplos:
(1) Ele gostava de ouvir música a sós. [sozinho]
(2) Os namorados ficaram a sós depois do jantar. [um com o outro, sem outra companhia]
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Ainda em tempo de desejar a todos que o espírito de paz e confraternização permaneça para além das festas.
Sem gramatiquices, com clareza, foi direto ao ponto. Parabéns. .
Embora o sujeito seja “O número de idosos”… acaba ficando distante do verbo e veja que o pronome relativo “que” substitui o antecedente (idodos) preferiria mesmo “sós” porque ao subsituir, na mesma oração” “sós” por “sozinho” ficaria muito estranho. Assim, ninguém diria: “O número de idosos que vivem sozinho” EStá dito!
O número de idosos que vivem sós/ que vivem sozinhos, certo? 🙂
O Português escrito e falado do brasileiro está cada vez mais decadente…Sou assinante da Folha e tenho me deparado com erros elementares nesse jornal. Imperdoável um jornalista ( da Folha!!!) com mau Português. Haja fair play!!!…Melhor mudar de profissão…Às vezes me reporto à ombudsman Suzana Singer solicitando a correção…E nem sou da área de Literatura, mas não fui “comer merenda” no colégio…
Nicoleti, quando eu era mais jovem se meu Português fosse ruim meus colegas me discriminavam. Faziam gozação… Agora, parece que tudo se inverteu. Vejo até mulheres falando palavrão abertamente!!!…
Útil e excelente revisão. Thaís, continue com o seu inestimável trabalho em 2014!
Acho ótimo que houvesse 3esse tipo de informação diariamente. Muito boa a explicação. Parabéns.
Nicoleti, em Cotidiano da Folha de hoje, 26/12, o artigo “50% dos professores dão aula…” dos jornalistas Flavia Foreque, Marcio Galvão e Fabio Takahashi, contém alguns erros de Português. Senão vejamos:”…não tem formação específica na área em que atua…” deveria ser escrito assim: não TÊM formação específica na área em que ATUAM. A concordância verbal dos jornalistas foi de arder…Sergio Felicissimo Silva
Caro Sérgio, tudo bem? O texto da Folha era “mais da metade dos professores que dão aula não tem formação na área em que atua”, certo? As formas “tem” e “atua” estavam concordando com “metade”. Abraços, 🙂
Thaís,
Feliz Ano Novo pra você! Com relação à função sintática do “sós” do caso 3 como predicativo do sujeito, fiquei em dúvida: viajar não seria verbo intransitivo? Existiria um verbo de ligação oculto? ” Muitos idosos viajam (estando) sós”. Poderia explicar melhor?