O dilema dos títulos jornalísticos

Thaís Nicoleti

Na semana passada, muitos leitores repercutiram nas redes sociais, na maior parte das vezes em tom de gozação, um dos subtítulos de uma reportagem do caderno “Cotidiano” da Folha.

O  título era este (veja o destaque):

mortos-vivos impresso

É evidente que os mortos não poderiam estar andando sobre a passarela. Quanto a isso, não há a menor dúvida.  O que se quer saber é como ou por que uma frase como essa é publicada sem que o redator perceba o problema.

Muito bem. Para os jornalistas, não é novidade que a tarefa de criar títulos para as reportagens não é nada fácil. O espaço delimitado e o tamanho das letras impõem a primeira dificuldade, daí ser comum ouvir entre os redatores que o “título bom é aquele que cabe” [no espaço]. Português Na Folha

É claro que não é só isso que torna a tarefa complicada. O leitor assíduo de jornais sabe que a reportagem tem um título principal, que deve informar sucintamente o fato relevante, um subtítulo (conhecido no jargão como “linha fina”) e ainda um destaque, o chamado “olho” ou “lupa”. Cada um desses subtítulos deve trazer uma informação que complete a principal, sem repetição nem quebra de palavra e em ordem hierárquica de importância. Vejamos um exemplo:

TÍTULOS E SUBTÍTULOS

No título principal, o fato noticioso: Campos usou a máquina [do governo] para divulgar assunto pessoal; no subtítulo (linha fina), a informação de que a reportagem foi removida do site oficial à tarde; no destaque (olho), a informação de que o governo de Pernambuco considerou equivocada a divulgação de assunto pessoal no site oficial.

Em suma, a leitura dos três títulos em sequência permite entender em linhas gerais o que houve. O texto trará as informações em detalhes.

Cada texto passa por esse processo e o redator procura concentrar o máximo de informações nos títulos, dando agilidade à leitura. Tudo isso, não raro, a toque de caixa, já que, feitos depois do ajuste do texto ao espaço da página, os títulos são a parte final da redação.  Há uma série de fatores que, embora não justifiquem, propiciam a ocorrência do erro.

Vejamos novamente o título equivocado, agora na versão on-line:

mortos-vivos on-line

 

 

 

 

 

 

 

Título principal: Caminhão derruba passarela e mata quatro pessoas no Rio

Linha fina: Caçamba do veículo, que trafegava em horário irregular, estava levantada

Olho: Dois mortos andavam pelo elevado de 120 t, que desabou sobre dois carros, onde estavam as outras duas vítimas

Atendo-nos ao texto do “olho”, como se produziu a oração “dois mortos andavam pelo elevado”? A intenção, naturalmente, era dizer que, das quatro vítimas  (título principal), duas morreram quando estavam caminhando sobre a passarela e duas morreram esmagadas, dentro de carros que passavam sob o elevado.

Na ânsia de fazer caber a informação, uma construção como os que morreram quando andavam sobre a passarela virou “os mortos andavam sobre a passarela”. Às vezes, depois de muitas tentativas de fazer um texto que se encaixe em todos os requisitos, o redator nem percebe que falhou no principal: a coerência.  É lamentável, mas compreensível — ou vice-versa.

Comentários

  1. Bom dia Professora: As duplas frases acima (É evidente…) seriam um exemplo de ocupação de espaço ou uma “pegadinha” ?

  2. Não tem revisor de texto na folha? As frases “É evidente que os mortos não poderiam estar andando sobre a passarela. Quanto a isso, não há a menor dúvida.” estão repetidas nesse texto.

    1. Muito obrigada pela observação. Houve problemas técnicos no momento da inserção da imagem e o “pastel” deve ter sido originado aí. Peço desculpas.

Comments are closed.