Literalmente atropelado por uma informação

Thaís Nicoleti

 

Não faz muito tempo que um importante personagem da cena política brasileira, com a intenção de desmentir um boato, disse que tinha sido “literalmente atropelado” pela suposta informação de que seria pré-candidato a vice-presidente na chapa presidencial de seu partido. portugues na rua (1)

 

Como ele, não são poucas as pessoas que vêm usando o advérbio “literalmente” como uma espécie de advérbio de intensidade, por isso vale a pena refletir sobre o significado dessa palavra.

“Literalmente” quer dizer “em sentido literal”, “no sentido exato da palavra”. Empregar esse advérbio serve para avisar o leitor ou o interlocutor de que a expressão modificada não deve ser tomada em seu sentido figurado. Não se trata de metáfora, mas de sentido literal.

Alguém que diz ter sido “atropelado por uma informação” não pode estar empregando o verbo literalmente. A expressão em si já é conotativa (metafórica). Uma pessoa que tenha sido literalmente atropelada por certo terá sofrido um acidente, poderá ter-se machucado etc.

Bastaria, então, ter dito que foi “atropelado pela informação”, o que já seria bastante enfático. 🙂

 

 

Comentários

  1. Thaís, de certo você já deve ter ouvido e usado a seguinte expressão: “Estou literalmente morto de fome”. Pois bem. Eu já li, enviei ao eminente Professor Doutor Marcelo Moraes Caetano uma publicação que abordava o uso do advérbio literalmente e ele, com extrema competência e refinada sabedoria, explanou da forma mais perfeita que já vi, sobre o uso do advérbio de modo citado. No texto que ele me enviou, foi explicado que o advérbio de modo, na frase que eu citei acima, passa a funcionar numa posição sintática vinda de mero deslizamento semântico, mudando de seu sentido literal para um de marcador discursivo metafórico. Citou Lakoff, Paul Ricoeur, os pragmaticistas da Escola de Oxford. Pena não poder disponibilizar o texto dele aqui, pois o espaço é pouco. É riquíssimo de outros exemplos, bem mais profundo que suas explicações. Já que você abordou o uso do advérbio “literalmente”, seria válido citar outras ocorrências. Que tal?

    1. Claro, Elodim, do ponto de vista da pragmática, o que vale é o uso e, como é evidente, alguém que estivesse literalmente morto (no sentido exato) não poderia dizer nada. A própria expressão “morto de fome” é uma hipérbole, um processo metafórico (e em nenhum momento discuto a óbvia existência de processos metafóricos como esse). Apesar de toda a profundidade da explicação que você oferece, o advérbio “literalmente” não me parece adequado a fazer as vezes de intensificador. Vamos imaginar que eu lhe dissesse que uma pessoa morreu literalmente de fome. O que você entenderia?

      1. Eu entenderia que foi a fome a causadora da morte da pessoa. Eu percebi o jogo que você quis criar, ou seja, não há necessidade de usar o advérbio em certas construções. Ele (o advérbio) é totalmente dispensável. O usuário o usa por achar que dizendo assim a expressão soará mais enfática, gramaticalmente elegante, a mensagem ganhará mais forma e conteúdo, etc. Minha explicação procede? Mas ainda no campo da discussão, vamos lá! Repare no trecho transcrito que irei destacar entre aspas: “Lição de hoje: como usar a palavra Literalmente (sentido literal, conotativo, real). Quando uma expressão que admite duas interpretações, como ‘estou morto de fome’ vier seguida da palavra literalmente, dar-se a entender que você morava na África e que hoje está em um caixão. Caso você não use a palavra literalmente, entende-se que você está com muita fome (ou seja, o sentido conotativo da frase). Quando você disser algo como ‘estou muito cansado’ ou ‘você fala muito’ não use a palavra ‘literalmente’, por que não existem duas possíveis interpretações para essas expressões, combinado?” Que isso? Qual a intenção do pseudoprofessor em publicar umas bobeiras dessas? Dizer que se não for empregado a palavra literalmente (ele sequer sabe a classe morfológica da palavra) na construção citada, levaria a outro entendimento? Nada a ver. Temos apenas uma expressão idiomática que jamais remete, hoje, ao sentido literal de “morto” “por causa da fome”. Thaís, e ai, qual o seu posicionamento quanto ao trecho destacado acima? Em tempos: como eu já disse várias vezes a você, deveria publicar um livro com todas as suas colunas, que são valiosíssimas. Feitos alguns reparos, renderia um livro excelente. Pense nisso. Um forte abraço.

        1. Elodim, meu caro, talvez vocês não tenham entendido muito bem o que eu disse. Simplificando ao máximo, eu disse, sim, que o emprego do advérbio “literalmente” desmancha a metáfora. Nós o empregamos para indicar que desejamos usar o termo no seu sentido exato, literal. É curioso que pessoas o empreguem como intensificador – e podem estar fazendo isso sem ter parado um instante para refletir sobre o tema. O que eu proponho é a reflexão. Aproveito para sugerir que você crie seu próprio blog, que certamente seria um espaço valiosíssimo para você defender as suas opiniões. Talvez também haja reparos a fazer ao seu conteúdo, mas deixarei isso para os seus futuros leitores. Forte abraço e boa sorte!

      2. Cadê o texto que eu postei pela manhã? Será que estão apagando os comentários dos leitores. Thaís, respondi a sua indagação, enviei, tanto que apareceu publicado. Mas e ai? O que houve de fato? Não entendi.

  2. Bom dia, Thaís.
    No finalzinho do texto, em “não pode estar empregando o verbo literalmente”, qual é o verbo?

    1. O verbo “atropelar”, Marcio. Em “foi atropleado”, o verbo é “atropelar” na forma passiva.

  3. Bom dia Professora: O Marcio perguntou sobre um verbo da frase: ” não pode estar empregando o verbo literalmente ” . A Sra. respondeu ” atropelar ” , não entendi ; poderia esclarecer ?

    1. Antônio, se é que eu entendi a pergunta do Márcio, ele estava querendo saber a que verbo eu estava me referindo naquela frase. O que eu tinha dito antes é que ninguém poderia ser literalmente atropelado por uma informação, ou seja, uma informação não poderia atropelar alguém no sentido literal (do verbo “atropelar”). Acrescentei que a forma “atropelado” era o particípio passado do verbo “atropelar”. Certo? 🙂

    2. Bom diaThaís,acompanhanhei o diálogo entre você e Elodin . Fiquei um pouco incomodada com a agressividade dessa pessoa e me pus a refletir:como as pessoas andam agressivas,principalmente algumas que ignoram algum assunto e não tem a mínima disposição para aprender(ou pelo menos para aceitar outras opiniões).Se essa pessoa é assim on line,imagina ao vivo!Sendo eu entusiasta da boa conversa,de esclarecimento de dúvidas,gostaria de te parabenizar por ter conduzido essa discussão com tanta classe!Continue firme sem perder a doçura. Abraço.

      1. Regina, muito obrigada por suas gentis palavras. É sempre bom saber que pessoas sensíveis e sensatas como você visitam o blog! Abraços 🙂

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