A Indesejada das gentes
CONSOADA
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga:
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
O poema é de autoria de Manuel Bandeira, poeta que se notabilizou por tratar do tema morte em sua obra.O título do texto, “Consoada”, pode referir-se à ceia da noite de Natal na tradição católica ou a uma leve refeição noturna, sem carne, que se toma em dia de jejum.
Na leitura atenta de um poema, vale observar os possíveis significados de cada termo ou expressão, pois a linguagem figurativa é polissêmica, isto é, aciona, ao mesmo tempo, mais de um significado.
No verso inicial, Bandeira emprega uma antonomásia, ao substituir a palavra “morte” pela perífrase “a Indesejada das gentes”; em seguida, então entre parênteses, o poeta demonstra dúvida sobre o modo de ela se apresentar — “dura” ou “caroável” ( “afável, gentil, afetuosa”) — e sobre a reação dele diante dela.
Os termos “dia” e “noite” são metáforas de “vida” e “morte”, respectivamente. Em seguida, o poeta retoma o uso dos parênteses, como se estivesse expressando algo tomado como ideia secundária: “a noite com seus sortilégios”. “Sortilégio” pode significar tanto “magia ou feitiço” como “sedução, fascínio, encanto” e até mesmo “conspiração ou maquinação”. Todos os significados são cabíveis e complementares no contexto.
Nos versos finais, “Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,/ A mesa posta,/ Com cada coisa em seu lugar”, vale notar o emprego dos particípios (lavrado, limpa, posta) com valor de adjetivos em função de predicativo do objeto. Na função de predicativo, o adjetivo passa a caracterizar um ser tomado em determinado momento ou circunstância. Quando a morte chegar, o campo estará lavrado, a casa estará limpa e a mesa estará posta.
O poeta, portanto, sente-se preparado para esse momento. Sente que “cumpriu sua missão”, ou seja, viveu.
Um dos maiores poetas brasileiros do século 20, o pernambucano Manuel Bandeira faleceu com 82 anos de idade, em outubro de 1968. Seu legado estará sempre entre nós.
Nos últimos dias, perdemos João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna, outros três grandes que nos deixam importante herança. Que seu desaparecimento físico seja apenas a sua passagem para a imortalidade.
O poema é belíssimo e a análise muito bem feita. Parabéns! É disto que o Brasil precisa: cultura e inteligência.
Obrigada, Antenor. Continue visitando o blog! Abraços 🙂
Thaís Nicolet ao ler sua coluna descobri que, apesar de estudar, ler livros seguidos, pesquisar, nada sei.Quanto mais aprendo, mais tenho a aprender.Os vocábulos usados no texto acima se fossem escritos em uma prova qualquer, eliminaria todos os candidatos.Por não serem usuais desconhecemos. Então pergunto-vos: são palavras arcaicas ? O que você nos aconselha para que possamos aprender o português escrito com mais eficiência? Parabéns por sua coluna e pela transcrição do poema .
Zilnard, você mesmo deu a explicação. Como algumas dessas palavras são pouco usuais, é normal que as pessoas consultem dicionários para conhecer seu significado. O caminho para aprender é ler os nossos autores, aqueles que escrevem e escreveram em outros tempos na nossa língua. Na dúvida sobre o significado de um termo, consulte o dicionário. É assim mesmo; com o tempo, o progresso aparece. Abraços 🙂
é, tipo o poema do Gregory DuVivier, o cara! show de bacana, uhu!
A caçoada (das gentes)
Quando se morre se vai – e já vai fondo!
uhu!
Mesa sem pasto
alô que não é audível
foi que se foi-se
sem nenhum privilégio
nem predicativo
Um arraso! novo Manu-Flag, já dixxxe Marcel Lapin da FSP, uhu!