Euclydes da Cunha recebe homenagens durante a semana

Thaís Nicoleti

Anualmente, de 9 a 15 de agosto, São José do Rio Pardo (São Paulo) abriga uma série de palestras e eventos em homenagem a Euclydes da Cunha. A cidade acolheu o escritor, que lá redigiu boa parte de seu principal livro, “Os Sertões”, publicado em 1902.final sala de leitura

A obra, de difícil classificação, um misto de ensaio sociológico com literatura, nasceu da famosa Caderneta do autor. Como repórter de campo do jornal “A Província de São Paulo” (mais tarde “O Estado de São Paulo”), Euclydes esteve em Canudos, sertão da Bahia, acompanhando de perto o desenrolar da sangrenta batalha das forças da recém-implantada república contra a população, que seguia Antônio Conselheiro (1896-97).

O autor não se empenhou apenas na narrativa do combate. Muito mais do que isso, pesquisou a região, seu solo, sua vegetação, seu clima, bem como as pessoas que ali viviam. O resultado de seu trabalho extrapolaria a reportagem, tornando-se uma obra monumental. Ainda que embasado num pensamento determinista (em voga à época), Euclydes deixou-se surpreender pelo que observou e, em contraste com teorias que condenavam a miscigenação, viu no sertanejo “antes de tudo um forte”, o homem adaptado às condições de um meio inóspito.

A leitura de “Os Sertões” é um mergulho no universo do sertão, ali descrito em inimagináveis pormenores. A escrita de Euclydes é, por si só, desafiadora. Sua capacidade de descrever, em termos a um só tempo precisos e poéticos, constitui um estilo único na literatura brasileira.

Durante esta semana, relembrando meus velhos tempos de “maratonista” (é esse o nome dado aos estudantes que participam da Semana Euclidiana, “maratona” de estudos euclidianos), publicarei trechos da obra do autor, cuja leitura, desde já, está recomendada a todos.

Hoje, um trecho da primeira parte de “Os Sertões”, intitulada “A Terra”. Seguem algumas das “primeiras impressões” do autor diante da paisagem árida do sertão:

 

É uma paragem impressionadora.

As condições estruturais da terra lá se vincularam à violência máxima dos agentes exteriores para o desenho de relevos estupendos. O regime torrencial dos climas excessivos, sobrevindo, de súbito, depois das insolações demoradas, e embatendo naqueles pendores, expôs há muito, arrebatando-lhes para longe todos os elementos degradados, as séries mais antigas daqueles últimos rebentos das montanhas: todas as variedades cristalinas, e os quartzitos ásperos, e as filades e calcários, revezando-se ou entrelaçando-se, repontando duramente a cada passo, mal cobertos por uma flora tolhiça – dispondo-se em cenários em que ressalta, predominantemente, o aspecto atormentado das paisagens.

Porque o que estas denunciam – no enterroado do chão, no desmantelo dos cerros quase desnudos, no contorcido dos leitos secos dos ribeirões efêmeros, no constrito das gargantas e no quase convulsivo de uma flora decídua embaralhada em esgalhos – é de algum modo o martírio da terra, brutalmente golpeada pelos elementos variáveis, distribuídos por todas as modalidades climáticas. De um lado a extrema secura dos ares, no estio, facilitando pela irradiação noturna a perda instantânea do calor absorvido pelas rochas expostas às soalheiras, impõe-lhes a alternativa de alturas e quedas termométricas repentinas; e daí um jogar de dilatações e contrações que as disjunge, abrindo-as segundo os planos de menor resistência. De outro, as chuvas que fecham, de improviso, os ciclos adurentes das secas, precipitam estas reações demoradas.

As forças que trabalham a terra atacam-na na contextura íntima e na superfície, sem intervalos na ação demolidora, substituindo-se, com intercadência invariável, nas duas estações únicas da região.

(IN: CUNHA, E. – Os Sertões, Círculo do Livro, s/d)

Comentários

  1. Os relatos contidos na obra “os sertões” denunciam há mais de 100anos à injustiça fomentada e pratica por quem (a república ) deveria diminuir.

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