Escrita no corpo: um gesto banal?
Às vésperas de mais uma votação na Câmara para autorizar (ou não) a investigação do presidente da República, um deputado decide registrar o voto no próprio corpo. Novamente, a tatuagem está na ordem do dia. Não faz muito tempo, a imprensa noticiava com consternação o episódio de um rapaz que tentava furtar uma bicicleta e foi brutalmente castigado por dois homens (juízes e carrascos a um só tempo), que, à força, depois de amarrarem seus braços e pernas, dividiram a tarefa de puni-lo: enquanto um tatuava na sua testa os dizeres “Eu sou ladrão e vacilão”, o outro filmava a proeza para mostrá-la ao mundo, multiplicando-a em milhões de telas.
Em ambas as situações, o corpo é convertido em suporte de uma mensagem escrita, que, pelo menos em tese, deveria ser permanente.
No caso do rapaz, o fato se dá involuntariamente, como punição, num franco retorno a práticas dos séculos 16 e 17, quando escravos que roubavam tinham o corpo marcado com a letra F (de forca), quando não à imaginação de Franz Kafka (na sua novela “Na colônia penal”, escrita em 1914, o escritor descreve em detalhes uma máquina de tortura e execução de condenados, que, posta em funcionamento, inscrevia no corpo da pessoa repetidas vezes, por meio de agulhas incrustadas numa engrenagem, o crime pelo qual estava sendo punida).
No caso do deputado Wladimir Costa (SD-PA), é por livre e espontânea vontade que, num gesto de “solidariedade” ao amigo presidente, às voltas com mais denúncias de corrupção, marca o próprio corpo. Tatua uma espécie de logotipo em que um desenho da bandeira brasileira encima o sobrenome do presidente, “Temer” (que também poderá ser lido como o verbo “temer”, de acordo com a conveniência).
Em ambos os casos, o destino do gesto é a veiculação na internet. A imagem do rapaz filmado com as garatujas inscritas na testa acabou produzindo efeito contrário ao pretendido, como sói acontecer quando o castigo é desproporcional ao delito.
À imagem do deputado, acompanhada de suas frases lapidares, “Quem é Temer é Temer, não tem medo. Amigo é amigo, filho da puta é filho da puta. Vamos vencer dia 2 com a bênção de Deus. Deus está no comando”, só resta integrar a galeria de ridicularias destes tempos bicudos.
IMPORTANTE PROFESSORA
Conteúdo dentro de conteúdo – verdadeiras bibliotecas possíveis pela internet – que apenas hoje, graças a uma notícia oblíqua, descobri que a Professora está nas fileiras do UOL. Como é bom saber de sua presença aqui!
Sobre marcar o corpo, haverá por certo outros casos e obras para merecer lembrança nesse assunto, mas faço menção aos filmes “O livro de cabeceira (The pillow book)” e “Amnésia (Memento)”, os quais tratam da obsessão ou da necessidade de uso da pele humana como superfície de escrita.
Não sei se a professora já viu algum desses títulos, mas ficam já as indicações, que por certo serão bem mais agradáveis do que a lembrança triste do caso dos tatuadores de testa ou do deprimente deputado, agindo possivelmente “só com interesses de amizade”.
Longas saudações.