O preconceito é sempre uma premissa falsa

Thaís Nicoleti

Às vésperas da realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), acatando pedido da Associação Escola sem Partido, determinou a suspensão da anulação das redações cujo conteúdo desrespeite os direitos humanos, critério que vem sendo seguido pelas equipes de correção de textos desde 2013.

Sob o argumento de que “ninguém é obrigado a dizer o que não pensa para poder ter acesso às universidades”, a referida associação, na prática, reivindica, em nome da liberdade de expressão, o direito à manifestação de preconceitos.

Nas palavras do desembargador federal Carlos Moreira Alves, o critério do Enem é ilegal, pois ofende a garantia constitucional de manifestação de pensamento e opinião. Na opinião dele, o candidato não deve ser privado do direito de ingresso em instituições de ensino superior caso a opinião manifestada “venha a ser considerada radical, não civilizada, preconceituosa, racista, desrespeitosa, polêmica, intolerante ou politicamente incorreta”.

O que sustenta essa decisão, da qual o Inep vai recorrer, é uma vaga premissa de que a correção de uma redação seja a análise da competência linguística do estudante como algo independente do conteúdo expresso. Em outras palavras, o professor deve corrigir a forma, não o conteúdo, como se houvesse um claro limite entre uma coisa e outra.

Será possível defender, com coerência, uma opinião “não civilizada, preconceituosa, racista, desrespeitosa ou intolerante”? Será o respeito aos direitos humanos uma opção no balcão de ideologias ou de partidos políticos?

O momento de polarização ideológica que vivemos expressa não apenas as diferenças de visão de mundo e de interesses como também a intolerância, cujos frutos a história já nos mostrou em grandes tragédias como o Holocausto dos judeus e a escravidão em vários lugares do mundo.

Dizer que alguém tem o direito de não gostar de homossexuais, de negros, de mulheres ou de judeus, por exemplo, é fazer apologia do preconceito. O preconceito, no entanto, é sempre uma premissa falsa.

Em tempos de devoção às redes sociais, o que se passou a considerar “opinião” é, na maioria das vezes, a primeira impressão que se tem de algo. Basta uma fração de segundo para conceder um “like” a um “post” lido em outra fração de segundo. Opinião é algo que se constrói com reflexão.

Muito se fala em respeito aos direitos humanos, ideia que deve nortear qualquer processo educacional, a menos que a escola abdique de ser o lugar por excelência da reflexão e da construção do pensamento crítico.

A palavra “respeito”, no entanto, talvez por ter diferentes significados, por vezes se presta a raciocínios imprecisos, do tipo “eu trato todo o mundo com respeito, mas não gosto de homossexuais nem de negros”. Quem diz isso respeita ou não os homossexuais e os negros?

É provável que a pessoa tome a ideia de respeito por não xingar ou não agredir, responder caso o outro lhe dirija a palavra e alguns gestos desse teor. Está, assim, quite com a sua cota de tolerância, o que lhe permite “não gostar de homossexuais e de negros” (atitude sentida como um direito seu) e, por conseguinte, não contratá-los para trabalhar em sua empresa, não admiti-los como amigos ou membros da família (por casamento ou namoro), enfim, segregá-los.

O respeito aos direitos humanos pressupõe uma atitude interna de reconhecimento do outro como igual em humanidade, mesmo quando o outro erra. A punição ao erro deve ser aplicada segundo a lei, sob os auspícios da razão. Caso contrário, estaremos renunciando à mais basilar conquista da civilização. Abrir espaço para a “defesa” de opiniões “não civilizadas, preconceituosas, racistas, desrespeitosas ou intolerantes” é sonegar à educação o seu papel na formação do caráter e da cidadania.