Quem quer ser um professor?
Recebi há coisa de alguns dias o link de uma reportagem que, veiculada no programa do apresentador Datena, mostrava as agruras de um professor de história e geografia que completava o salário atuando como catador de papel para fazer face às despesas de uma vida humilde. Quem não viu pode encontrar facilmente o vídeo na internet. Dispenso-me de reproduzi-lo aqui, uma vez que o resumo da situação já é suficiente para deflagrar uma reflexão.
É óbvio que a situação gera um misto de compaixão com indignação. Algo nos diz que um professor, alguém que frequentou uma universidade com o intuito de desenvolver atividade intelectual, não deveria estar disputando o mercado da informalidade num ofício que não requer as luzes do saber. A realidade, no entanto, impõe-se.
Cá com meus botões, eu me pergunto que tipo de reverberação produz uma notícia como essa. Tenho a impressão de que reforça o estigma que caiu sobre a profissão, tida como última opção na hora da escolha da carreira a seguir. Qual é o jovem que, no momento do vestibular, manifesta o desejo de ser professor?
Professor só merece respeito (e olhe lá) se for docente universitário, com titulação e, de preferência, com cursos concluídos no exterior. Esses ainda não têm vergonha de serem professores, pois, em geral, vêm de um estrato social que lhes permitiu o tempo e as provisões necessárias para dedicar-se aos estudos complementares e fora do país.
Imagino que o professor que hoje trabalha no ramo da reciclagem de papéis preferiria estar complementando sua formação na França ou nos Estados Unidos da América, mas essa não era uma opção ao seu alcance.
Por outro lado, quais são os professores que se dispõem a transmitir conhecimento e formação às crianças pobres de todas as regiões do país, enfrentando os percalços que tanto conhecemos?
Muito bem. Não faz tempo, eu me meti a escrever uma resenha crítica de um livro paradidático (eu tinha críticas ao livro, não aos autores, diga-se de passagem) e, como o volume foi escrito por pessoas que davam cursos de redação, eu – inadvertidamente – chamei-as de “professores”. Entre as queixas que recebi, acrescidas do natural direito à réplica que lhes foi concedido, estava a de que não eram “professores” (um deles já se aposentara da profissão e o outro trabalhava no circuito editorial), portanto não queriam ser assim chamados.
Eu me dispensei de publicar uma tréplica, embora pudesse tê-lo feito, dada a quantidade de material que eu havia levantado. Pensei até mesmo em enviar tudo por e-mail aos autores como forma de contribuir no caso de uma reedição da obra, mas tive a sensação de que não estariam interessados. Enfim, deixei de lado isso, mas, com toda a certeza deste mundo, chamá-los de professores não foi uma forma de depreciá-los – não no meu entender, eu, que sou chamada de “professora” desde os 20 anos de idade e que assim me apresento.
É curioso observar como os jogadores de futebol respeitosamente chamam o técnico de “professor”, mas professores que ministram cursos em empresas têm de dizer que estão dando um “treinamento”.
Vamos dar uma olhada no dicionário e ver o que ele tem a dizer. Gosto muito do Houaiss, que vou usar aqui, mas também do Caldas Aulete, do Aurélio, do Priberam e dos mais antigos. Segundo o Houaiss, treinar é “tornar hábil, destro, capaz, por meio de instrução, disciplina ou exercício; habilitar, adestrar”, bem como “preparar-se para competições desportivas ou outros fins”.
Sou de opinião de que sempre é bom dançar de acordo com a música, de modo que não me importo de dar “treinamentos” em empresas, mas – vou dizer bem baixinho – eu sou professora (!).
Escrevi este texto para dividir com você esta minha preocupação. Alguma coisa vai muito mal quando as pessoas têm vergonha de serem professores.
Na minha humilde opinião, a reportagem do Datena, ainda que sem intenção, contribui para estigmatizar a profissão. Como poderá o professor, visto como um coitado, depauperado pela pobreza e pela precarização da sua atividade, ser a inspiração das crianças e jovens?