‘Incitar’ é com ‘c’, ministro, mas por que mesmo?
As gafes do atual ministro da Educação do governo Bolsonaro, um certo Abraham Weintraub, já foram tema de inúmeros comentários, e talvez os eleitores simpáticos ao governo tendam a achar exageradas as críticas.
(Fosse apenas esse o pecado do titular da pasta, talvez bastasse dar-lhe um puxão de orelha e dizer que “não pega bem” alguém na sua posição cometer erros de grafia, tidos, na idade adulta, como atestado de falta de intimidade com a língua escrita, portanto com a leitura.)
Qualquer um que tenha apreço pela educação está indignado com as ações do governo, que, sem projeto algum para a área, impõe um corte de verbas capaz de desestruturar todo o setor. Antes, porém, que alguém me pergunte se eu sou petista, volto a tratar do verbo “incitar”.
Ora, “insitar” ou “incitar”, com “s” ou com “c”, que diferença faz se a pronúncia é a mesma? Está demorando para alguém botar a culpa na língua portuguesa, que é “muito difícil”.
De fato, a nossa ortografia não é apenas fonética, coisa que, a bem da verdade, seria praticamente impossível, uma vez que a pronúncia está no campo da fala e esta é, por si mesma, instável e variada. Temos, portanto, dois princípios na base do sistema ortográfico: um deles é, sim, o fonético, e o outro é o etimológico.
O princípio etimológico considera a origem da palavra e, de modo geral, é o responsável pela existência de sons idênticos representados por letras diferentes. Conforme observamos a história das palavras, percebemos seus significados antigos e suas transformações no decorrer do tempo.
Para evitar certos erros de grafia, como esse do ministro, às vezes é suficiente observar algumas semelhanças entre palavras e, a partir disso, pelo menos “desconfiar” de que haja uma origem comum e – fatalmente – uma grafia comum. Palavras também pertencem a famílias, de modo que, como as pessoas, carregam traços comuns ao grupo e traços individuais.
“Incitar” e “excitar”, ambas as palavras têm a mesma origem latina: o particípio “citus”, do verbo “cieo”, que quer dizer “pôr em movimento”, “suscitar um movimento”. Note-se que “citar” é termo usado na tauromaquia no sentido de provocar o touro ao combate.
Vale atentar para os prefixos “in-” e “ex-“, que entram na formação dos dois termos. A oposição básica entre os dois se dá na direção do movimento, para dentro e para fora, respectivamente, fácil de perceber em pares como interno/ externo, interior/ exterior, importar/ exportar etc. Vale notar que o prefixo “in-“, por vezes, tem sentido intensivo (intensifica a ação), o que nos interessa aqui, em particular.
Em “excitar”, não é difícil compreender a ideia de movimento para fora (excitar os ânimos, por exemplo); o prefixo “in-” de “incitar”, por sua vez, assemelha-se ao de “impelir”, em ambos os casos prevalecendo a ideia de imprimir força a um movimento, ou seja, o sentido intensivo.
No português atual, “incitar” e “excitar” têm significados muito próximos, tanto que ambos são sinônimos de “estimular” (veja o que diz o dicionário Houaiss). O que distingue um de outro parece ser da ordem da sutileza e, sobretudo, do uso.
Poderíamos, a par disso, tentar aqui a interpretação de que “incitar” seria agitar algo (um sentimento) internamente, fazê-lo brotar, e “excitar” seria agitar algo (um sentimento) em direção ao exterior, ou seja, com o propósito de fazer sair (provocar reação física, fazer provocações). Daí, expressões como o incitar o ódio, incitar a compaixão, mas excitar os sentidos, excitar o apetite.
Na prática, bem como no Direito, quando falamos em incitação, o que temos em mente é o incentivo a uma ação. Constitui, aliás, prática delituosa a incitação ao crime, que é o estímulo ou incentivo a uma pratica criminosa feito em público, manifestamente.
As distinções semânticas, como vemos, são sutis, pois as palavras estão sujeitas a modificações no decorrer do tempo, por meio das quais vão se adaptando às novas necessidades e situações. A ortografia, embora esteja na camada superficial da língua, proporciona um importante diálogo com a história. Ao estudar a língua, é sempre bom ter um olho no presente e um no passado. Aliás, não só ao estudar a língua.