O internauta, a loja física, o jornal de papel e o amigo virtual: uma conversa sobre arcaísmos e neologismos

Talvez com atraso tomo conhecimento de uma discussão sobre a suposta obsolescência do termo “internauta”, que hoje, quando estamos todos conectados em tempo integral, perde a sua função.

Na década de 1990, “internauta” surgiu como neologismo, formado dos elementos “inter” (redução de “internet”) e “nauta” (do grego “naútes”). Calcado em “astronauta”, o “internauta” era, então, a pessoa que explorava o ambiente virtual ou navegava por ele, como astronautas navegam o espaço sideral, aeronautas navegam o espaço aéreo e nautas propriamente ditos navegam pelos oceanos.

Naturalmente soa pueril dizer que internauta não navega porque a internet não é um oceano e que, portanto, melhor seria substituir o termo por “usuário”. É próprio da língua estender o sentido de um termo a outros contextos (e a prova disso, no caso de nauta, está nos termos aeronauta e astronauta, entre outros).

Quanto a “usuário”, esse é um termo que requer complemento. É frequentemente associado a consumo de entorpecentes (usuários de drogas), portanto teria de ser sempre seguido de seu complemento: usuário de internet. Ocorre, porém, que, nesse caso, estaríamos, como dizem os antigos, trocando seis por meia dúzia.

O problema real é outro. Não se trata de substituir um termo por outro, coisa que, aliás, quando ocorre, costuma ser espontânea. Palavras precisam ser funcionais, ter serventia, para que sejam acolhidas pela língua, afinal esta é um fenômeno social.

A língua tanto acolhe palavras novas, os chamados neologismos, como aposenta termos sem utilidade. Os neologismos, como toda novidade, chamam a atenção, despertam a curiosidade, chegando até a suscitar discussões e algumas paixões.  Já os que saem de cena costumam fazê-lo em silêncio, discretamente, sem um último aceno de adeus. Esses são os arcaísmos, que vão sendo esquecidos pouco a pouco, deixando de aparecer nos textos e nas conversas.

Talvez seja esse o destino do “internauta” num futuro próximo, quando lhe restará a companhia de termos como adail (antigo posto militar), almotacel (certo inspetor), albende (bandeira), samicas (talvez), toste (depressa), asinha (depressa), adur (dificilmente, a custo), nacibo (destino, sina), talaca (divórcio)…

Vários são os motivos que levam um termo a tornar-se um arcaísmo. Almotacel (ou almotacé), por exemplo, era, na Idade Média, um inspetor encarregado da aplicação de pesos e medidas e da taxação e distribuição dos gêneros alimentícios. Esse é um caso em que a palavra saiu do uso porque deixou de existir aquilo que ela nomeava. O mesmo se deu com a expressão “em cabelo” que, na época, era aplicada a mulheres solteiras, uma vez que as casadas deveriam cobrir a cabeça com uma touca. Despareceu o costume, desapareceu a expressão.

“Internauta”, se estiver mesmo em via de extinção, estará nesse grupo de arcaísmos e talvez venha a configurar o caso de palavra de vida mais curta na língua, que terá durado míseros 30 anos. Vale notar, entretanto, que há termos que persistem, sobretudo em expressões idiomáticas, mesmo quando sua base referencial é algo que já deixou de existir. Vejam-se os casos de “pegar o bonde andando” e “cair a ficha”, ambos plenamente em uso, mesmo por quem nunca tenha tomado um bonde ou feito uma ligação telefônica nos equipamentos públicos, aqueles com fichas metálicas (anteriores aos modelos com cartão, ainda existentes).

A questão da aposentadoria precoce do “internauta” ainda divide opiniões porque, enquanto, para alguns, estar conectado é como respirar, portanto seria desnecessário caracterizar alguém como tal (chamar alguém de “internauta” seria como chamar a pessoa de “respirante”), para outros, o termo ainda tem vitalidade, pois permite caracterizar a pessoa como usuária de um meio específico, a internet (afinal, a palavra “telespectador”, usada para quem vê televisão, continua em circulação).

O fato é que a internet dominou nossos hábitos de tal forma que passou a ser o principal meio de comunicação das pessoas. Quando alguém diz que leu uma notícia ou que assistiu a um vídeo, a um filme ou a um seriado ou que ouviu uma música nova, logo imaginamos que tenha feito tudo isso pela internet, com seu smartphone – principalmente se essa pessoa tiver nascido no século 21.

Mudou a percepção do “natural”, daquilo que não precisa ser nomeado. Hoje, quando lê um livro ou jornal impresso em papel, a pessoa tende a contar isso como experiência específica (é até engraçado para nós, os jurássicos, ouvir e até dizer também “jornal de papel”). Vejam-se expressões como “loja física” ou “livro físico”. O adjetivo antes era desnecessário, pois ninguém imaginaria que uma loja ou livro pudessem ser desprovidos de sua materialidade.

Hoje essas expressões se tornaram corriqueiras, um sinal de que o nosso referencial vem mudando a passos largos.  Por enquanto, ainda usamos a expressão “amigo virtual”, que denomina aqueles nossos amigos que só conhecemos pelo avatar nas redes sociais, com os quais nunca tivemos o prazer de um cafezinho. Quanto tempo levará para que a expressão natural seja “amigo físico”, quando este, enfim, for a exceção, como um jornal de papel…?