Em defesa do neologismo
“A economia brasileira despiora um tico. ‘Despiora’, sim. Tem de ser na base do neologismo, pois apenas nos recuperamos do infarto geral de dezembro. A carga de energia subiu um pouquinho, 0,7%, sobre fevereiro de 2008, mas foi um crescimento tão fraco como o do já terrível novembro do ano passado.” Em 3 de março de 2009, o articulista Vinicius Torres Freire cunhava o neologismo “despiorar”, que, de lá para cá, ele próprio usou 63 vezes em suas colunas da Folha, atravessando os governos de Lula, Dilma, Temer, Obama e, finalmente, chegando ao de Bolsonaro.
Só agora, porém, o termo ganhou as redes sociais, nas queixas do fã-clube do presidente da República, que nele viram um modo de mascarar uma suposta “melhora” da economia.
O próprio autor explicou o termo em 2009 (governo Lula), quando o empregou pela primeira vez na Folha. Não é preciso muito esforço para compreender o que ele quis dizer.
Vale relembrar que o prefixo “des-” é usado, principalmente, no sentido de negação ou oposição (contente/ descontente; prestígio/ desprestígio; confiança/ desconfiança; amor/ desamor; proporcional/ desproporcional), de falta (desabrigo, desalento, desemprego, desânimo) e de separação ou afastamento (desenterrar, desembolsar).
Associado a formas verbais, porém, sugere cessação de uma ação e, em certos casos, a volta a um estado anterior (fazer/ desfazer; costurar/ descosturar; mistificar/ desmistificar; afivelar/ desafivelar). O neologismo “despiorar” parece incorporar-se a esse grupo, uma vez que indicaria a cessação do processo de piora e talvez (não necessariamente) um retorno ao ponto em que as coisas começaram a piorar.
Vale notar que, rigorosamente, só piora aquilo que já está ruim e só melhora aquilo que já está bom. Pior e melhor são superlativos de mau e bom (ou de mal e bem), portanto são termos que aumentam a intensidade do que é mau e do que é bom. É por isso, aliás, que recomendamos, à luz da norma-padrão, que se evitem as construções “mais melhor” e “mais pior”.
A expressão “menos pior”, que também não está prevista no capítulo dos superlativos (diríamos “menos mau” ou “menos mal”), acabou por ganhar força expressiva e, em certos contextos, tem o mesmo efeito do neologismo do articulista, ou seja, o de indicar um breve recuo do processo de piora.
A questão filosófica é saber se aquilo que deixa de piorar melhora. Ao pé da letra, não, pois o que deixa de piorar não fica bom (menos ainda “mais bom”) – apenas estaciona ou, quando muito, volta ao seu grau anterior de ruindade. Se dissesse que a economia melhorou, o autor estaria pressupondo que ela estava boa antes.
Para evitar esse sentido embutido na palavra “melhorar”, o articulista criou o seu “despiorar”, que foi, como o são muitos dos neologismos, uma forma de resolver uma questão semântica. O resto, se nos autorizam os vernaculistas de plantão, é “mi-mi-mi”.