Rachadinha, rachadona ou rachadão?

Antes era “mensalão” e “petrolão”, no aumentativo, mas agora é “rachadinha”, no diminutivo. Será que estamos pegando leve com a primeira-família brasileira? A questão vez ou outra aparece nas redes sociais à espera de alguma explicação. Há até quem sugira que se passe a tratar do tema usando o grau aumentativo por uma questão, digamos, de equidade: “rachadona” ou talvez “rachadão”. Será?

Provavelmente, não, embora não se possa contestar a percepção de que o aumentativo e o diminutivo põem em cena afetos diferentes. O que é desmesuradamente grande costuma ser feio ou condenável (bocarra, corpanzil, narigão, comilão, sabichão), mas também não se pode generalizar. Quem não prefere a imponência de um casarão à precariedade de um casebre?

Quanto a “mensalão” e “petrolão”, pouco ou nada se dirá além do óbvio: o aumentativo sugere o trânsito de vultosas somas. “Mensalão” já existia como apelido de um recolhimento de imposto e, salvo engano, foi Roberto Jefferson quem lhe deu o novo sentido (espécie de “mesada” ou pagamento mensal ilícito de altas quantias), logo adotado por toda a imprensa. “Petrolão”, surgido na própria mídia, não teve uso tão generalizado, mas por certo foi uma tentativa de mimetizar o já popular “mensalão”.

“Rachadinha”, no entanto, pouco ou nada diz sobre o montante das quantias desviadas, mas diz, isto sim, sobre a modalidade de ação, embora, a bem da verdade, o sufixo de diminutivo possa insinuar que se trate de coisa de pouca monta. O termo sugere uma ação furtiva, um cambalacho entre comparsas. É possível que tenha surgido entre os próprios usuários da prática.

Do ponto de vista gramatical, tem a mesma estrutura de espiadinha, olhadinha, passadinha, saidinha e outros, de uso regular sobretudo no registro oral. Vale notar que esses termos são derivados de verbos (o ato de espiar, o ato de olhar etc.) e neles o sufixo diminutivo não informa tamanho ou volume, mas a noção de tempo reduzido (uma ação rápida e, ocasionalmente, furtiva). A loteria chamada de “raspadinha” tem a mesma estrutura (com uma ligeira raspada no bilhete, a pessoa obtém o resultado).

Dar uma passadinha em algum lugar é fazer uma breve visita; dar uma saidinha é escapulir para voltar logo (aliás, é o termo informal usado para denominar a saída temporária de presidiários); dar uma batidinha na porta é golpear a superfície com leves pancadas; dar uma espiadinha pelo buraco da fechadura… é fazer uma travessura, mas bem rapidinho.

No português  do Brasil, o verbo “rachar”, no registro informal, quer dizer “dividir”, “repartir” (“rachar a conta do restaurante”, “rachar o prêmio com os amigos”) — e é desse sentido que deriva a conhecida “rachadinha”. Eu te nomeio pra fingir que trabalha no meu gabinete e a gente dá uma rachadinha na grana do teu salário. Topas?

O diminutivo, no caso, parece diminuir a gravidade do fato, reduzido a uma molecagem ou a uma malandragem; a “rachadinha” é uma “boquinha”, uma oportunidade de ganhar dinheiro fácil à custa do erário.

No português do Brasil, o uso afetivo do diminutivo tem alta frequência. Quando nos pedem que esperemos um minutinho, geralmente gastamos bem mais que 60 segundos, mas o sufixo “-inho” torna mais gentil o pedido e arrefece nossa impaciência. Oferecer um cafezinho, fazer uma fezinha na loteria, ajudar a senhorinha a atravessar a rua, arranjar um tempinho, fazer uma viagenzinha, ganhar um dinheirinho extra, dar um pulinho na casa de alguém, esperar um pouquinho, tomar um solzinho, comer um docinho, essas frases são muito naturais no cotidiano dos brasileiros.

O diminutivo pode expressar carinho (Que bonitinho o seu gatinho!), mas também pode sugerir ironia (Ele fez um comentariozinho no fim da reunião; Ele é autor de um livrinho de receitas) ou depreciação (É um professorzinho de cidade pequena; É um juizeco de primeira instância). Uma musiquinha pode ser uma sequência simples de notas (um jingle publicitário que ficou na memória, por exemplo), mas jamais será uma sinfonia. Um feijãozinho com arroz evoca uma comida caseira, familiar, afetiva; já o feijão com arroz pode nem ser comida, mas qualquer coisa comum e repetitiva.

É fato que a alteração de grau – tanto do substantivo como do adjetivo e do advérbio – tem um componente afetivo e, quando a disputa entra no campo da retórica, como ocorre na política, é bom estar atento às sutilezas da língua.