Ser professor: um compromisso com a liberdade

Certa vez, publiquei neste espaço um texto que se propunha explicar por que o Enem adotava como um de seus critérios de correção de redação o respeito aos direitos humanos. Na ocasião, tentei demonstrar que o preconceito atrapalhava a elaboração de um raciocínio construído em bases lógicas, uma vez que constitui uma premissa falsa, mas reconheço que a acolhida não foi das melhores.

Bem, estávamos no fim de 2017 e o movimento Escola sem Partido ganhava uma briga na Justiça. Conseguiu para os seus adeptos uma vitória contra essa bobagem chamada direitos humanos, vitória essa que, segundo muito se difundiu na época, era uma vitória da liberdade de expressão. Afinal, poderiam finalmente os alunos, até então oprimidos pela ideologia dos direitos humanos, manifestar livremente o seu desapreço por negros, homossexuais, pessoas com deficiência, pessoas pobres e tudo o mais que a imaginação e as redes sociais lhes oferecessem como subsídio à construção do pensamento.

Um ano depois, era eleito Jair Bolsonaro, o candidato sincero, aquele que usava a liberdade de expressão para fazer apologia de preconceitos e até da tortura, o candidato que legitimava os piores sentimentos das pessoas, então libertas pelo ódio ao vizinho.

Rapidamente, as redes sociais se encheram de relatos de alunos que, estimulados por pais fanáticos ou mesmo por esse movimento ideológico dito Escola sem Partido, filmavam seus professores para denunciá-los por estarem criticando o governo ou defendendo justiça social e outras pautas associadas ao pensamento crítico – ou de esquerda, ou comunista.

Com a pandemia de Covid-19, o ensino remoto transformou-se em opção para uma parcela do alunado. A circunstância criou uma curiosa situação: pais começaram a ouvir as aulas que os filhos recebem e, segundo relatos de amigos professores, alguns intervêm nas aulas, fazendo a censura ideológica tão desejada por aqueles que, no longínquo 2017, se insurgiam contra a correção da prova de redação do Enem.

Ser professor nunca foi fácil, mas, neste momento, parece cada vez mais difícil. Muitos pais – e naturalmente aqui me refiro a uma parcela daqueles que pagam por ensino privado – veem na escola um lugar seguro onde possam deixar os filhos por algum tempo ou um lugar controlado, uma espécie de clube, onde os filhos convivam com seus iguais. Os professores, nesse caso, devem estar a serviço desses pais e, portanto, dizer aos filhos deles aquilo que eles próprios, os pais, querem que lhes seja dito.

Penso, no entanto, que ao professor cabe uma tarefa muito mais complexa e muito mais digna que essa: a de conduzir o desenvolvimento dos alunos. Vale lembrar que “desenvolver” é tirar aquilo que envolve ou cobre. A escola não é (ou não deveria ser) mera continuação do lar nem o professor um mero transmissor de conteúdos, a serem pinçados em um cardápio. Devem levar os jovens a pensar criticamente e com autonomia, sem que a estes seja negado o direito ao conhecimento ou imposto qualquer tipo de censura, seja qual for o pretexto.

É preciso educar para a liberdade. Neste Dia do Professor, minha solidariedade a todos os que estão nessa luta!

Observação: o texto contém trechos irônicos (leia com atenção).