Corroborar e comentar

Merece atenção a regência de “corroborar”, verbo que parece ter entrado na moda na esteira do adjetivo “robusto”, e a de “comentar”. Os dois são transitivos diretos, mas vêm sendo empregados como se fossem transitivos indiretos. De tempos em tempos, um leitor (ou será uma leitora?) se queixa dessas construções encontradas aqui e ali no grande conjunto de textos que são publicados diariamente na Folha.

O verbo “corroborar”, pouco tempo atrás, era típico de textos formais – em geral, de caráter científico ou jurídico –, usado em seu sentido próprio, qual seja o de reforçar, consolidar, ratificar, confirmar. De uns tempos para cá, ganhou espaço em conversas informais (não é difícil encontrá-lo nas redes sociais, por exemplo), mas, nessas situações, frequentemente com sentido alterado. O que primeiro nos chama a atenção nesse uso é a pesença da preposição “com” a introduzir o seu complemento.

Em vez de frases como “Os argumentos corroboram a hipótese” ou “Os fatos corroboram a teoria”, vamos encontrar “Fulano não corrobora com isso”, caso em que seria mais apropriado o verbo “concordar”.

Vejamos alguns exemplos, extraídos da Folha:

Ao entrar na casa, Thaís havia anunciado que era “a rainha das tretas” e que adorava “ser o centro das atenções”. Porém, sua passagem pela casa não corroborou com as afirmações. (F5. 13.4.21)

Nesse trecho, bem poderíamos ter dito que “sua passagem pela casa não corroborou as afirmações” (ou “não comprovou as afirmações”), deixando a preposição “com” para as situações em que ela é necessária. O mesmo vale para o exemplo seguinte:

Em outubro falei para meu pessoal pisar no acelerador, comprar terreno, acelerar obras, porque sentíamos que as coisas ficariam boas. Janeiro e fevereiro corroboraram com isso, mas março e abril mostraram que não é bem assim. (Mercado. Painel S/A. 21.4.19)

Bastaria, nesse caso, suprimir a preposição “com” (corroboraram isso). Na passagem abaixo, porém, “corroborar” parece ter sido uma escolha lexical imprópria. A correção da regência não seria suficiente para tornar a frase compreensível. Vejamos:

Na última viagem a Manaus, dias antes de o sistema de saúde da capital amazonense entrar em colapso por falta de oxigênio, Pazuello corroborou com os técnicos do ministério, que recomendaram à prefeitura de Manaus a distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada para Covid-19 a pacientes com sintomas leves, nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs). (Cotidiano. Equilíbrio e Saúde. 29.1.21)

Aparentemente, corroborar foi usado no lugar de concordar, assentir, aquiescer (concordou com os técnicos do ministério). Para usar “corroborar”, seria necessário alterar um pouco o restante do texto. Vejamos:

Na última viagem a Manaus, dias antes de o sistema de saúde da capital amazonense entrar em colapso por falta de oxigênio, Pazuello corroborou as recomendações dos técnicos do ministério, que orientaram a Prefeitura de Manaus a distribuir  medicamentos sem eficácia comprovada para Covid-19 a pacientes com sintomas leves, nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs).

No último fragmento selecionado (abaixo), temos a transcrição de um comunicado. Nessa situação, a Redação não faz correções gramaticais, mas nada nos impede de usar o [sic] – tanto pelo uso inadequado de “corroborar” como pela grafia de “linchamento” (do inglês “lynch”), cujo erro salta aos olhos. Vejamos:

“Viemos esclarecer que a nossa equipe não corrobora com o linxamento moral que a política do cancelamento gera, tanto nas redes quanto dentro da própria casa, onde estamos vendo de forma inaceitável com que o participante Lucas vem sendo tratado”, escreveram os administradores das redes de Fiuk em comunicado, na mesma rede. (F5 2.2.21)

Tivesse a assessoria de Fiuk feito uma revisão de texto, teríamos o seguinte:

Vimos esclarecer que nossa equipe não concorda com o linchamento moral, gerado pela política do cancelamento, tanto nas redes sociais quanto dentro da própria casa, onde o participante Lucas vem sendo tratado de forma inaceitável.

O verbo “comentar”, por sua vez, tem aparecido seguido da preposição “sobre”. É possível que o traço semântico de assunto que essa preposição carrega seja responsável, pelo menos em parte, por essa “inovação”. Outra hipótese é a contaminação da regência do substantivo correlato “comentário”, este sim ligado ao seu complemento pela preposição “sobre” (fazer um comentário sobre algo). Vejamos alguns exemplos, todos extraídos do mesmo texto:

O advogado da auditora, Joseph Araújo, não confirmou o uso do papel timbrado nas denúncias e preferiu não comentar sobre essa acusação.

[…]

O TJ-RN não comentou a prisão da auditora, nem as denúncias feitas por ela contra o magistrado. “O Tribunal de Justiça não se pronuncia e não emite juízo de valor sobre o assunto, que tramita nas esferas judiciais competentes”, afirmou em nota.

[…]

O CNJ aguarda a conclusão do processo disciplinar para dar andamento ao procedimento de apuração interna contra o juiz. A Folha entrou em contato com o órgão no último dia 23 para comentar sobre o caso, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.

Vale observar a hesitação entre as duas construções. A única considerada correta, à luz da norma-padrão, é a segunda (O TJ-RN não comentou a prisão). Comentamos a prisão, a acusação, o caso, enfim, comentamos alguma coisa (não “sobre” alguma coisa). Esse uso, no entanto, é muito frequente na imprensa como um todo. Vejamos mais um exemplo:

“Só que não tenho vergonha, foi a forma que levei”, afirma a atriz. “Nunca menti pra ninguém, não fui falsa, só fui jogadora. Fugi dos paredões como o Tiago pedia”, assegurou. A youtuber também comentou sobre sua trajetória no jogo durante o programa BBB: A eliminação (Multishow).

Em suma, nossa recomendação aos jornalistas da Folha é que usem “corroborar” e “comentar” como transitivos diretos (sem preposição).