Dividir opiniões e chegar a 5%
Na edição do último dia 2 de maio, em interessante reportagem sobre o uso de criptomoedas, a expressão “dividir opiniões” apareceu em duas construções, uma das quais inusual. Em outro texto, que oferece explicações sobre o câncer de estômago, veremos um emprego do verbo “chegar” merecedor de observação. Vamos aos casos!
No primeiro texto, que trata dos efeitos da maior presença das entidades monetárias no segmento de criptomoedas, lemos o seguinte subtítulo:
Decisões pró e contra moedas digitais dividem opiniões entre analistas e executivos do setor
Logo a seguir, temos esta construção:
Os analistas e executivos do setor dividem opiniões sobre os efeitos que a maior presença das entidades monetárias pode trazer ao segmento.
Convido o leitor atento a observar o sujeito do verbo “dividir” em cada passagem.
No primeiro caso, as decisões dos bancos centrais, favoráveis ou contrárias ao uso de crptomoedas, dividem opiniões entre analistas e executivos do setor. “Dividir entre” sugere “repartir” (dividir o prêmio entre os ganhadores), portanto não nos parece a melhor escolha. Esse problema, porém, poderia ser sanado com a substituição de “entre” por “de”, preposição que estaria ligada ao substantivo “opiniões” (opiniões de analistas e executivos).
É interesante observar a segunda passagem destacada, na qual o que divide opiniões não é o assunto, como seria de esperar. Agora os analistas e executivos do setor é que dividem opiniões “sobre os efeitos que a maior presença das entidades monetárias pode trazer ao segmento”, ou seja, pessoas dividem opiniões sobre um tema.
Afinal, o tema divide opiniões de pessoas (primeira passagem) ou pessoas dividem opiniões sobre o tema (segunda passagem)?
O sujeito de “dividir opiniões” é o tema, não as pessoas que o discutem. “Dividir opiniões” é mais ou menos o mesmo que “ser polêmico”. Assim, parece-nos, finalmente, que, sobre a segunda passagem, seria correto dizer que os efeitos da maior presença das entidades monetárias no segmento de criptomoedas é que dividem opiniões de analistas e executivos. Assim:
Os efeitos da maior presença das entidades monetárias no segmento de criptomoedas dividem opiniões de analistas e executivos do setor.
O segundo tema que vamos abordar aqui é o emprego do verbo “chegar” quando ligado a quantias ou somas. Em geral, nós usamos o termo para indicar a elevação, não a redução. Por exemplo: os valores desviados chegaram a R$ 200 mil ou os valores desviados não chegaram a R$ 20 mil. Na frase afirmativa, o valor é alto; na frase negativa, o valor é bem mais baixo. Tanto em uma como em outra, no entanto, subentende-se como ponto de partida o zero ou, pelo menos, um valor inferior às quantias expressas.
Causou-nos certa estranheza o uso de “chegar a” feito no infográfico que fornece dados sobre o câncer de estômago, publicado a propósito da doença do prefeito de São Paulo, Bruno Covas. Vejamos:
31%
é a taxa de sobrevivência média de pacientes com câncer de estômago cinco anos após o diagnóstico, segundo estatísticas americanas; esse índice chega a 5% quando há presença de metástase
Como o ponto de partida é 31%, o índice sofre uma redução, aliás bastante expressiva. O mais comum seria dizer que o índice cai para 5% ou se reduz a 5%. “Chega a 5%” sugere que o ponto de partida seja inferior, não superior.
Sintetizando os dois temas tratados hoje, temos o seguinte:
- o sujeito de “dividir opiniões” é um tema, um fato, algo abstrato;
- “chegar a”, quando exprime quantias ou valores, sugere aumento, elevação de um ponto inferior a um ponto superior.