Concordância do verbo “ser” tem regras especiais
O verbo concorda em número e pessoa com o sujeito da oração. Certo? Sim, mas nem sempre.
O comportamento do verbo “ser”, em algumas circunstâncias, desafia esse princípio de concordância. É o que ocorre, por exemplo, na seguinte passagem, extraída de um texto da Folha que noticiava o capotamento de um ônibus:
A maioria dos passageiros eram turistas. Fotos e vídeos publicados na internet mostram que grande parte dos passageiros eram jovens.
O sujeito da primeira oração do período é a expressão “a maioria dos passageiros”. Vale lembrar que o sujeito representado por um partitivo (no caso, “maioria”) seguido de plural admite duas formas de concordância: com o núcleo (“maioria”) ou com o especificador (“passageiros”), sendo esta última chamada de concordância atrativa.
Poderíamos, portanto, dizer que a maioria dos passageiros sofreu graves ferimentos ou que a maioria dos passageiros sofreram graves ferimentos. Isso é reconhecido pela tradição, como se pode aferir em qualquer gramática, mesmo que a muita gente pareça estranho dizer que a maioria das pessoas “fizeram” alguma coisa.
Em alguns casos, no entanto, nada haverá de estranho nesse tipo de concordância. Uma frase como “a maioria dos homens eram idosos” parece bem mais natural que “a maioria dos homens era idosa”. O mesmo vale para “um terço das mulheres estavam grávidas”, mais natural que “um terço das mulheres estava grávido”. O falante poderá optar pela construção que achar melhor, mas aquela que segue estritamente a regra de concordância com o núcleo do sujeito é artificial.
Nessas construções, temos verbos de ligação (“ser”, “estar”) seguidos de predicativos (“idoso/s”, “grávido/as”). Essa circunstância geralmente leva à opção pela concordância atrativa.
No trecho da reportagem mencionado acima, há convergência de duas situações: o sujeito representado por partitivo (“maioria”, “grande parte”) e o emprego do verbo “ser”.
Até aqui falamos sobre a primeira delas. Vamos, agora, tratar da segunda, isto é, das particularidades do verbo “ser” quanto à concordância.
Na “Moderna Gramática Portuguesa”, de Evanildo Bechara, por exemplo, lemos o seguinte:
Nas orações ditas equativas em que com “ser” se exprime a definição ou a identidade, o verbo, posto entre dois substantivos de números diferentes, concorda em geral com aquele que estiver no plural.
Isso é o que enunciam, de modo geral, as gramáticas tradicionais. Nenhuma novidade, portanto.
Nas frases “a maioria dos passageiros eram turistas” e “grande parte dos passageiros eram jovens”, o predicativo é representado por um substantivo (“turistas” e “jovens”, este usado no sentido de “pessoas jovens”).
Ignorando o especificador dos partitivos (“dos passageiros”) e considerando apenas o núcleo dos sujeitos, teremos o verbo “ser” entre substantivos de números diferentes (maioria/ turistas; grande parte/jovens). Que diz a gramática tradicional? O verbo “ser” concorda, em geral, com o plural. Assim: “a maioria eram turistas”; “grande parte eram jovens”.
O que se poderia criticar na passagem que nos serviu para exemplificar esse interessante caso de concordância é a repetição da expressão “dos passageiros”, facilmente substituível por “deles”. A concordância, porém, está em consonância com a norma culta.
Há muito venho usando seus ótimos textos em minhas modestíssimas aulas, mestra!
O Ministro da Educação mandou o garoto estudar ética, mas o garoto deve estudar ética, claro. E também a
Língua Portuguesa com a nossa querida Thaís Nicoleti.
A regra de Evanildo Bechara de “geralmente” conduzir a concordância ao plural (a meu ver) não imprime segurança a quem a defende. Acho mais razoável dizer, no caso dos partitivos, tratar de silepse de número como defendia Eduardo Carlos Pereira em sua Gramatica Expositiva. A concordância dita como ideológica se reveste de sentido facilmente entendível. Sub censura da mestre.